Filmes de Coca-Cola e McDonald’s provocam reação do público ao incorporar inteligência artificial generativa em seus elementos visuais
O Natal segue como um dos períodos mais estratégicos e, em 2025, também mais sensíveis do calendário publicitário. Com o varejo projetando faturamento acima de R$ 72 bilhões, segundo estimativa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), marcas ampliam investimentos em comunicação e ativações para disputar a atenção em um mercado aquecido. Ao mesmo tempo, o contexto impõe um desafio adicional: acertar o tom em uma data de forte carga simbólica, atravessada por mudanças culturais, novas plataformas e pela incorporação crescente da inteligência artificial aos processos criativos.
Para Eliza Casadei, coordenadora de pós-graduação em comunicação e práticas do consumo da ESPM, o ponto de partida para entender o Natal contemporâneo é reconhecer que a data sempre foi marcada por hibridismos. “Esse imaginário eurocêntrico do Natal — com neve, frio, lareira — nunca foi uma descrição muito precisa de como as pessoas vivenciam a data no Brasil”, afirma.
Segundo a pesquisadora, trata-se menos de um retrato fiel e mais de um arquivo cultural estável, amplamente reconhecido, que organiza simbolicamente a chegada do fim do ano. É justamente essa função simbólica que explica por que o mercado segue recorrendo a esses códigos. “O comércio tende a repetir esses elementos porque eles operam como marcadores de ritual coletivo, uma forma de dizer: ‘chegamos a essa época do ano’”, explica.
Ao mesmo tempo, Eliza observa que muitas marcas já vêm tensionando esse repertório ao brincar com os símbolos, como Papais Noéis em contextos tropicais, misturando referências globais com experiências locais.
Essa leitura dialoga com a pesquisa ‘Natal da genZ: Afeto, pragmatismo e a reinvenção tropical de um ritual coletivo’, desenvolvida pelo InstitutoZ, núcleo de pesquisa da Trope. O estudo aponta que a geração Z vive a data de forma híbrida, regional e autoral, combinando internet, tradições familiares, estética periférica, produções DIY e redes locais.
Nesse contexto de concorrência, a tecnologia passa a ocupar um papel central na diferenciação das campanhas — especialmente a inteligência artificial, que ganha espaço não apenas como ferramenta de produção, mas como elemento visível.
Neste ano, repetindo os moldes do ano passado, a Coca-Cola lançou globalmente um comercial de Natal produzido inteiramente com IA generativa, dentro da plataforma Real Magic AI. A iniciativa reacendeu discussões no mercado sobre autenticidade, padronização estética e governança criativa em campanhas de datas rituais. O debate ganhou força após casos internacionais, como o do McDonald’s na Holanda, que lançou e retirou do ar um filme natalino criado com IA após repercussão negativa do público.

Para a docente, o problema não está na ferramenta, mas na forma como ela é integrada ao processo criativo. “Sem um cuidado humano mais atento, ela [IA] tende a produzir resultados muito padronizados”, avalia. Quando a narrativa soa genérica, mesmo sendo tecnicamente bem executada, ela perde força simbólica. “O risco é a marca deixar de ser reconhecida pelo seu jeito próprio de falar com as pessoas”, completa.
Parte do mercado tem buscado caminhos intermediários. Na Perdigão, a inteligência artificial aparece como ferramenta de experiência e serviço, sem ocupar o centro da estética da campanha. A marca celebra os 45 anos do Chester com o filme ‘Como nasce uma tradição’, criado pela AlmapBBDO, que percorre décadas para mostrar como a ave se tornou parte da memória afetiva das famílias brasileiras desde 1980.

Segundo Luiz Franco, diretor de marketing e inovação da MBRF, a campanha busca retratar a construção dessa tradição ao longo do tempo. “Ao mesmo tempo, acompanhamos a evolução do comportamento dos consumidores, cujas celebrações se tornaram mais dinâmicas e se estendem além da ceia tradicional.”
Em paralelo, a marca ampliou as funcionalidades do chatbot Perdigão, que passou a utilizar IA generativa para sugerir pratos personalizados a partir da foto da geladeira do usuário, além de ferramentas como vídeos animados ambientados em diferentes décadas, cartões personalizados e retrospectivas de fim de ano.
A estratégia dialoga com mudanças no comportamento do consumidor. Dados do Consumer Hub da MBRF indicam que 40% dos brasileiros participam de encontros pré-festividades, ampliando o período de celebração para além da ceia tradicional.
A Elo adota uma lógica semelhante ao incorporar a inteligência artificial como apoio de produção, sem deslocar o foco da narrativa emocional. Desenvolvida pela AlmapBBDO em parceria com a O2 Filmes, a campanha da marca utiliza animação com apoio de IA para contar a história de um porteiro que participa dos bastidores do Natal de um prédio residencial.
Já a Natura apostou em uma narrativa que ressignifica o ato de presentear, deslocando o foco do objeto para a experiência afetiva. Criada pela Africa Creative, a campanha acompanha a jornada de uma mãe e uma filha que, diante do cancelamento de um voo às vésperas da data, transformam o contratempo em um momento de reconexão. O filme utiliza uma situação cotidiana para tratar de vínculo, tempo compartilhado e presença.
O Boticário, por sua vez, optou por abordar o bullying familiar em sua campanha de fim de ano. Criado também pela AlmapBBDO, o curta-metragem acompanha uma jovem que revisita, por meio de um álbum de fotos, memórias de críticas sofridas em encontros familiares durante a data.
A Cacau Show apostou em um filme criado pela LVL. A campanha constrói uma narrativa ambientada na chamada ‘Mágica fábrica de chocolate’, com personagens e elementos fantásticos que reforçam o imaginário da marca. A estratégia se desdobra em veiculações em TV, digital e redes sociais, além da atuação de influenciadores para apresentar o portfólio sazonal e ativações físicas ligadas ao principal elemento narrativo do filme.
Se o debate sobre tecnologia atravessa o Natal de 2025, outra transformação decisiva aparece na forma como as campanhas são distribuídas, consumidas e apropriadas pelo público. Plataformas digitais, ritmo de ativação e participação das comunidades passaram a influenciar diretamente o desenho das estratégias.
Leia a íntegra da matéria na edição impressa de 22 de dezembro.