Estou me sentindo em uma cena de primeiro encontro quando, depois de me perguntar o que faço, quem são meus amigos, familiares etc… a pessoa na minha frente me olha nos olhos, se aproxima, e sussurra: E o que te inspira?
Uau! Para mim uma pergunta escandalosamente íntima, profunda, que revela o tipo de território em que está apoiado um ser humano.
Não foi à toa que adiei mais de dois meses com e-mails para o Marcello: Posso ter mais tempo?
Só agora, um dia antes do prazo final, sem poder fugir mais, enfrento a pergunta com o computador aberto às 6 da manhã na cama.
Fiquei tentada a escapar citando “a última coisa que me inspirou” e descrever simplesmente a última exposição que vi, um dos filmes do Oscar (ou algum bem remoto que ninguém viu), um livro com título intrigante… enfim.
E sei que, num tempo lotado de “mídias sociais”, as pessoas estão de alguma maneira “expondo” o tempo todo o que as toca e inspira.
Mas euzinha, que não tenho nem Facebook… Aiaiai.
Bom, chega de enrolar – aqui vai:
– O que me inspira?
Histórias bem contadas e conceitos que me ajudem a me entender (ou vice-versa). Não importa em qual formato se apresentam: exposição, filme, livro, espetáculo… Uma boa história, apresentada por um bom contador de histórias, me seduz deliciosamente. E tenho literalmente tesão em quem sabe conceber e explanar um bom conceito (sim, sou uma sapiossexual: aquele que é atraído sexualmente pela inteligência do outro – descobri essa definição com minha querida Costanza Pascolato –, que by the way também é uma suuuuper sapiossexual).
Sem fugir mais, segue, então, um mosaico barroco dos fragmentos inesquecíveis que habitam este ser humano que vos escreve:
Desde criança, sou um leitora voraz (aliás, uma incógnita em como eu podia ser encontrada completamente em silêncio lendo no cotidiano de uma casa que era uma algazarra sonora com muiiitas mulheres falando muito, ao mesmo tempo). A leitura me catapulta para outros mundos. Começou com os heróis de quadrinhos e gibis – Mandrake, Fantasma, Pato Donald (para mim o melhor personagem de Mr. Disney até hoje), Bíblia ilustrada, especialmente o Velho Testamento (sou fascinada pelas aventuras e dramas de Noé, Ester, José, David, Abraão, Moisés, Rebeca…).
Depois, fui desenvolvendo prazer nas leituras não ilustradas, em que a imagem só dependia da minha imaginação. De romances água com açúcar a livro de mistérios, suspense, com detetives incríveis (me lembro de uma detetive morena de olhos azuis que era implacável).
Na adolescência me esbaldei nos clássicos que amo até hoje – Dom Quixote, O Velho e o Mar, e a sede de livros se transformou em fascínio pelos autores. Desde Machado de Assis até Richard Bach (sim, não escapei de Fernão Capelo Gaivota – aliás, acabei lendo todos os livros dele – e voar passou a ser minha filosofia), e óbvio que passei por vários best seller como Tom Wolfe, Ken Follet…
Me esbaldei em autores como Herman Hess com O Lobo da Estepe – “Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe”, e aí fui apresentada à obra de Clarice Lispector – socorro – um encontro estonteante! Devorei todos os livros dela! A Descoberta do Mundo (compilado de artigos que ela escrevia aos sábados no JB) virou meu livro de cabeceira por anos só para folhear sobre assuntos diversos, abordados de forma íntima, antes de dormir.
Dos grandes autores aterrissei nos filósofos e a linhagem Espinoza – Nietzsche – Deleuze me persegue até hoje (principalmente nos ótimos encontros de filosofia no ateliê da minha queridíssima Marilu Beer).
E filmes? Afinal como esta cineasta se apaixonou por imagens? Lista interminável. Do ardiloso Hitchcock, ao delinquente Truffaut e ao versátil e superautoral Bertolucci; do superpopular Spielberg, ao poético chinês Won Kar Wai (e mais tantos outros que não cabem mais aqui porque… Ufa! acabaram os caracteres que me foram encomendados – portanto tenho uma excelente desculpa para parar).
Vou fazer de conta que não tirei a roupa num surto de exposição com os dedos deslizando no teclado e voltar voando para minha agenda na Asas, onde…
Espera! Socorro! Agora abriram mais um milhão de inspirações: e as exposições mil? E os livros de arte? E todas as equipes de filme que trabalhei? As pessoas escandalosamente inspiradoras que encontrei? E a minha infância no Pantanal? E os cavalos? E minha mãe, minha avó, minhas irmãs? E o amor da minha vida…