Campanha do Magalu, criada pela Ogilvy, anuncia a cada dia ofertas exclusivas (Divulgação)

A Black Friday acontece no próximo dia 27 de novembro, mas o Brasil parece estar às vésperas do evento desde março, quando a quarentena foi decretada devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), instaurando a euforia das compras pela internet. Com as portas fechadas, o varejo físico viu o seu faturamento migrar para o e-commerce.

Quem não tinha presença no ambiente digital foi obrigado a pensar em uma estratégia a toque de caixa para tentar sobreviver. E quem já tinha, precisou se adaptar às novas necessidades dos consumidores, que passaram a buscar produtos nunca antes adquiridos por meios eletrônicos. Apenas entre os dias 26 de agosto e 22 de setembro, o volume de buscas do Google superou a Black Friday de 2019 em 19 das 29 categorias verificadas. Móveis e decoração, TV, vídeo, telefonia e eletrodomésticos, alimentos e bebidas foram algumas delas. 

De acordo com a empresa global de medição e análise de dados Ebit Nielsen, 7,3 milhões de novos e-shoppers surgiram no primeiro semestre de 2020, um aumento de 38% em comparação ao mesmo período do ano anterior, somando 41 milhões de consumidores e vendas totais de R$ 38,8 bilhões, o maior número registrado pelo e-commerce brasileiro nos últimos 20 anos.

Os indicadores da consultoria apontam para um novo recorde. A Black Friday deve crescer 27% em 2020 no comércio eletrônico, empurrando o desempenho do ano para 38% ante o exercício anterior. O setor faturou R$ 61,9 bilhões em 2019, uma alta de 16,3%, enquanto a Black Friday somou vendas de R$ 3,2 bilhões, um aumento de 23,6% no mesmo ano.

Dados para comprovar a supremacia do terreno digital não faltam. Com mais de 13 mil pessoas e 14 mil varejistas ouvidos em todo o mundo, um estudo da empresa de tecnologia Criteo mostra que 80% dos brasileiros ouvidos pretendem continuar adquirindo presentes pela internet e 67% manterão pelo menos uma forma de compra online experimentada durante a pandemia. Cerca de 53% dos participantes passaram a preparar as suas refeições em casa, o que explica o impulso de 200% nas compras de itens de cozinha.

José Melchert, head de negócios para o varejo do Google Brasil (Divulgação)

Já as vendas de eletrônicos, como TVs, aumentaram quase 500%, seguidos por smartphones (248%), itens de decoração (140%) e roupas mais confortáveis e para a prática de exercícios físicas, que quase quadruplicaram. Essas categorias devem ter índices expressivos de vendas durante a Black Friday, repetindo a performance instalada por novos hábitos adotados durante o surto da Covid-19. Na busca por tendências capazes de guia o varejo, o Google lembra que o preço ainda é um fator preponderante, seguido por condições de pagamento e frete grátis.

A bigtech avisa que 62% dos brasileiros começaram a pesquisar ofertas da Black Friday com mais de um mês de antecedência, segundo estudo com 1,5 mil pessoas feito em parceria com a Provokers entre os dias 14 e 21 de setembro de 2020. O percentual de consumidores que planejam comprar exclusivamente pela internet é de 40%.

Já as lojas físicas mantêm o patamar de 26% de participação. “Será menos sobre comprar o que está com desconto e mais sobre fazer bons negócios. Para as marcas, a data não é um momento apenas para queima de estoque, mas uma oportunidade de lançar produtos, serviços e conquistar clientes”, analisa José Melchert, head de negócios para o varejo do Google Brasil.

Contraste

O recorte digital contrasta com o avanço consolidado do comércio varejista, considerando operações físicas e online. A FecomercioSP estima que o evento registre uma alta bem mais tímida, de até 3% nas vendas totais, com destaque para supermercados e materiais de construção. Ainda assim, contribuirá para que o tombo do setor seja de 3% em 2020, amenizando as perdas inicialmente calculadas.

