Luciano Deos, CEO do Gad’, é um veterano no Cannes Lions. Ele participa pela terceira vez do festival como jurado na área de Design – onde, em 2011, inclusive, foi o presidente do júri. Agora, sem a pressão da primeira vez e também a de liderar o time que irá julgar os trabalhos da categoria, ele se mostra mais tranquilo. Seu critério será procurar trabalhos que subvertam as suas disciplinas, com novos olhares e propostas. Avaliando os últimos anos, ele acredita que está na hora do Brasil entrar para as grandes discussões do festival de forma mais institucional, como indústria, e propõe a extinção definitiva da discussão em torno das inscrições e de que o país não sabe se inscrever em Cannes: “Eu sugiro decretar o fim dessa ladainha”.
Experiências anteriores
“Chego a esse júri de forma muito confortável. Tive duas grandes experiências na fase recente do festival. Na primeira vez foi uma enorme ansiedade, por não saber como funcionava, quem eram meus pares. A questão da própria língua, de ficar cinco dias trabalhando em outro idioma que, por mais que se tenha domínio, não é sua língua mãe, e te põe em desvantagem em relação aos anglo-saxões. A imprensa fala muito de pressões, esquemas, jogos. É uma ‘ansiedade X’. Já ser presidente dá uma ‘ansiedade Y’, que muda completamente. Minha agenda não era mais Brasil, era de como liderar um grupo de superprofissionais e ajudar o grupo a produzir uma premiação de alta qualidade. Uma coisa que aprendi como jurado em 2009, que foi uma orientação da presidente do júri, é que ‘o mundo está olhando para o que vamos escolher’. Então o desafio é como alinhar o júri, mantê-lo motivado, não deixar criar disparidades. Grupos que dominam, que pautam, botam seus interesses de uma forma não legítima sobre a mesa, e não criam espaços para as pessoas mais tímidas, retraídas ou com maior dificuldade com a língua – principalmente os orientais. É muito tenso, porque chega-se primeiro e se é o último a sair. E se é colega de todo mundo, e não chefe. E há as negociações com a diretoria do próprio festival, sobre os votos dos países, o perigo de se premiar uma peça que não existe. Até nas conferências de imprensa quem irá falar é combinado antes. Fora a apresentação e a entrega dos prêmios – eu entreguei 80 Leões. Enfim, o trabalho do presidente é ter um olhar global e é muito mais cansativo. Esse ano acho que será meu melhor ano, porque estarei mais à vontade e seguro.”
Presidente
“Conheço de nome a Mary Lewis, presidente do júri. A Lewis Moberly tem um trabalho importante e ela me parece uma profissional experiente. Mas ter competência técnica não tem nada a ver com fazer um bom trabalho como presidente de um júri. Eu diria que ela começa com respeito. Se vai terminar com respeito, não se sabe. Também há casos inversos, onde o profissional ganha esse respeito com o andamento dos trabalhos.”
Fantasmas
“O Design Lions é uma categoria que tem se mostrado surpreendente, porque é muito ampla. Eu diria que a área é um miniCannes em si. Vai de filme digital, peças gráficas, até ambientes. É uma categoria open, com a amostragem mais significativa – e que eu, particularmente, acho a mais bonita, exatamente porque tem essa diversidade, mostra o que é surpreendente. De livro a prédio. Algumas subcategorias – e são mais de 20 – não permitem fantasmas. Mas algumas delas percebo que podem levar a uma espécie de ‘má-fé’. É comum, em ‘Poster’, por exemplo, se adaptar uma peça que foi originalmente inscrita em ‘Print’. É só mudar o formato. Quando fui presidente, em 2011, fui muito rígido em relação a essas subcategorias, defendendo que o que não nasceu para ser, não seria. Naquele ano, cheguei a propor um shortlist dobrado tanto em ‘Poster’ quanto em ‘Merchandising’, porque eu sabia que havia muito trabalho forçado. ‘Merchandising’, aliás, também é uma categoria confusa, que vai desde um catálogo que se coloca em cima do balcão a um display hard. Como não há alinhamento claro quando se começa a votar, se não houver cuidado recebe-se o shortlist com muitas peças ‘furadas’. O presidente tem que ter muita atenção nessa hora.”
Agenda
“Desde que cheguei a Cannes, logo da primeira vez que fui jurado e tinha assumido a presidência da Abedesign (Associação Brasileira de Empresas de Design), tenho tentado construir uma agenda institucional e política importante para a área no Brasil, com intuito de ampliarmos nossa presença e ter o que os países de ponta têm. Em 2010, provoquei os dirigentes do festival, questionando porque Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha tinham sempre dois jurados em design e nós, que também somos altamente relevantes em número de inscrições, nunca tivemos. No ano passado, tivemos dois e isso foi mantido este ano. Fiquei feliz e confortável, porque não estou ocupando o espaço de ninguém que não tenha ido. E é bom estar ao lado de um garoto (Gustavo Greco) que em 2012 foi premiado, que é de uma agência mineira. É bacana ver o acesso de pequenos escritórios de design, que não são do eixo Rio-São Paulo, chegando em Cannes, inscrevendo, ganhando e seus executivos tornando-se jurados. Em dois anos, isso muda a vida de um profissional. Esse é o maior valor de tudo isso: conseguir ser transformador em termos de ambiente, provocação, desafios, crescimento e parâmetros.”
