E aí Travis Kalanick teve um insight em meio à neve em Paris, diante da dificuldade de conseguir um táxi. Vendo centenas de carros particulares passarem apenas com o motorista no volante, pensou: será que… E nasceu o Uber. Iniciava-se, nesse momento, um processo de disrupção monumental. Os primeiros que entraram na dança foram os motoristas de táxi, que quase sodomizavam os passageiros, mantinham os carros sujos, vez por outra destemperavam-se e desancavam clientes. Coisas de um mundo sem concorrência.
Os segundos foram os que no passado investiam em linhas telefônicas, e viram seu negócio disruptar com a privatização das teles. Pegaram o que sobrou das economias e com compadrio e corrupção foram conseguindo montar frotas de táxis. Muitos, com 300, 400, 500, mil carros, que alugavam aos taxistas sem carro por uma diária de R$ 200 a R$ 250, dependendo do modelo. Uma espécie de retorno à escravatura. E aí mais para escravos do que para motoristas, muitos trabalhavam até as 18h, tendo começado o dia às 6h ou 7h da matina, apenas para pagar a frota. E iam tentar ganhar algum dinheiro das 18h às 24h, dirigindo 14 horas por dia.
Até que os mais espertos, de um lado, e as locadoras do outro, descobriram que era possível alugar os carros, trabalhando no aplicativo do Uber, por uma diária de valor significativamente menor, pagar o percentual do Uber, e poder levar muito mais dinheiro para casa. E, por sua vez, os motoristas de táxi, que tinham carro próprio e licença, começaram a considerar se não era mais conveniente venderem seus veículos, alugar um nas locadoras, e trabalhar com os aplicativos… Bingo! Roda completa! As frotas mergulharam no derretimento. Na espera de motoristas que jamais voltarão. E as locadoras escalaram!
As ações das três – Unidas, Localiza e Movida – subiram o ano passado todo, o lucro aumentou, e hoje os motoristas dos aplicativos, que há cinco anos eram zero no movimento das três, já respondem por um percentual entre 20% e 30% de todo o negócio. Nas três, hoje, uma divisão especificamente voltada para o atendimento dos motoristas de aplicativos. Em síntese, a nova situação, conforme depoimento de Edvaldo das Neves, 55 anos, que alugou um Cobalt da Movida para trabalhar com o Uber: “Cadastrei-me na plataforma há exatos 18 meses. Nesse período completei – tenho tudo registrado – no fim da semana passada 4.500 corridas. Antes trabalhava em multinacionais na parte comercial, mas, depois dos 40 anos, você fica fora do perfil. De nada adianta mais o bom currículo e as referências que tenho. A Movida me cobra R$ 50 pelo aluguel diário, e minha meta diária é terminar o dia com R$ 250 faturado. E não deprecio o meu carro, porque não é meu e assim troco com frequência sempre que começo a sentir problemas…”.
Deu pra entender? Mudou tudo. Na cadeia, e por reação em cadeia. E vai mudar mais ainda quando as montadoras, todas, converterem-se em locadoras e não vender mais seus automóveis. Brevemente, nas melhores cidades e metrópoles do mundo… E o que restará ao Uber? Em algum momento dará lucro? Parará em pé? Na abertura de capital uma decepção total. E os prejuízos só fazem crescer trimestre a trimestre…
Seria o Uber apenas um mensageiro dos novos tempos? Que veio para disruptar as frotas de táxis, infernizar os taxistas autônomos, enriquecer as locadoras e sacramentar a mudança no modelo de negócios da indústria automobilística? Que cumprida a missão de agente transformador cometeria suicídio ou se afogaria antes? Por enquanto, assim parece… Mas, vamos aguardar um pouco. Uber, lendo-se de trás para frente, é rebu… Acho que é por aí…
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)