Eu gosto de assistir South Park. Divirto-me muito. É a série de desenhos animados mais politicamente incorreta que já foi exibida. Isso do ponto de vista de uma interpretação literal e burra. Na verdade, South Park é a denúncia mais ferina que já se fez da hipocrisia da sociedade.
Num dos episódios considerado um marco da falta de limites da insensibilidade dos produtores, os personagens invadem um hospital onde estão internados bebês viciados em crack. Então, distribuem pedras da droga para que os bebês lutem, disputando por elas. Até aí, apenas uma ideia de desmedida crueldade de quem escreveu o roteiro.
Só que a história continua e os garotos “do mal” vendem os direitos de transmissão das lutas dos bebês pelo crack para uma rede de televisão focada em esportes, que acaba faturando uma grana preta vendendo assinaturas do programa. A mensagem é clara. Acredito que quem gosta de assistir South Park não está muito incomodado com a vitória do Trump. Eu mesmo não estou.
Primeiro porque gosto de gente bem-humorada. E Hilary é terrivelmente mal-humorada. Bill Clinton que o diga. Trump, ao contrário, tem a segurança de um palhaço profissional. Cada fala dele é digna do mais talentoso stand-up comediant. Acho ridículo quando tentam associá-lo aos nossos “aprendizes de milionário tupiniquins”. Entre um monte de absurdas barbaridades, Trump expõe todo o nosso cinismo. Como em South Park, se você se detiver na forma com que as denúncias são feitas, você vai perder o essencial: o desnudamento completo e despudorado das nossas mazelas.
Obama, ao contrário, representa o nosso conforto emocional. Leva a vida com um humor elegante, delicado e discreto. Sensível ao fato de que, frente a tantas desgraças, você não pode sair por aí gozando a cara de todo mundo. Sabe, aquele jeitinho correto dos nossos amigos da Vila Madalena, que denunciam maus-tratos aos animais pelo Facebook? Claro que isso é necessário. Mas não basta, já não muda nada.
Dar um sacolejo forte em três milhões de ilegais (entre eles, muitos delinquentes) é um jeito de dizer que ser ilegal (ou ilegal e delinquente) não é uma solução razoável para ser definitiva em nossas vidas. Uma coisa é manter os ilegais sob relativo controle, tolerando o ilícito dentro de certos limites que a hipocrisia da sociedade finja não ver.
Outra coisa é, de algum modo, mandar o recado “desse jeito, a vida de vocês vai ser sempre uma merda e não vai resolver nem o problema de vocês nem o nosso”. É o famoso fazer a omelete quebrando os ovos.
Enquanto tivermos uma parcela da população “digna de pena” e essa parcela viver do fato de ser “digna de pena”, teremos uma situação estanque, cruelmente conveniente para quem não é digno de pena.
Trump, a quem tentam estupidamente confundir com a nossa direita boçal, representa um necessário “pé na bunda” de uma geração que se acomodou num discurso moderado, insosso, morno e falsamente pacifista. A vitória de Hilary manteria esse estado “Disney” das coisas. Que venha South Park!
Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing
stalimircom@gmail.com