Marçal Neto/Divulgação

Com um cenário totalmente diferente e muito mais complexo e multifacetado na comparação com as décadas passadas, os jovens profissionais têm milhares de desafios hoje, que vão muito além de ter ou não grandes ideias.

Os mais novos certamente construirão pontes, caminhos, referências e roteiros diferentes de Washington Olivetto, Nizan Guanaes, Marcello Serpa e outros craques do segmento que surgiram em outras gerações. Isso significa que há um apagão de talentos no mercado? Trabalhar nas agências ainda é o sonho de todos os criativos? O que fazer para manter e desenvolver prodígios?

Para tentar responder a todas estas perguntas, o debate promovido para comemorar o aniversário de 53 anos do PROPMARK contou com o painel Como reter talentos e abraçar as oportunidades. O debate foi mediado pela editora-chefe do jornal, Kelly Dores, e teve a presença e participação de Fernando Musa (Ogilvy), Luiz Sanches (AlmapBBDO), Marcio Oliveira (DM9DDB), Flavio Waiteman (Tech&Soul) e Dalton Pastore (ESPM).

Para Fernando Musa, CEO da Ogilvy, no Brasil, o negócio de propaganda vive de talento e precisa voltar a atrair o desejo dos profissionais. “O nosso ativo não é escritório, nem máquina, é gente. Precisamos de uma indústria que inspire. Estamos num processo de questionamento e em plena transformação. Não sei se sentado ali, no lugar dos jovens, eu escolheria uma agência para trabalhar hoje em dia”, afirma. Em sua visão, essa nova percepção de mercado sobre as agências, que hoje são supostamente menos desejadas que antes, é culpa do próprio segmento, que precisa ter uma cultura mais clara e convicta, além de processos melhores. “Temos de nos esforçar mais para atrair esses talentos. Precisamos de um processo de recrutamento menos viciado. Agência sempre foi lugar de diversidade e precisamos praticar isso por dentro”.

Sobre a dificuldade de reter talentos, outro ponto importante apontado pelo CEO da Ogilvy Brasil é o próprio momento econômico do mercado, que faz com que as agências também percam profissionais para outros mercados. Mas voltando o olhar para dentro, para ele é preciso ter política para resolver questões de gênero, raça, desestereotipar as equipes e entender todas as nuances. Além disso, Musa também apontou a falta de espaço para a inovação em alguns casos. “Precisamos ter também uma cultura de startupeiros. Em algum momento nos distanciamos desse caminho. Reconhecer essa questão é fundamental. Temos de olhar no espelho e questionar: o que posso fazer para entender o nosso problema? Tem uma frase do David Ogilvy que gosto muito: ‘o nosso maior ativo entra e sai pela porta todos os dias’”, apontou.

Cultura
Na percepção de Marcio Oliveira, copresidente da DM9DDB, outra questão fundamental é o quanto as agências conseguem desenhar com clareza os seus caminhos e moldar seus talentos de acordo com o mindset vigente. “Temos uma cultura formadora, por exemplo. Nos últimos 30 anos, formamos diversos profissionais brilhantes. Cheguei lá e me obriguei a falar com todo mundo. Ouvir o que as pessoas estão sentindo faz você se mover. E, claro, gera uma expectativa. Isso te move a entregar algo, porque vai vir reclamação e angústia, como em qualquer lugar”, explica.

Para ele, cultura organizacional e alinhamento das expectativas da agência com os anseios dos jovens profissionais não é algo que possa ser terceirizado pelo departamento de recursos humanos. “Estamos num momento em que as pessoas não são publicitárias, elas apenas estão publicitárias. Viemos de uma geração que tinha uma clareza maior de carreira. Então, hoje o que te segura lá é tesão e o quanto aquele lugar te respeita. Isso faz a gente mudar a maneira como lidamos com quem é da casa. E tem uma tônica bem presente hoje. O funcionário chega e fala: ‘Estou largando para biologia’. Qual vai ser a nossa contraproposta? O nosso mercado tem de ser sexy, atrativo e entregar uma coisa que passa por felicidade. Para saber o que é isso, precisamos ouvir as pessoas”, acredita.

Apesar de todos os desafios do mercado, é possível extrair um lado do atual e complexo cenário da comunicação? Para Luiz Sanches, sócio e chief creative officer da AlmapBBDO, a resposta é sim. “Nossa profissão sempre foi inspiradora. Por um acaso estamos passando por uma crise de autoestima. As pessoas têm quase vergonha de dizer que são publicitários. Mas ser publicitário é do caralho. Você consegue ter o domínio de linguagem, contar histórias com poder para engajar as pessoas e tem o domínio de várias técnicas”, defende.

Sanches admitiu que a propaganda perdeu parte de seu lado sexy nos últimos anos, mas encara isso como um movimento natural causado pelas recentes mudanças. “Estamos revendo os modelos e tentando ser mais relevantes, contando novas histórias e de outras formas. Talvez por esse momento de baixa autoestima, o nosso mercado tenha perdido um pouco do colorido, dos ídolos, entre outras coisas”, opinou.

Sobre retenção de talentos, o sócio e chief creative officer da AlmapBBDO acha que o maior atrativo para manter bons profissionais é a sensação de ver as coisas acontecendo e enxerga o segmento com bastante otimismo. “Acho o nosso mercado espetacular. Eu acho que se estivesse sentado aí numa dessas cadeiras, iria, sim, querer fazer propaganda. Aumentou o escopo de entrega das agências e isso é fascinante. É uma das melhores épocas para ser publicitário. É um momento maravilhoso de descoberta. Precisamos nos reinventar. O que faremos de diferente?”, questionou.

Jovens
Se antes os jovens profissionais viam nas agências de propaganda uma via praticamente única para “extravasar” a criatividade, hoje os clientes também contam com vários postos de trabalho na área. Pelo menos é isso que enxerga Flavio Waiteman, sócio e CCO da Tech&Soul. 

“É uma mudança de mercado muito grande. Não há mais uma exclusividade no exercício da criatividade. As startups precisam de ideias também, assim como outras empresas. Além disso, eu não concordo com o termo ‘apagão’. Acho que o mercado apenas se ampliou bastante para quem quer ser criativo”, defendeu.

Para Waiteman, há também alguns traços da cultura organizacional das agências no passado que já não funcionam como antigamente, como o ambiente de pressões excessivas por produtividade e criação, horas infindáveis de trabalho e outras coisas

Naturalmente há lugares hoje que estão disputando mais os talentos que as agências que não têm os processos e procedimentos bacanas. Há vários jovens que preferem estar em outros lugares. Acho que, junto com a nossa responsabilidade, tem também o desafio de melhorarmos as questões que causam desnecessariamente a pressão entre as áreas. Pressão é importante, mas diferente do jeito que vivemos até hoje”, acredita Waiteman.

Na opinião de Dalton Pastore, presidente da ESPM, a geração atual é muito melhor preparada que a anterior.

“O talento deles vai ser no mínimo igual ou melhor que o nosso. A ideia de que essa geração não está boa é mentira. Assim como nasce talento no futebol, também nasce talento da inteligência. Mas, infelizmente, nós os desperdiçamos. Para esse não tem investidor, empresário, clube, nada. Nenhum país vai atingir um bom nível de desenvolvimento jogando fora os seus talentos. E tudo fica mais difícil quando não se doa bolsa”, finaliza.