Luiz Sanches (Divulgação)

Com a impossibilidade do trabalho presencial, que permite capturar a energia das pessoas, e do live action, Luiz Sanches, chairman e CCO da AlmapBBDO, recomenda adaptação e que formatos sejam reinventados, mas sem abrir mão da criatividade. Ele acredita que o mercado sairá mais fortalecido da crise. “Ninguém vai voltar dessa crise como era antes”, assegura Luiz, acreditando que as marcas podem inspirar pessoas. Ele cita o live streaming para Havaianas com a cantora Marília Mendonça. “É hora do imprevisível”, diz ele. Veja os principais pontos da sua entrevista publicada na edição impressa do PROPMARK desta segunda-feira (20).

Qual é o posicionamento da Almap- BBDO nesse momento de isolamento social e de uma nova consciência de convivência por meio de canais virtuais?

Fomos a primeira agência a ter um caso de novo coronavírus. Uma funcionária participou de um fatídico casamento no Nordeste. Iniciamos logo um processo de quarentena antes mesmo das medidas adotadas pelas autoridades. E, também, afastamos os funcionários que mantiveram contato com ela. Todos os profissionais do chamado grupo 1, ou de risco, foram automaticamente para a quarentena. As pessoas estão sempre em primeiro lugar na agência. A AlmapBBDO será sempre um escritório vazio se não tiver talentos. Um dos principais pilares são as pessoas. Para nós, isso é imprescindível.

A agência já tinha experiência de trabalhar pelo sistema home office?

Sim. Mas com um percentual bem menor. Hoje estamos 100% trabalhando à distância. Todos os andares e salas estão vazios. É uma decisão que envolve a segurança de todos.

Como essa dinâmica interfere nos processos de trabalho?

O negócio da propaganda é feito de pessoas para pessoas. Faz uma enorme diferença a relação presencial e não presencial. Quando estamos juntos no mesmo ambiente sentimos a vibração e a energia de quem está do lado. Estar presencialmente é contagiante. Inclusive para melhorar o produto final. Esse é o cenário ideal. Porém, tivemos de aprender a trabalhar à distância. Estamos conectados pela tecnologia.

Essa adaptação foi rápida?

Nunca as pessoas sentiram tanta falta do contato físico como agora. Até bem pouco tempo víamos nos restaurantes as pessoas sentadas em uma mesma mesa sem se olhar; sem conversar. Estavam focadas nos seus smartphones. A sorte da AlmapBBDO é ter uma equipe sênior; experiente. E talentosa. Nessa adversidade, elas conseguem, através da criatividade, reinventar o jeito de trabalhar.

Mudou o produto AlmapBBDO?

Pelo contrário. A excelência criativa norteia a agência. O que há é uma adaptação do que o dia de hoje exige. Não há como filmar porque não dá para abrir câmera. As ativações também estão suspensas. Mas o produto permanece com excelência criativa. Temos alguns Leões no Festival de Cannes com trabalhos feitos com conteúdo de banco de imagens como Endless Stories para o Getty Images, que é um banco de imagens. A hora é de reinventar formatos. Mas sem nunca abrir mão da criatividade.

Como a pandemia está afetando o negócio?

Todas as indústrias foram e serão impactadas de uma forma ou de outra. As empresas aéreas estão tendo impacto sintomático nas suas operações. A publicidade não é exceção.

Qual é a diferença?

A resposta é como a publicidade vai agregar valor ao que produz lá na frente. Ninguém vai voltar dessa crise como era antes. Nada será como antes. A campanha 1984 da Apple dizia que 1984 não seria como 1984. 2020 não será como 2020. É uma mudança de paradigma sem precedentes. Mas vamos continuar tendo de impactar clientes e pessoas. Há uma clara e abrupta ruptura da forma como o consumidor se relaciona com a mídia. Há uma mudança diferenciada de consumo de conteúdo. Canais da internet estão sem credibilidade, banalizados. Algumas lives nas redes não têm critério, afinal muitas pessoas estão isoladas em 10 metros quadrados e alguns influencers fazem posts de suas mansões.

Qual será a herança que esse momento atual vai deixar para as marcas, agências e consumidores?

Vamos sair certamente mais fortes com essa mudança de consumo de conteúdo. Acredito que no médio prazo vamos observar uma saturação do digital. As pessoas vão querer falar e ver gente. Essa mudança de mindset oferece grandes oportunidades para as agências e todo o trade. Muitas marcas perderam o sentido. As agências serão o fio condutor para a disseminação de mensagens inspiradoras.

Como será esse processo?

A ideia é inspirar pessoas por meio das marcas. Assim que esse momento passar. Essas marcas vão poder ir para a rua. Quais? Aquelas que estiverem de mãos dadas com as pessoas nesse momento: as marcas que não se utilizarem da banalização de dados. Todos têm dados. Eles estão disponíveis. Mas poucos utilizam essas informações com criatividade. Não podemos perder de vista essa mudança de hábitos e valores. Como indústria, vamos nos fortalecer com esse momento. Vamos ter de cortar custos? Sim. Mas é o momento. Temos de valorizar o que produzimos porque vai nos levar a um produto melhor e mais robusto.

