Tatiana Junot é uma cineasta brasileira e diretora de arte que mora em Paris há uns 30 anos. Foi a primeira contratação da V&S, para fazer dupla comigo. Éramos a criação inteira da agência e trabalhávamos numa imensa sala que mais tarde abrigou umas 15 pessoas folgadamente. Ficamos amigos e, mesmo com ela tão longe, conseguimos estar sempre em contato, embora a vida profissional a obrigue a andar pelo mundo, dos mais absurdos lugares (Alepo, Alaska e Cidade de Deus, por exemplo) às terras de sonho (como Nepal, Deserto Australiano e Caribe). Domingo ela veio me visitar. Na tarde de chuva era o próprio sol entrando, com os cabelos louros começando a ganhar alguns fiozinhos cinzas, que ela exibe com orgulho.

Ela é irmã do Andrucha, e foi o assunto dominante nos intervalos da gravação que fiz com ele para meu programa de rádio. Ao longo do tempo, aprendi uma coisa com Tatiana: nunca faça nenhuma pergunta esperando uma resposta simples. Nada acontece simplesmente na vida dela. “Como foi a viagem?” pode merecer de qualquer um de nós duas palavras como resposta. Tatiana não faz viagens que possam ser resumidas em poucas palavras. Isso não quer dizer que ela seja do tipo que quando a gente pergunta se está tudo bem, se arrepende. E eu perguntei pelo apartamento dela em Paris. É ai que entram os ratos.

Tendo de ir filmar no Japão, deixou no apartamento dela uma amiga, que, depois de ficar algum tempo, foi embora. Duas coisas se juntaram: uma obra no metrô que passa pela rua e uma pequena fresta que a amiga esqueceu aberta na janela da cozinha. Um rato desalojado, buscando um outro lugar para viver, subiu pela parede do prédio e conseguiu entrar no apartamento. Era tudo que um rato que se preze quer da vida: coisas para roer, silêncio, segurança, aguinha corrente. Gregário como todo rato, avisou à numerosa família seu novo endereço e recebeu algumas gerações de ratos também expulsos de suas tocas pelo Metropolitain.
Lotaram o apartamento e ajeitaram tudo ao seus gostos: roeram os papéis de parede, os tapetes, as madeiras dos rodapés, algumas portas, os fios elétricos. Criaram recantos agradáveis como a televisão, os colchões e os armários. Uma verdadeira multidão silenciosa que não atraiu a atenção dos vizinhos, pois rato é rato e não quer chamar a atenção. Nenhum deles amarrou guardanapo na cabeça nem frequentou o restaurante de luxo ao lado. Ficaram todos nas suas, crescendo e multiplicando enquanto Tatiana achava que a amiga tinha deixado tudo arrumadinho esperando por ela. É muito fácil imaginar a cena da volta: Tatiana e sua malinha de mão sendo recebida pelos ratos, furiosos com a interrupção das vacances. Evidentemente deu a volta e se homiziou num hotel.

E como ela não estava disposta a sair matando ratos, resolveu estudá-los para que pudesse expulsá-los sem muita violência. Procurou ratólogos, mas quase todos pareceram a ela radicais demais. Eram tantos ratos que mesmo métodos consagrados deram errado, pois em pouco tempo eles descobriam o truque e não caiam mais nas armadilhas, desde gaiolas a bombinhas, choque elétrico e sertanejo universitário. Tatiana pediu asilo a amigo e da casa deles comandou a “OperacionSourisHunt”. E foi nessa ação de guerra que Tatiana descobriu a única substância que rato tem horror e que considera incompatível com sua dignidade. O Bom Bril. Sim, o grande amigo da cozinha. A palha de aço do Bom Bril entra nos dentes, o farelinho mistura-se aos alimentos, dá coceira, irrita o olho, pica o furico.

Tatiana então comprou centenas de esponjas de peille de fer e espalhou pela casa. E deixou a janela aberta. Aos poucos os ratos foram percebendo que não estavam agradando e se pirulitaram. O apê ficou parecendo que tinha sido alvo de um ataque aéreo. Mas sem ratos. A reconstrução levou meses. Mas Tatiana venceu os invasores. Mais uma utilidade para o Bom Bril, além de todas as que conhecemos, como acender fogo e melhorar imagem de antena interna de televisão.