Afinal, o que é a TV? Jonathan Taplin, professor da Annenberg School for Communication e diretor do USC Annenberg Innovation Lab, da Universidade do Sul da Califórnia, garante que a tela a que estamos acostumados é, hoje, apenas parte do que a TV realmente é. A multiplicidade de telas atualmente caracteriza a TV, e a transformou para sempre. Taplin foi empresário de Bob Dylan na turnê “Dylan and the band”, produziu filmes de Martin Scorsese, várias atrações televisivas e tornou-se, ao longo do tempo, especialista em gerenciamento de comunicação internacional e no chamado digital media entertainment. Feroz defensor dos direitos autorais na internet, acredita que a pirataria pode destruir a indústria do audiovisual e dispara: “Toda cultura deveria ser livre? Uma ova!”.

Por que você acredita que a palavra transmídia vem sendo usada de forma errada?
Estamos numa era em que tudo se torna buzz, todo mundo quer fazer de conta que seu projeto é transmídia simplesmente por ter uma página no Facebook, criar um website para um programa de TV. E eu arriscaria dizer que projetos de transmídia estão acontecendo em maior volume aqui no Brasil do que nos Estados Unidos. Muitos seguidores de Henry Jenkins, que trabalha no meu laboratório, aplicaram seus conceitos por aqui. O conceito de cultura participativa, e o concurso ‘Lab Transmedia’, realizado na RioContentMarket pela The Alchemists, captaram este conceito de maneira primorosa. Projetos em que se pode criar novas conversas a partir deles. Essa é a essência da transmídia. Transmitir no Facebook não é ser transmídia.

Há quanto tempo se fala sobre esse tema?
Bem, acredito que Mauricio Mota e Mark Warshaw, criadores da The Alchemists, falam disso há uns oito ou nove anos. Henry Jenkins fala há 10 anos. Algumas pessoas foram ao MIT e tiveram contato com o que Jenking estava falando, isso mudou as coisas para algumas empresas e marcas. Nos Estados Unidos está se falando disso agora, mas as coisas estão acontecendo muito rapidamente.

Qual é, afinal de contas, o futuro da TV?
Vou dar algumas estatísticas. Na China, meio bilhão de pessoas estão na web, volume que triplicou nos últimos dois anos. E um grande percentual está na web através de seus aparelhos móveis. No Brasil, acredito que a proporção também seja grande. Quando se tem um iPad se começa a assistir a vídeos e assim por diante, e isso nos leva a indagar: o que é a TV? A TV não é aquilo que está na tela. Ou pelo menos é apenas em parte. TV hoje é uma experiência de duas telas: assisto à TV, mas também estou ligado no meu iPad que pode me dar informações adicionais a respeito do que estou assistindo, comentando o programa com meus amigos. É possível obter replays de jogadas numa partida de futebol, por exemplo. É o que chamamos de “segunda tela”. Isso é TV, formada por tecnologia e conteúdo. E o que vem a ser o conteúdo? Para anunciantes, a TV tem sido uma mídia pouco prática, uma vez que quando se anuncia em um programa, tem-se pouca ideia de quem está assistindo. E se os Estados Unidos servem de exemplo, muito provavelmente 80% das pessoas que estão assistindo, não estão interessadas no seu produto. Não é eficiente. E é desnecessário destacar que quando se conecta a experiência de assistir à TV ao Facebook, e o que passa pelo iPad, pode-se acessar as pessoas de maneira mais eficiente e útil. Por que não ser abordado por mensagens referentes a produtos ou serviços que lhe interessem de fato – seja um tipo de roupa ou um tipo de esporte?

Como você vê o fenômeno do “SuperBowl”, que gera a maior audiência dos Estados Unidos? Os eventos ao vivo moverão a TV no futuro?
Sim, mas há outros aspectos ao redor dos eventos ao vivo que me parecem ainda mais interessantes. Desenvolvemos no meu laboratório, em parceria com a IBM, uma técnica de pesquisa chamada Twitter Sentiment que mede, no Twitter, a repercussão de qualquer evento, tema, ou assunto. Fizemos a pesquisa durante a transmissão do Oscar, em tempo real, avaliando quantos Tweets tinham o Oscar como tema, o que se falava a respeito do evento, de quem se falava, se era positivo ou negativo. O mesmo poderia ter sido feito no SuperBowl, para que um anunciante pudesse ver, por exemplo, os comentários sobre seu comercial, em tempo real. O ponto é que o jeito normal de analisar a TV hoje ainda é pelo Nielsen Ratings. Mas o que eles informam é se a TV está ligada e em qual canal. Não se sabe se as pessoas estão assistindo, prestando atenção, engajadas, gostando ou não.

