O ranking em destaque no PROPMARK desta semana é o retrato de um fenômeno que o chief brand officer da Procter & Gamble, Marc Pritchard, apelidou de “esquizofrenia digital”, em sua palestra recente na conferência anual de líderes do IAB, e reproduzida na última revista do Cenp. O ranking da Zenith demonstra que apenas dois grandes grupos de comunicação – Alphabet (leia-se Google) e Facebook – concentram 20% de todos os investimentos globais em publicidade. Esses dois players abocanham mais de 60% dos investimentos em mídia digital realizados por anunciantes do mundo inteiro.

A crescente concentração destoa de tudo aquilo que o digital representa: liberdade, escolha, diversidade, inventividade, novas possibilidades. E reflete o desespero de muitos anunciantes que, no lugar de diversificarem seus investimentos, ampliando as possibilidades de construir suas marcas se valendo daquilo que cada mídia tem de interessante e único, concentram suas verbas. E são menos criativos.

Nas palavras de Pritchard: Esses investimentos não estão trazendo os resultados esperados e nossas marcas estão vivendo crescimento modesto, apesar do alto volume empregado e das promessas feitas por agências e veículos digitais”.

Essa aposta concentrada de fichas lembra a ingenuidade (ou desespero) de um jogador num cassino, que parece saber onde a roleta vai parar porque alguém lhe assoprou ao ouvido, num sonho. E já mostrou seus resultados: é uma farsa.

E não é uma farsa porque o digital não seja uma mídia eficiente. É uma farsa porque não há milagre quando se fala em construir marcas. Não importa o quanto os profissionais de marketing dos anunciantes estejam pressionados por resultados, as agências façam promessas tantas vezes por medo de perdê-los e os veículos digitais ofereçam inundações de cliques e visualizações para provar sua potência. Não há “mágica” unindo consumidores e marcas, mas, sim, construção, cuidado e certa arte em combinar pontos de contato entre eles.

É uma cadeia de conexões que, apenas quando combinadas, muito bem planejadas, monitoradas e construídas, funciona. E depende, também, da própria marca – que precisa oferecer algo de valoroso, que possa ser traduzido numa mensagem que faça sentido para as pessoas, que as faça acreditar nela, neste mundo em que acreditar em qualquer coisa se tornou algo bastante original.

Portanto, o que fica claro a partir da tal “caixa-preta” da internet é que a sua venda como mídia salvadora da pátria mais eficiente – e mais barata – a fez crescer de maneira destrambelhada, sob falsas premissas, neste mundo de crise e verbas escassas atrás do santo graal da comunicação.

A crendice revela sua face. Não há santo graal. Pritchard fez seu mea culpa, alegando que “aceitou uma variedade de métricas vindas de muitas partes e não muito confiáveis, não insistiu com vigor na eliminação das fraudes e, com isso, ajudou a situação a chegar onde está.” Se ele, o maior anunciante do mundo, confessa ter cometido esses erros, imagine o restante…

A crise ética atinge a todos, e não se trata de um caso com vilões e vítimas. Todos estão implicados e precisam refletir sobre o valor daquilo que fazem e oferecem para o mundo. E, principalmente, os lugares que desejam ocupar nessa imensa cadeia interdependente que faz a indústria das marcas.