Quais meios estão sendo priorizados nas estratégias de mídia?

Estão surgindo oportunidades diferenciadas. No dia 8 de abril tivemos um live streaming com a cantora Marília Mendonça para Havaianas que contabilizou 3,3 milhões de acessos registrados no YouTube. Tornou-se um fenômeno: o maior live streaming do mundo. As pessoas estão em isolamento social e, portanto, interagindo com aquilo que pode ser feito em casa. Regularmente aparecem novos formatos e, como todos estão passando mais tempo em casa, é comum assistir mais vídeo, seja na TV ou na internet. Porém, streamings de um modo geral, e o Netflix, estão caindo na sua qualidade; não dão conta. Reitero que considero esse momento como uma grande oportunidade. Não que seja o norte daqui pra frente. Outra coisa interessante: a AlmapBBDO tem marcas muitos importantes, como O Boticário, Volkswagen, Cielo, Bradesco Seguros, Visa, Elma Chips e Whats- App, por exemplo. Temos de trabalhar pelo posicionamento dos clientes com relevância. Há um crescimento substancial das mensagens pelo WhatsApp. Nesse momento estamos produzindo nova campanha para o aplicativo em mídia aberta, de massa.

Como as salas de performance estão ajudando nesse momento?

Realmente há um acompanhamento muito grande. Mas não gostaria de dar uma resposta politicamente correta. As salas de performance estão fazendo check points de algo previsível. Elas ajudam? Sim. Mas é hora do imprevisível. É o que a gente produz de melhor. Se o mercado colocar o dinheiro do marketing em fundos de investimento vai ter bons dividendos. Mas se investir em ideia o rendimento vai ser maior. É hora de sair da casinha. Está todo mundo igual. Temos de aprender em cima dos hábitos e comportamentos. Poucas marcas estão com discurso relevantes na TV. Mas continuo achando que há uma grande oportunidade para fazer diferente. Todo mundo sempre ficou falando que o modelo é ficar perto do cliente e usar dados. Só que poucos fizeram diferente. Era só discurso. Agora temos a grande a chance de imprimir um discurso relevante. As marcas têm a obrigação moral de inspirar as pessoas e mostrar que são importantes para elas.

Qual será o impacto?

A pandemia é uma lição muito grande e impactante para negócio, para a sua cultura e o comportamento das marcas. Os profissionais que abraçarem o novo vão ser bem-sucedidos. A atividade publicitária tem como prerrogativa o novo.

O PR é uma arma para a comunicação dos clientes? Ele aumenta o protagonismo nesse momento?

O PR está sendo protagonista na forma de como contar ideias. A melhor ideia capaz de gerar conversas é uma crença que continua forte. A AlmapBBDO dá muito valor a essa disciplina. Tanto que reestruturamos recentemente o PR da agência. Fomos impactados pelo momento, mas a ideia é estruturar mais o PR no storytelling das campanhas e de como pensar a maneira mais coerente para gerar mais conversas. A Chris Mello, da área de conteúdo, já está fazendo isso. A ideia agora é agregar a marca AlmapBBDO a esse triângulo que envolve mídia e marcas. A recém-chegada Sandra Azedo vai nos ajudar nessa direção: falar do que se viu e ter argumentos para o que está sendo falado. O ponto de vista da publicidade é criatividade e ação.

É o oposto do comportamento da criação?

Sim. Os criativos sempre foram mais fechados em relação ao mundo exterior porque achavam que era prejudicial à ideia. Agora não dá mais para ser assim. O PR traz uma nova visão sobre como uma ideia pode brilhar mais. É o mundo PRable.

Como tem motivado a equipe?

Não tem mais ego. Tem de colocar a mão. Com humildade. Há uma nova forma de trabalhar, mas gosto de estar presente, olho no olho, que é mais fácil de demonstrar admiração. No modelo mais vertical temos de diminuir o nível de interlocução, senão entrava o trabalho. Ainda bem que temos gente talentosa em todas as áreas, o que ajuda na inspiração da equipe. Converso muito com as lideranças pelo Zoom, WhatsApp e telefone. Mas tenho uma ligação especial com a criação. Há alguns dias fizemos uma reunião virtual com mais de 50 pessoas do departamento para conversar. Nada de trabalho. O Bon Jovi escreveu a frase Do what you can. Cada um faz o que pode. A ideia é inspirar pessoas.

Como tem atuado com a Volkswagen, que está com suas revendedoras fechadas, mas com atuação colaborativa diante da Covid-19?

É um cliente de mais de 60 anos na agência. Já atuo com a Volkswagen há 20 anos. É uma marca engajada. Está fazendo a sua parte. Outro dia em uma conversa com Johan Karison, CMO global da empresa, expliquei que é preciso manter a promessa de marca que é conectar pessoas; transportar pessoas. Outro dia fiz uma visita a uma pessoa enferma que não pode sair de casa. Fomos de carro. De Volkswagen. Falamos da janela do carro. Foi ótimo.