1. Na célebre composição de Chico Buarque, com cerca de quinhentas canções de sua autoria relacionadas pelo Google, ele constrói com o talento de sempre, uma das mais contundentes críticas políticas do nosso cancioneiro. E o que mais impressiona é que “Vai passar” foi composta nos anos 70, com o regime militar já sob a égide do Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, considerado o golpe dentro do golpe.

Impressiona porque a história se repete, sob outras formas de violência, embora mantendo o seu pano de fundo. O povo da base da pirâmide, que por falta de formação e de informação não dá o primeiro passo contra o establishment, é anestesiado em troca de alguns vinténs para se manter onde está.

Alguns degraus acima, onde o ar que se respira melhora de qualidade, pode-se perceber noções de divergência, resultado da capacidade de uma análise mais crítica do que realmente acontece no país, onde se vê mudarem os nomes, mantendo-se, porém, os objetivos.

Compare o leitor, a crônica-canção de Chico Buarque dos anos 70, meio século depois: “Num tempo/ Página infeliz da nossa história/ Passagem desbotada da memória/ Das nossas novas gerações/ Dormia/ A nossa pátria mãe tão distraída/ Sem perceber que era subtraída/ Em tenebrosas transações”.

Se a História se repete só como farsa, esta já ocorre entre nós: estamos assistindo a um país que tinha tudo para estar adiante do seu tempo de hoje, mas que – pelos mesmos motivos de sempre – marca passo e até retrocede, vítima de males que sequer se renovam. Cabem na verdade como encomenda no bojo de todo o texto de “Vai passar”.

As reclamações são muitas, os empresários e empreendedores reclamam, os autônomos idem, os que vivem de salários também e os de aposentadoria, então, até para reclamar já não têm forças. A nação parece ter estacionado em uma plataforma de ferrovia em desuso, daquelas que os filmes de faroeste sempre mostram.

Claro que há esperanças, porque somos mais do que o dobro dos 90 milhões em ação da música ufanista de Miguel Gustavo. O país está tendo a sua Copa, que ao seu cabo poderá não ser a Copa das Copas, como assoprou João Santana ao pé do ouvido da presidenta Dilma, mas cumprirá o seu papel, um deles o de engordar sem limites os cofres daquela entidade tão poderosa quanto inescrutável, cuja sigla metade da população mundial de alguma forma conhece e que domina o futebol do planeta.

Mas a Copa vai acabar no dia 13 de julho. Vamos torcer, sinceramente, para que o Brasil chegue até lá e vença, porque sua derrota machucará ainda mais os que pouco ou nada têm, a não ser o orgulho de serem brasileiros, além das nossas crianças.

A partir de 14 de julho, data emblemática para a Humanidade e cuja Revolução que se comemora mudou seus destinos, começaremos uma nova etapa entre nós, sem mais a miragem da Copa no horizonte, impedindo-nos de avançar não sem antes a ela reverenciar.

Os Jogos Olímpicos de 2016 serão diminutos diante do estardalhaço que até aqui se fez em torno da Copa das Copas.

Isso significa que logo mais, a menos de um mês, o país estará liberto do gigantesco pão e circo que sempre agrada aos governos e governantes.

Somos todos melhores, os brasileiros, quando agimos livremente, sem nenhum tipo de condicionamento. O melhor do nosso povo surge na maioria das vezes de forma inesperada e até surpreendente, contagiando os demais.

É só olhar para trás para constatar como os grandes momentos da nossa História não foram construídos com a ajuda de coleiras.

2.  Aproveitando a flexibilização da “Voz do Brasil” provocada pela Copa do Mundo, as emissoras de rádio de todo o país estão desenvolvendo esforços, por meio da Abert, para que a experiência permaneça de forma definitiva e no mesmo horário (com início entre 19 e 22 horas).

Será um bálsamo para os cidadãos das grandes cidades, presos nos seus automóveis durante o rush do final do expediente diário e que necessitam não só de informação para se deslocar no trânsito, como também de notícias sobre a sua cidade, o país e o mundo.

Fruto da ditadura de Vargas, o programa ficou intocável no seu horário até aqui, sendo então flexibilizado devido à atual Copa da Fifa, o bastante para ser demonstrado que a mudança de horário em nada fará o programa perder a sua finalidade.

3.  Antes do início desta Copa do Mundo da Fifa, esboçou-se um movimento que não pode parar: a composição dos ministros do STF ser procedida por outro sistema que não a simples escolha da Presidência da República, uma flagrante intromissão indevida do Executivo no Judiciário.

A ideia é que, pelo menos para que vingue, os poderes constituídos estabeleçam uma cota para a própria categoria dos magistrados, a ser preenchida através da Associação dos Magistrados Brasileiros, por meio de mecanismos a serem analisados, discutidos e aprovados pelos seus componentes.

Já será um primeiro passo para a verdadeira independência entre os poderes republicanos.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2502 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 16 de junho de 2014