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Ao zapear a programação dos canais abertos e por assinatura o telespectador se depara com inúmeras campanhas publicitárias que possuem locuções femininas. O segmento, até há pouco tempo dominado por homens, ganha maior participação de mulheres, já que elas trazem mais leveza e abrem discussões sobre a valorização da mulher e dos movimentos feministas.

“Uma mudança positiva que está ocorrendo, ainda que lentamente, é o raciocínio por trás da opção por uma locução masculina ou feminina. Antes, quando se definia por uma voz de mulher, era geralmente para atingir o público feminino. Hoje, acompanhando o que ocorre em todas as áreas em que o masculino dominava, a presença da mulher vem se tornando mais natural. Você pode ter uma voz feminina numa peça dirigida a qualquer público simplesmente porque encontrou uma locutora que acrescenta à ideia com seu talento. Então, além de termos uma maior presença de locutoras, está começando a diminuir também o estereótipo em relação a essa escolha”, diz Marcelo Nogueira, diretor de criação da AlmapBBDO.

Para a diretora de produção integrada da DPZ&T, Ducha Lopes, o fato de se ter mais diretoras participando das concorrências também ajuda no processo de mudança. “Além de mais campanhas que empoderam as mulheres, temos cada vez mais diretoras participando de concorrências, profissionais femininas de produção e, sim, muitas locutoras atuando para marcas que não trabalhavam muito com locução feminina. Atualmente, em uma reunião de produção ou offline, na maioria das vezes já temos as duas opções de vozes masculina e feminina para escolher”.

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É nítido que as mulheres vêm mudando o seu papel na sociedade e essa transformação também é refletida na publicidade. As marcas tentam quebrar paradigmas e as campanhas buscam, cada vez mais, uma maior identificação com o consumidor.

“A locução publicitária era realmente muito masculina. Antigamente a mulher gravava só para lojas de departamento, cosméticos, alimentos, moda e produtos para bebê e casa. Comerciais de banco, de automóveis, antes exclusivos para vozes masculinas, agora estão acompanhando essa mudança. A voz feminina é a primeira que todos nós ouvimos ainda no útero da mãe, e a sua associação com acolhimento, proteção, segurança e nutrição ficam para sempre”, afirma Simone Kliass, locutora e integrante do Clube da Voz (Associação dos Locutores profissionais).

Nunca se discutiu tanto a igualdade de gênero como agora. Mas será que os estereótipos realmente ficaram para trás? O que realmente buscam os anunciantes ao escolherem uma voz feminina para uma campanha?

“Algumas vezes buscam simplesmente a identificação com o público feminino, outras vezes querem adequar a voz à ideia de uma campanha que pede essa escolha, pode ser especificamente para apoiar a igualdade ou, apenas, optam por uma locutora talentosa. Algumas vezes nós testamos vozes diferentes e escolhemos o profissional que executou melhor a peça, seja homem ou mulher. Em geral, locução é um mercado pequeno. Os bons acabam sendo disputados e usados por várias marcas”, comenta Nogueira.

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Nos Estados Unidos a discussão do gênero na publicidade também é grande. Tanto que algumas campanhas estão usando locutores com vozes andróginas. Assim como algumas marcas estão começando a vender roupas sem gênero, algumas companhias estão buscando vozes que não sejam fáceis de ter o gênero identificado. Então, o importante em toda essa história é pensar muito bem na escolha da voz que vai representar a sua marca.

Diálogo
A utilização de máquinas para a interação com diferentes tipos de público está cada vez mais popular. As assistentes virtuais ganham espaço em nosso dia a dia e são capazes de entender e responder a diversos tipos de questionamentos.

Nesse segmento parece que as mulheres são maioria já que Siri (Apple), Alexa (Amazon), BixBy (Samsung) e a recente Bia (Bradesco), por exemplo, possuem uma voz feminina para dialogar com os usuários.

Com mais de 20 anos de experiência, a locutora Regina Bittar possui uma relação de longa data com os sistemas operacionais. Em 2001, ainda na era da internet discada, estreou com a assistente Me Diz, desenvolvida pela Gradiente.

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Depois emprestou a voz para o Google tradutor, logo quando a função chegou ao Brasil, e ficou conhecida mesmo em 2010 como a voz da Siri, a assistente pessoal da Apple.

“A voz é a nova interface do ser humano com a Inteligência Artificial. Vale lembrar que a humanidade da IA veio através da voz e mudou a relação entre o homem e máquina para sempre. Com o crescimento do poder de compra feminino e maior participação no mercado de trabalho, a mulher agora ganha a própria voz. O estereótipo da mulher sensual e frágil dá lugar a uma voz verdadeira, com atitude, consistente e coerente com a mensagem a ser passada”, declara Regina.

Para Simone, o recurso de voz como interface ganhará ainda mais força com o crescimento da internet das coisas. “A voz feminina também é mais utilizada em assistentes virtuais pessoais, porque soa menos invasiva e perigosa. Imagina uma voz masculina acionada o tempo todo na sua casa? O Watson, apesar do nome, em português, tem voz feminina e se chama Isabela. A Siri tem as duas versões, mas você precisa achar a voz masculina lá nas configurações do IOS. A voz feminina está muito associada às tarefas triviais de procurar informações na internet e fazer uma ligação”, acredita.

Seja na publicidade ou conversando com máquinas, o consumidor deverá ouvir cada vez mais a voz feminina em seus dispositivos. Porém, Simone faz um alerta em relação a forma com que lidamos com estes aparelhos. “Nos EUA, muitas crianças estão aprendendo a tratar figuras femininas, como tias, mães e professoras, como lidam com as assistentes virtuais, através de ordens. E isso está gerando problemas. Como diferenciar uma máquina que fala com voz feminina e uma mulher?”, diz.

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