Quando você começou a desenvolver o Twitter Sentiment?
Começamos no verão passado, e é possível fazer todo tipo de análise durante um longo período. No caso do Oscar pode-se ver os dias em que se falou do assunto, sobre quais assuntos, de que forma. A tecnologia básica é da IBM e nós no laboratório criamos o “language ware”, o software que determina o que as palavras significam. Esta é a parte mais difícil, porque as pessoas são muito sarcásticas no Twitter e o computador tem dificuldades para interpretar o sarcasmo. Temos que ter seres humanos treinando o computador. Temos muitos estudantes analisando os tweets e dando sua opinião sobre o que significam, e muitas vezes corrigindo a interpretação do computador. O volume é muito grande. No caso do Oscar, são 300 tweets por segundo.

Seu produto será testado para marcas?
Será. Pretendemos vender para marcas. Estou cercado por marcas. Somos apoiados por IBM, Intel, Warner Brothers, Cisco, Petrobras, France Telecom, DirecTV, Horizon. Elas estão interessadas em inovação. Estamos apenas aprendendo. Tudo é muito novo.

E você pretende trabalhar apenas com o Twitter?
Sim, porque as pessoas, no Twitter, querem que as outras, de um modo geral, saibam o que elas pensam. É público. No Facebook, opiniões são postadas para os amigos. Não é público. O Twitter é assim: me ouça, quero que você saiba a minha opinião. No Facebook uma pessoa quer opinar apenas para um pequeno grupo de pessoas. É diferente. Ao mesmo tempo, o Facebook não nos vende seu conteúdo, apenas para anunciantes, de maneira anônima, mas não para pesquisadores.

Que outros projetos tem o seu laboratório?
Estamos trabalhando em vários projetos envolvendo dados. Temos uma parceria com a empresa brasileira The Alchemists, de transmídia, para desenvolver novos projetos. Estamos desenvolvendo um livro infantil que será muito inovador, no qual a criança pode participar da história, narrá-la, adicionar sons, música, dentro do conceito de cultura participativa. E fazemos muitas outras coisas: estamos construindo uma grande plataforma baseada na tecnologia de nuvem para a área de educação – o Challenge Based Learning, na qual estudantes poderão colaborar entre si em projetos multimídia, e todo o material – vídeos, áudio, textos, imagens de todo tipo – estará acessível a todos na nuvem.

Como você acha que o vídeo on demand transformará essa indústria? Quem serão os ganhadores e os perdedores?
Ainda é cedo para dizer. Há serviços de vídeo on demand como Netflix entregando pela internet e chegando a novos mercados, como o Brasil. De outro lado há os grandes estúdios americanos tentando manter o controle, desesperadamente. E não estão fornecendo muitos filmes ao Netflix, o que eu considero um erro. Os estúdios deveriam estar usando cada uma dessas plataformas de vídeo, como o Hulu. E também há a TV a cabo, que tem seu vídeo on demand, criando seus serviços ainda de maneira um pouco desajeitada. Mas o que vemos é que o Netflix e o Hulu começam a desenvolver seu próprio conteúdo. O Netflix tem 22 milhões de assinantes pagando 12 dólares por mês. É a maior emissora dos EUA, e sequer é uma emissora. Acho que eles tendem a se tornar cada vez mais poderosos.

Você assiste a tudo o que quer no seu iPad, por exemplo?
Assisto a vários programas, mas não a todos que gostaria. Mas boa parte está lá e representa uma mudança muito interessante. Eu disse há bastante tempo que, eventualmente, todo o vídeo será IP, transmitido via internet. Isso vai acontecer com a TV conectada. Este ano 80% das TVs vendidas nos EUA têm internet. Isso é imenso.

Com a TV conectada, permanece a tendência da segunda tela?
Sim. Continuarei blogando, twittando, entrando na comunidade do Netflix ou no Facebook para comentar o programa a que estou assistindo. Não muda o fato das pessoas quererem conversar sobre a cultura pop.

Como está o Brasil em termos de inovação na área de entretenimento?
Vim para o Brasil pela primeira vez em 1991, com o diretor argentino Hector Babenco, e queríamos fazer um filme. Fiquei duas semanas em encontros e preciso dizer que as mudanças foram imensas desde então. Naquela época não havia um senso de otimismo como o que vemos. Hoje é um sentimento de que este é o centro do mundo, um centro cultural, uma economia criativa, com tantas coisas acontecendo nos próximos anos. É excitante. Às vezes digo para meus amigos brasileiros: cuidado, não deixe isso se tornar uma bolha como a da internet, pois as pessoas podem ter expectativas irracionais. Mas é melhor ter essa sensação do que o medo e o baixo astral que vi aqui em 1991.

