Marta Kauffman, coautora do mais famoso seriado norte-americano de todos os tempos, a série “Friends”, que ficou no ar durante dez anos, surpreendeu uma plateia de atores, roteiristas e diretores participantes do 1º Programa Globosat de Desenvolvimento de Roteiristas, nesta quarta-feira, ao afirmar que o formato da telenovela está fadado à extinção e não sobreviverá por muito tempo. Marta foi convidada pela Globosat para participar do programa de treinamento – junto com outros profissionais de ponta do mundo do entretenimento de Hollywood – que pretende ajudar a formar talentos brasileiros e do mercado de produção independente.
Divertida, espirituosa e também uma controladora obsessiva confessa, Marta disse que não haverá um novo “Friends” – especialmente porque o mundo mudou e as pessoas mudaram seus hábitos de assistir aos produtos televisivos – e comparou a relação das pessoas com as telenovelas a um “namoro” no lugar de um casamento bem-sucedido. “Eu adoro fazer televisão, e uma das coisas bacanas a respeito dela é poder estabelecer relacionamentos de longo prazo com personagens de uma série. O filme eu comparo a uma ‘ficada’ de algumas poucas horas. Uma boa série de TV, a um casamento que pode durar anos, e se fortalece. A novela é um namoro de alguns meses, com data para terminar. Quando convido personagens para dentro da minha casa, eles se tornam parte da minha família. Quero que ele se transforme comigo, me surpreenda”, disse Marta.
Segundo ela, na época em que “Friends” fez sucesso, as pessoas “paravam” para assistir televisão. “Talvez você tivesse um gravador de vídeo, mas a maioria de nós nem sabia mexer naquele equipamento. Mas o fato é que parávamos para assistir, falávamos a respeito no dia seguinte, nos programávamos para assistir na semana seguinte. Hoje, há muitas maneiras de assistir televisão. Talvez você assista a cinco episódios de uma só vez. Talvez você assista no Netflix, veja todas as temporadas de ‘Dexter’ ou ‘Breaking Bad’ de uma vez só. E você assiste enquanto malha, por exemplo. Assistir ‘Friends’ era um programa. O sucesso de projetos para televisão precisam ser redefinidos, são processos de longo prazo. Não existem mais hits instantâneos, por exemplo”, disse a autora.
Hoje, o computador e a televisão são quase a mesma coisa e devem ser, cada vez menos, entidades separadas. Para ela, o grande desafio dos roteiristas é criar novos formatos. Marta já vem trabalhando em projetos de formato inovador, como a série de cinco filmes “Five”, para o canal Lifetime, com histórias emocionantes sobre câncer de mama. E um desdobramento dessa série está para ser lançado: cinco filmes sobre a loucura – “Call me crazy, a five film”, dirigido por nomes como Laura Dern e Ashley Judd.
Não há fórmulas, evidentemente, mas o foco deve estar naquilo que é bom, diz. “As pessoas querem ver o que é bom. Acredito que subestimamos nossas audiências. Pensamos que as pessoas não querem ver coisas de qualidade, mas elas realmente querem. Pessoas querem ver coisas engraçadas, bem escritas, querem sentir, ser entretidas e tiradas da chatice da sua rotina. Pessoas querem que os personagens entrem em suas casas e os elevem”, acredita.
Sua mensagem para os roteiristas do projeto da Globosat foi, principalmente, que será preciso apertar os cintos pois a viagem será difícil, cheia de obstáculos. Criar uma nova leva de roteiristas, ajudando a criar uma indústria no mercado nacional, não será simples e não acontecerá da noite para o dia, ela garante. Mas é admirável. “Nem todos irão se adaptar. Talvez seja preciso criar toda uma nova geração de escritores, não sei. Escritores precisam repensar completamente como eles abordam um tema. É bem complexo, e difícil”, garante a roteirista.
Marta nega ser uma escritora nata, mas revela que é alguém que desejava contar histórias e que nunca imaginou que se tornaria autora. Sua mãe era dançarina e ela própria chegou a trabalhar como atriz. Para ela, as pessoas nascem com alguns talentos e o interessante da televisão é que ninguém em particular precisa saber tudo. Essa é a arte de trabalhar em equipe – e que foi sem dúvida o segredo do sucesso de “Friends”, que chegou a ter uma equipe de 14 roteiristas. “Piadas nunca foram a minha praia. Eu sempre fui boa de criar histórias. Mas o que amava fazer em ‘Friends’, por exemplo, era trabalhar com os atores no set, para que eles entendessem bem o que queríamos. Eu conseguia reescrever algumas coisas na hora da filmagem, ajustando eventuais falas que não estavam funcionando“, conta.
Sobre personagens, Marta acha graça dos tipos que fazem grande sucesso nas séries americanas de hoje em dia – os protagonistas anti-heróis, que conquistam e encantam apesar de seus muitos defeitos, casos como o professor de química traficante de meta-anfetaminas de “Breaking Bad”, o médico controverso de “House” e o adorável serial killer de “Dexter”. “Nós os admiramos. Ficamos fascinados! É um outro tipo de humanidade. Somos todos serial killers? Não. Mas somos fascinados pelo que nos aconteceu quando éramos crianças, vítimas da nossa própria infância, de uma maneira ou de outra. Um personagem como esses é apenas uma versão mais extrema disso. É admirável ter a capacidade de criar um personagem tão profundo, que nos faz ter preocupação com o que vai acontecer com um serial killer. Isso nos torna mais humanos, porque conseguimos ver um coração em um personagem aparentemente frio, mau”, diz.
Ela confessa, porém, não ser fã de personagens mais “obscuros”. “Não sou obscura. Eu gosto de assistir. Mas como escritora gosto de comprar histórias verdadeiras, emocionantes, sobre momentos reais, universais – como os filmes sobre câncer de mama que tinham elementos de humor, humanidade, mas tinham o elemento que me move que é o otimismo. Não gosto da obscuridade”, explica Marta. Seu desejo é continuar contando boas histórias, longe do formato de comédias de meia hora como Friends. “Não voltaria a esse formato. Nunca conseguiria fazer outro hit como aquele. Quero contar histórias de outras maneiras“, conclui.