Em muitos casos, porém, a falta de registro leva à perda do direito exclusivo sobre um produto, personagem ou composição musical
Renato Aragão não pode mais ser chamado de Didi? No início de setembro de 2023, vários sites postaram que o humorista Renato Aragão teria perdido o direito de usar comercialmente o nome Didi, seu mais famoso personagem. O motivo seria o registro feito no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) pela Beijing Didi Infinity, uma empresa chinesa de mobilidade urbana. O personagem Didi Mocó, interpretado por Renato Aragão no programa de televisão ‘Os Trapalhões’, ficou tão famoso que o próprio humorista passou a ser mais conhecido como Didi do que por seu nome real, garantindo um lugar cativo na história da comédia brasileira e na memória coletiva do povo. Contudo, a marca Didi nunca foi registrada pela empresa do humorista, a Renato Aragão Produções Artísticas Ltda.
Isso quer dizer que Renato Aragão não pode mais usar o nome de seu personagem? Aqui, há duas vertentes que convergem para o uso de propriedade intelectual: o direito de marca e o direito autoral. Como explica o professor da ESPM Gustavo Cesário, especialista em branding e propriedade intelectual e sócio da K+G Cesário Pareceres e Pesquisas: “No mundo há duas formas de concessão de direito marcário (direito de uso de marca): first to use e first to file. O first to use determina que o primeiro a usar uma marca comercialmente é quem tem o direito sobre ela. Países como EUA, Canadá e Austrália adotam essa forma de concessão de direito marcário”.
Entretanto, continua o professor da ESPM, para se ter direito pleno sobre uma marca, é preciso registrá-la. “Se tomarmos como exemplo o Uspto (o órgão americano equivalente ao nosso Inpi), se houver duas marcas idênticas buscando o registro, esse órgão concederá o registro para aquela marca que demonstrar sua anterioridade de uso.”
Já o first to file (primeiro a registrar) determina que o primeiro que ingressar com o pedido de registro de marca é quem terá a titularidade sobre ela. “Essa é a forma de concessão de registro de marca na maioria dos países do mundo, inclusive Brasil, União Europeia e China. Sendo assim, como a Renato Aragão Produções ou o próprio humorista Renato Aragão nunca pediram o registro da marca Didi, a empresa chinesa Beijing DiDi Infinity Technology Development Co., Ltda. pôde obter o registro da marca Didi em 13 classes de produto ou serviço distintos, inclusive na classe 41, que engloba serviços de entretenimento.”
Portanto, na opinião do professor Cesário, “o Inpi agiu corretamente dentro do ordenamento jurídico brasileiro para o registro marcário. Importante ressaltar que sequer houve oposição da Renato Aragão Produções durante a fase de exame do pedido de registro pelo Inpi”.
Por outro lado, o registro da marca Didi pela empresa chinesa não impede o uso do famoso personagem pelo humorista, pois a proteção intelectual do personagem se dá pelo direito autoral, não pelo direito marcário. “O direito autoral sobre qualquer criação artística, literária, musical nasce quando tal criação é exteriorizada. Ou seja, não é necessário seu registro. O que é importante apenas é a comprovação de que naquela data específica houve aquela criação. Portanto, quem criou primeiro um determinado personagem, como o Didi, é quem tem o direito autoral sobre ele,” explica o professor Cesário.
Ele também lembra que, enquanto a proteção de uma marca registrada é válida por 10 anos, e renovável por períodos de 10 anos indefinidamente, o direito autoral tem uma limitação de tempo até cair em domínio público. No Brasil são 70 anos após a morte do autor. Após esse período, seus direitos passam a ser de seus herdeiros. “Em resumo, a empresa chinesa não pode proibir o humorista de continuar a utilizar seu personagem, pois são proteções diferentes (direito marcário x direito autoral).”
Situação parecida aconteceu com o famoso personagem de animação Mickey. Após 95 anos desde a sua estreia, Mickey e sua eterna namorada Minnie Mouse passaram para domínio público no ano passado nos Estados Unidos, permitindo a criação de narrativas e produtos sem autorização prévia dos estúdios Disney. Porém, o domínio público se dá somente na versão de 1928 dos camundongos criados pelo cartunista Walt Disney. Versões posteriores foram devidamente registradas como marca pela Walt Disney Productions Inc., o que dá direito à empresa de contestar usos indevidos, enquanto a marca registrada dos personagens permanece sob seu controle.
Leia a matéria completa na edição do propmark de 26 de fevereiro de 2024