Em junho do ano passado, durante palestra no Cannes Lions, o CCO da DDB Worldwide Amir Kassaei fez um desabafo: “a propaganda perdeu a relevância e se deslocou da realidade”. Cannes tornou-se exemplo de uma ficção científica distanciada do dia a dia das pessoas, do “mundo real”. De volta ao Brasil, conversando com algumas das mentes mais criativas sobre o assunto, percebi o mesmo cansaço com uma certa “irrelevância travestida de relevância” na publicidade. O incômodo vinha principalmente da profusão de campanhas para causas e não produtos ou serviços, como se vendê-los tivesse se tornado uma espécie de “trabalho sujo”.
“A propaganda perde a relevância quando os próprios criativos não acreditam mais nela. Cria-se uma percepção de que fazer o bem é muito mais digno do que vender uma lata de refrigerante ou um sabão em pó”, disse na ocasião Marcello Serpa, que não muito depois deixou a AlmapBBDO e está dando um tempo no Havaí.
Dito isso, torna-se emblemático e simbólico que um dos maiores anunciantes do planeta, a Coca-Cola, durante muitos anos a marca mais valiosa do mundo, tenha decidido literalmente parar de “pregar” ideais na publicidade e voltar o foco para o seu produto mais forte e popular: o refrigerante Coca-Cola.
Por mais politicamente incorreto que isso possa parecer hoje, quando quase todo mundo questiona o valor de se vender água com açúcar, é precisamente esse o principal business da Coca-Cola: vender Coca-Cola original e suas versões menos calóricas. O líquido marrom efervescente muito doce, goste-se ou não, agrada a multidões e sempre foi um sucesso de vendas, desde que foi lançado como um tônico que “fazia bem”, lá no século 19.
A Coca-Cola vem perdendo em participação para outras bebidas e isso certamente explica, em grande medida, a decisão da equipe de marketing liderada agora pelo CCO Marcos de Quinto de extinguir a campanha Abra a felicidade (iniciada em 2009) e investir na mensagem tangível Sinta o sabor, diretamente ligada à experiência de beber o refrigerante. Claro que uma empresa precisa ter valores, e é importante promover a prática de esportes, a reciclagem, a preservação da água, a inclusão social, a tolerância entre os povos. Isso leva, sim, as pessoas a sentirem empatia pela marca. Mas não as leva a beberem Coca-Cola. O sr. Quinto acha que para fazer com que as pessoas tenham o desejo de consumir o produto, o caminho é voltar, humildemente, a falar dele.
Lembro-me até hoje dos cartazes com o primeiro slogan da empresa, Beba Coca-Cola, vistos aqui e ali na minha infância. Um convite simples e direto. Foi a partir do início do século 21, que os slogans da marca começaram a se descolar do produto, amplificando sua proposta para um jeito de ser, um estilo de viver. Tendência do marketing de grandes marcas como um todo, é verdade. Mas o fato é que nada disso fala da verdadeira experiência de abrir uma Coca-Cola, e bebê-la. Quem gosta, sabe do que estou falando.
O bom senso, é claro, baniu para sempre posicionamentos como Faz um bem! (usado nos anos 1950). E tudo indica que, daqui para frente, também banirá promessas de felicidade intangíveis, em um cenário em que construir reputações torna-se um desafio cada vez maior. Tomara que tenhamos chegado ao ponto em que empresas e marcas andem cansadas de fingir serem quem não são. Se o “back to basics” voltar à moda entre as marcas, talvez a propaganda volte a se tornar uma atividade com um sentido ainda maior, e mar- keteiros e publicitários retomem o orgulho de serem sim vendedores e não “enganadores”, como sugeriu nosso amigo Amir Kassaei.