Negócio
“O festival tem sua política de ampliar e criar cada vez mais subcategorias para abrir para mais pessoas terem acesso a prêmios. Faz parte do business. Este festival não nasceu com design, portanto, a segmentação da área não é tão consistente e detalhada quanto em um evento especializado. Tem mais força no ambiente gráfico-visual e não tem grande relevância em embalagem e produtos, por exemplo. Mas é uma categoria bonita. Nos dois anos em que participei do júri fiquei feliz com o produto final, tendo visto uma massa crítica bacana e um conjunto da obra bonito. Isso me deixa feliz. Temos avançado bem. Sempre saímos de lá com um conjunto de recomendações. Talvez uma boa solução fosse haver, nos júris, um presidente e um vice-presidente, para ajudar a ter um olhar mais atento a todas essas subcategorias, principalmente as que são confusas, meio dúbias. Ao mesmo tempo, as coisas vão mudando tanto que não há mais fronteiras entre os trabalhos. É difícil precisar o que pertence a qual categoria. Acho, por exemplo, que as áreas deveriam ser por indústria: “Ideia Criativa para Indústria Automobilística”, por exemplo. Concorre filme contra design de produto, estratégia de marca, uma campanha de ativação, promo, tudo contra tudo.”
Participação brasileira
“Esse é um festival ainda muito relevante para as agências. E principalmente agências do eixo Rio-São Paulo que, até por uma questão econômica, obviamente acabam inscrevendo mais. Mas as empresas especializadas em design vêm ampliando a participação e nós, como associação, temos buscado isso. Mas há dois fatores: o primeiro é que elas ainda não se sentem confortáveis e muitas vezes olham para um resultado muito a curto prazo – se não ganham em um ano, desanimam. O fato é que é muito difícil ganhar, mesmo. E, em segundo lugar, há a questão econômica: apesar de elas serem em boa parte subsidiadas, há o custo econômico. O olhar delas não está tão voltado para premiações, não se constrói reputação em cima desse processo. Ao contrário das agências de publicidade, bem mais familiarizadas com o festival e inseridas em um mercado que atribui um valor muito claro para as premiações. Mas o design brasileiro tem sim, sem dúvida, sido reconhecido não só em Cannes como em outros ambientes que o setor tem frequentado, como prêmios, palestras e eventos.”
Falta de conteúdo
“O maior legado de Cannes não é necessariamente a premiação, mas o conteúdo e a troca que se dá por lá. E a questão de entender a nova dinâmica da economia criativa. Não apenas no design, mas em geral, acho que o brasileiro ainda leva pouco conteúdo para o festival. Poucas provocações, palestras e debates. E leva muito trabalho para buscar Leões. O Brasil tinha que se propor a uma agenda de discussão maior em Cannes, que hoje está muito estreita. Há um conjunto de reflexões que seria importante para se ter em pauta. É uma ficha que não caiu ainda, o que é uma pena. Até tenho falado bastante com todo mundo, mas há uma certa dificuldade. Acho que deveria haver uma agenda mais institucional do setor como um todo, para fazer grandes fóruns, levar pessoas e exemplos de experiências interessantes da economia criativa para serem debatidos em Cannes, ampliando a presença e a exposição das marcas por lá, pois o festival é uma grande vitrine para as nossas empresas. E isso não tem que ser feito exatamente pelas agências, mas sim pelos representantes dos diversos setores da comunicação: nós, a Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), Ampro (Associação de Marketing Promocional), ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), Abemd (Associação Brasileira de Marketing Direto) e assim vai.”
Inscrições
“O maior desafio é ter um trabalho bom. Saber inscrever não é difícil. Cria-se muita celeuma a respeito desse tema. Eu sugiro decretar o fim dessa ladainha. É preciso ter bons trabalhos. E bons trabalhos bem inscritos aumentam suas possibilidades. Se o jurado olhar um trabalho e não reconhecer nele um valor diferenciado, ou na ideia central, no desempenho, ou na solução estética formal, já era. O que ainda acontece é inscrever em categoria errada. Muitas vezes, tem uma subcategoria qualquer muito mais adequada.”
Critérios
“Eu sempre busco uma solução que seja ‘breakthrough’, que quebre o padrão da categoria. Sempre olho por esse lado. Uma embalagem de alimentos que não tenha nada a ver com o que se conhece desse tipo de produto, e por isso é interessante. Algo que subverta a categoria. Esse é o olhar que eu gosto de ter, seja qual for o segmento, a subcategoria. Trabalhos que criem um olhar diferente para uma categoria, defina um novo padrão. É isso que eu acho que é bacana. E é difícil para quem faz, para quem lida com o cliente, não fazer mais do mesmo. Porque é fácil fazer aquele ‘mais do mesmo’ bem elaborado.”