Ainda temos aqui problemas com a banda larga.
Terá que ser resolvido. Seja subsidiado pelo governo, com o aumento da competição, mas o fato é que a qualidade da nossa banda larga só aumenta nos EUA devido à competição. Porque as pessoas querem banda larga em seus telefones, computadores em casa, TVs conectadas. Uma vez resolvida essa parte, a internet torna-se um must. Nos EUA fizeram uma pesquisa que revelou do que as pessoas abririam mão na recessão. A internet é a última delas: elas deixam de ir a restaurantes, deixam de ir ao shopping. Mas não abrem mão da banda larga e de seu serviço mobile.

Até que ponto os tablets afetarão a mídia impressa?
Eu considero os tablets extraordinários e acho que eles contribuirão para melhorar jornais e revistas. Em todos os sentidos. Eles também mudam a natureza dos livros, na medida em que se pode incluir vídeo no lugar de imagens. Eu adoro a revista “New Yorker”, por exemplo, e posso ouvir os poemas declamados pelos poetas que os escreveram. É impagável. Ler livros no iPad permite comentar minha leitura nas redes sociais, fazer anotações exatamente como em livros impressos e ainda por cima me permite levar 12 livros numa viagem ao Brasil sem uma grama a mais de peso. Só precisamos nos preocupar com a pirataria. Necessitamos nos preocupar seriamente a respeito deste assunto.

Você está profundamente envolvido com a questão da pirataria, principalmente, por causa do seu envolvimento com a música, não é?
Sim. Se um artista não recebe pelo que cria, isso afeta a sociedade como um todo. Os jovens dizem que todo o conteúdo deveria ser de graça. Errado. Se tudo o que você escreve é roubado, e você não recebe um tostão por nada do que produz, não é justo. E quem leva vantagem com esse sistema “gratuito”? O Google. A questão é muito séria. Há disponíveis na internet filmes que sequer foram lançados em vídeo. É absurdo. E o Google ajuda a pirataria. Se não existisse o Google, essa gente desapareceria. O Google teve que devolver 500 milhões de dólares ao governo americano porque estava ganhando dinheiro com anúncios de drogas como Viagra, que necessitam de receita. Imagine quanto eles não vem faturando com vídeos, games, música? São bilhões. E é bom que eles se deem conta disso. Eles dizem que é censura, uma palavra que sempre mobiliza muita gente. Mas não é. Minha causa com a música tem a ver com o fato de que tenho vários amigos da velha guarda que faliram e costumavam viver muito bem, fruto dos discos que gravaram nos anos 60, 70. Isso acabou.

Esse é o caminho do vídeo também?
Sem dúvida. Há muito a perder. Quando a broadband estiver tão boa quanto é no Japão, as indústrias do cinema e da TV terão de se reinventar. Toda cultura deveria ser livre? Uma ova! O primeiro passo para se evitar o pior é que o Google pare de fornecer link para tantos sites piratas. E, naturalmente, que não se coloque mais dinheiro em sites piratas, com propaganda. Ao fazer isso, os piratas vão desaparecer naturalmente.

Qual é a sua opinião sobre o branded content e o fato de marcas se posicionarem como produtoras de conteúdo?
Pense no “American Idol”. No início, o fator econômico essencial que viabilizou o programa foi o patrocínio da Coca-Cola, que pagou US$ 8 milhões para fazer um product placement exclusivo. Isso fez o programa funcionar economicamente. E a Coca-Cola não lucrou nada com o programa. Eles poderiam ter dito, na época: ok, nos dê 5% do lucro do programa, por exemplo. Dezoito anos depois, eles teriam tanto dinheiro que nem saberiam onde reinvestir. O que eu acho é que os anunciantes ficaram mais espertos: eles fazem suas apostas, escolhem no que vão investir. Alguns produtos serão os próximos “American Idols”. Naturalmente, é preciso ter sutileza e não abordar as pessoas com uma paulada de branding na cabeça, mas as marcas trabalharão com pessoas inteligentes. Por isso é tão interessante trabalhar com gente como a The Alchemists, que realmente sabe como integrar marcas no universo do storytelling sem ter a mão pesada, evitando o super sell. Os jovens não gostam disso. Mas se é divertido e no final oferecido por uma marca, então gostarão da marca. Haverá um sentimento positivo. Este é o próximo nível: branded storytelling. As marcas têm histórias para contar.