Férias são ótima oportunidade para viver intensamente a posição de… consumidor. Consumimos dezenas de coisas ao mesmo tempo, quando viajamos em férias. Compramos passagens aéreas, de trem, de barco, de balão, hospedagens de todos os tipos, experimentamos a gastronomia local, nos enchemos de lembrancinhas para parentes e amigos, e até para nós mesmos. Levamos algo que vai ficar lindo na parede da sala de jantar, ou o livro de um sebo que na estante sempre vai lembrar a livraria mais antiga do mundo. Imãs de geladeira são itens baratos que, entre uma coisa e outra, nos remetem àquela viagem que ficou na história.
Compramos, compramos e compramos, basicamente. Tudo precisa ser comprado, em mundos estranhos onde não temos nenhuma raiz, onde precisamos aprender como funcionam torneiras e descargas, onde as placas e rótulos podem confundir mais do que esclarecer, onde a falta de um planejamento prévio pode se tornar um pesadelo de roubadas, onde a ausência de responsabilidades cotidianas nos leva, quase sempre, a beber, comer… e consumir demais.
Nos permitimos consumir toda sorte de inutilidades movidos unicamente pela emoção do momento. Até o mais controlado dos seres se rende a pecadilhos inimagináveis. Afinal, o simples ato de nos lançarmos numa aventura rumo ao desconhecido já nos coloca na categoria dos incautos, dos desprendidos. Viajar é quase como estar, durante alguns dias, semanas ou meses, em um universo paralelo. Tão paralelo que nele somos continuamente chutados, cuspidos e maltratados – em lojas (por vendedores impacientes), em restaurantes (por garçons que têm certeza que turistas raramente retornam) e aeroportos (onde qualquer conceito de bom atendimento e gentileza praticamente inexiste) – e ainda assim saímos sorrindo, tentando enxergar o lado bom de tudo aquilo. Porque, afinal de contas, estamos de férias: relaxados, felizes, inebriados, quase anestesiados. É precisamente neste momento que somos torturados até o fim das nossas possibilidades de esgotamento pelas companhias aéreas – elas, sim, que parecem habitar um universo paralelo, talvez acreditando que a maior parte das escolhas neste segmento é baseada em preço, portanto dane-se a experiência real, basta fazer comerciais bonitinhos. Porque possivelmente, nas férias seguintes, procurando as melhores ofertas, sublimaremos nossas experiências ruins como mães que esquecem as dores do parto, e lá iremos nós novamente, rumo ao imenso moedor de carne chamado… viagem aérea.
Chego de férias com pesadelos no histórico de relacionamento com marcas como Lufthansa e TAP. Da primeira, recebi de presente uma viagem de 10 horas de duração em uma poltrona defeituosa, que não deitava um centímetro sequer. Na tentativa desesperada de compensar meu desconforto, uma comissária me ofereceu um voucher de 75 euros para trocar quem sabe por um perfuminho na viagem de volta, que nunca ocorreu porque o voo foi cancelado e meu retorno foi com a Air France – por sinal, sem surpresas desagradáveis. Com a TAP, dois voos cancelados geraram momentos de estresse sem precedentes. Reclamações são, espertamente, dirigidas a sites e redes sociais, onde não há espaço para a conversa verdadeira, honesta, desarmada. Histórias de terror envolvendo empresas aéreas se repetem aos montes, e a sensação que se tem é que parece valer a pena (para elas) resolver a insatisfação dos clientes pagando multas ou compensações – que nunca chegam a apagar as frustrações vividas durante dias em que tudo deveria ser mais leve e alegre do que o duro cotidiano. Até quando?
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