Sidra tem 12 anos, sua vida é muito parecida com a de muitas meninas da sua idade: vai a escola, pratica esportes (futebol), almoça com a família, não é muito fã de videogames e sente saudades de quando sua mãe temperava melhor a comida. Uma história normal, exceto pelo fato de que Sidra e sua família vivem há um ano e meio no acampamento de Zaatari na Jordânia, que abriga refugiados sírios. Em Zaatari vivem cerca de 80.000 refugiados. 

É difícil para Sidra conviver com a enorme mudança que afetou sua vida e é angustiante pensar sobre o que lhe aguarda no futuro. 

No SXSW não faltam oportunidades para você experimentar todas as possibilidades de Realidade Virtual: andar de montain bike no IBM Cognitive Studio, fazer a mesma simulação que os astronautas da Nasa ou enfrentar a longa fila do Samsung Gear VR Lounge. Mas, para mim, a experiência mais marcante que tive com RV aqui em Austin foi acompanhar um pouco da vida de Sidra no projeto de Realidade Virtual “Clouds over Sidra” realizado pela ONU, sob a direção de Gabo Arora, Senior Advisor da ONU. 

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Essa é uma tragédia que vemos nos sites, redes sociais, jornais e TV. Parece que quanto mais expostos a essas imagens, mais anestesiados ficamos e mais “natural” se torna a ideia de que pessoas possam viver em campos de refugiados. São imagens familiares, mas ao mesmo tempo muito distantes para provocar uma ação efetiva. É aí que entra a Realidade Virtual! 

Assisti a palestra de Gabo Arora no Palm Door, um lugar mais afastado do burburinho. Ele usou o documentário em Davos. Foi a forma de aproximar e sensibilizar governantes, reis, rainhas, bilionários, além de 120 diplomatas, a respeito de uma das maiores crises humanitárias do século 21. Ao colocar os óculos, a turma de Davos foi transportada, sem escalas, das montanhas suíças para o deserto da Jordânia. 

Segundo Gabo, essa nova forma de narrativa tem a capacidade de colocar a pessoa em primeiro plano. Você não “assiste”. Você “se torna parte” do que está acontecendo. Você está presente. A “presença” em  Zaatari é incômoda: em muitos momentos a emoção aflora e os olhos se enchem d’água. O olhar das crianças que quase esbarram em você enquanto fazem fila para a escola, a rotina de exercícios dos homens fortalecendo seus corpos para uma longa travessia que “logo surgirá”; o almoço em família, que provavelmente já foi mais feliz (quando a mãe de Sidra tinha à disposição seus temperos favoritos), enfim, tudo nos toca, tudo nos emociona em alto grau. 

Gabo Arora contou que existem experiências que comprovam que a Realidade Virtual dobra a frequência de doações: ou seja, a realidade é virtual, mas o impacto emocional é real. 

Além de “Clouds Over Sidra”, Gabo coordenou mais dois documentários: “Waves of Grace”, que trata da epidemia do Ebola e conta a história de um sobrevivente liberiano, e “My Mother Wings” sobre a questão da violência entre palestinos e israelenses. 

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Os três principais objetivos da ONU com esse projeto são: afetar a capacidade de empatia das pessoas, ampliar os limites da tolerância e tirar as pessoas do campo da intenção para a ação concreta.  

No finzinho da palestra, Gabo Arora pediu a palavra para fazer um último lembrete: a tecnologia é um poderoso aliado, mas o que realmente importa são as histórias contadas e a forma de contá-las. O mais importante será sempre o aspecto humano, o único capaz de romper a barreira da indiferença. 

Para assistir a “Clouds Over Sidra” não peguei uma grande fila. Uma pena!

(Os documentários citados neste artigo estão disponíveis para download aqui).

*Flávio Cordeiro é sócio da Binder