Divulgação

Valdir Siqueira morreu na semana passada. Elegantemente, como viveu. Da descoberta de sua doença até a sua morte, poucos meses se passaram. E nesse tempo ele não perdeu a postura, a ponto de quem o viu andando na Lagoa não conseguir perceber que o câncer já lhe devastava o corpo. Continuou magro, bem-vestido e educado até o fim.

Valdir era paulista, da Mooca, classe média/média clássica de São Paulo, família vindo do interior, Apiaí, com duas irmãs e dois irmãos, pai e mãe profundamente religiosos, conservadores e satisfeitos com a vida que Deus lhes reservara. Lá pelos idos de 1950, a vida na Mooca era típica de bairro habitado pelos chamados “remediados”: pouco dinheiro, muita comida, bailes nos fins de semana.

Ainda se lavava o carro na porta de casa aos sábados pela manhã e era um privilégio frequentar o parque aquático do Juventus, um orgulho para a sociedade mooquense, se for esse o gentílico. Mas Valdir sonhava alto e inventou de ir trabalhar numa profissão que ninguém entendia direito para que servia, mas que parecia render um bom dinheiro. Publicidade.

E, para encanto dos amigos da rua, fazia alguma coisa ligada à revista “4 Rodas”, o máximo do status, já que lidava com o símbolo do luxo na época: automóveis. Na verdade, Valdir vendia classificados para uma loteadora de anúncios chamada Selo Azul. Ou seja: realmente trabalhava para a “4 Rodas” e não mentia quando se declarava publicitário.

Sua maneira de ser, porém, fazia as pessoas acreditarem que o Vitor Civita era apenas um colega de trabalho. Não que Valdir contasse lorotas, longe disso. Era apenas uma questão de jeito de ser. Ele tinha maneiras de diretor-geral. Postura, sabe como é? Com delicadeza, capacidade de encantar e boa conversa, conseguiu bons clientes, garantindo recursos para comprar roupas da moda e um Puma, sonho dos sonhos de consumo.

Naquele tempo, a cidade mais charmosa do Brasil, a que tinha a vida mais glamorosa, era o Rio de Janeiro. Para lá Valdir se mandou. E foi quando o conheci, na JMM, atendendo à conta do Banco Nacional, vestido como se estivesse em Nova York. Lembro-me como se fosse hoje, e estou falando no começo dos anos 1970. Vestia um terno marrom escuro, camisa verde, gravata amarela e um mocassim verde musgo. A própria capa da Vogue.

Nós ficamos amigos, muito amigos, a ponto de mudarmos juntos de emprego, ele sempre no atendimento e eu na criação. Fui para a Lintas e consegui trazê-lo. Depois fomos para a Thompson. E, finalmente, abrimos a V&S (“Vê de Vieira e “S”de Siqueira), que durante 25 anos nos deu muitas alegrias e uma vida bastante razoável, uma aventura lamentavelmente acabada quando a publicidade do Rio se esvaziou. Mas uma beleza de aventura para um garoto da Mooca e outro da Lapa.

Nesse tempo, Valdir teve uma participação muito importante nas atividades associativas da propaganda. Foi da Abap e da Fenapro, sempre na liderança. Nunca deixou de andar rigorosamente na moda e de cuidar da aparência. Enquanto eu engordava e ia demonstrando a idade nos cabelos, na barriga e nas rugas, Valdir, para minha inveja, ganhava apenas um leve tom grisalho nos cabelos. Fundou a Confraria dos Companheiros da Boa Mesa, da qual foi, durante algum tempo, presidente e uma ONG para contribuir para a preservação da natureza em Angra dos Reis.

Aliás, em Angra ele teve uma das casas mais elegantes (não suntuosa, não espalhafatosa: elegante) e um dos veleiros mais bonitos. Tudo com sua marca pessoal. O requinte e não a exibição vazia. Casado com Márcia, cercou-se de filhos que lhe deram netos. Brigamos muito nestes quase 40 anos de amizade e nos 25 anos de sociedade.

Exteriormente sempre fomos opostos. Eu gordo, esculhambado, bagunceiro, malvestido, como diria Fernando Pessoa “tropeçando nos tapetes das etiquetas”. Ele não. Fino, educadíssimo, um nobre. Mas juntos conseguimos criar um dos melhores ambientes de trabalho que uma empresa pode proporcionar a seus empregados.

Uma agência que escreveu alguns bons capítulos na história da propaganda carioca e deixou saudades em todos que conviveram com ela. Como eu disse no início, ele foi embora com a mesma finura que viveu. Nos últimos tempos, cada um cuidando de sua sobrevivência, nos vimos muito pouco. Foi burrice de parte a parte. Burrice que a gente só percebe que cometeu quando não há mais volta. Lição que ele me deu, como sempre, com toda elegância.

*Sócio da Mesa Consultoria