Claudio Felisoni, coordenador do Provar, programa de Varejo da FIA (Divulgação)

“O primeiro semestre foi muito ruim, até que o auxílio emergencial chegou, garantindo um efeito positivo na Black Friday”, esclarece Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP. Apesar do otimismo com a recuperação da renda do brasileiro, Yan Di, country manager do site de compras AliExpress, prevê uma queda mais acentuada, que pode variar entre 5,4% e 10,5%. Segundo o executivo, o varejo físico ainda responde por 94% das vendas nacionais.

Há 11 anos no Brasil, o site pertencente ao grupo chinês Alibaba realiza o festival de compras 11.11 que, em apenas um dia somou vendas de US$ 39,4 bilhões na China.  Yan Di garante que o evento não quer bater de frente com a Black Friday e sim unir forças capazes de aumentar a representatividade do e-commerce nos resultados do varejo brasileiro. “Não há competição”, assegura.

Na esteira da retomada econômica, os varejistas devem combinar estratégias que “garantam na internet experiências tão positivas quanto nas lojas físicas”, acrescenta o economista da FecomercioSP. Priorizar a opinião do consumidor é uma das táticas sugeridas por Alfredo Soares, co-fundador e mentor do programa de desenvolvimento Gestão 4.0, para transformar a Black Friday em uma arma de persuasão e geração de resultados. “O atendimento personalizado, antes só encontrado no offline, já é possível na experiência de compra via e-commerce”, frisa o autor de “Bora Vender” e “Bora Varejo”.

Campanha da Casas Bahia, desenvolvida pela VMLY&R, divulga o hit “Ela tá podendo”, com Maiara e Maraísa, Mumuzinho e MC Kekel (Divulgação)

Em ano de pandemia, as marcas perseguem essa estratégia com uma intensidade ainda maior. “Não separamos a loja física da online. Humanizamos o nosso e-commerce e digitalizamos nossas lojas físicas. A Black Friday, que tradicionalmente já era um evento com força no digital, este ano promete vir mais forte do que nunca”, estima Abel Ornelas, COO da Via Varejo.

Segurança, novos canais diretos – como o “Vendedor Online”, o “Me Chama no Zap”, da Casas Bahia, e o “Vai no Contatinho”, do Ponto Frio -, além de mais tempo para que aproveitar as ofertas sem aglomerações são as apostas deste ano. Com a “A Black do Brasil”, lançada no dia 23 de outubro, a companhia somará 40 dias de descontos e quer superar as vendas de R$ 1 bilhão obtidas em apenas um dia do evento em 2019. “Melhoramos sites, aplicativos e lançamos o banQi, que permite a digitalização do carnê. Saímos de 1,5 milhão em junho de 2019 para 15 milhões em junho deste ano”, conta Ornelas.

Ilca Sierra, diretora de marketing da Via Varejo (Divulgação)

Em parceria com a Kondzilla, a campanha da VMLY&R para as Casas Bahia divulga o hit “Ela tá podendo”, estrelado pela dupla sertaneja Maiara e Maraísa, pelo sambista Mumuzinho e pelo cantor de funk MC Kekel. “Juntamos os três ritmos que representam 80% do consumo de música do Brasil”, enfatiza Ilca Sierra, diretora de marketing da Via Varejo.

A ação ainda tem peças para os canais digitais em parceria com influenciadores. Já o Ponto Frio repete a presença dos “Pinguins de Madagascar”. “Temos que ter canais e mensagens adequadas, além de trazer conveniência”, ressalta Cristian Santoro, diretor-executivo de criação da VMLY&R, agência da Via Varejo. 

Cristian Santoro, diretor-executivo de criação da VMLY&R: “Precisamos de mensagens adequadas” (Divulgação)

Posso ajudar?

As compras diretas em aplicativos começam a chamar cada vez mais a atenção dos brasileiros. Os dados da Criteo mostram um aumento de 3% nas conversões em comparação ao período que antecedeu o distanciamento social. “As ferramentas digitais para lojas físicas praticamente se tornaram um novo canal  dentro do nosso ecossistema de vendas”, confirma Ana Paula Rodrigues, diretora de marketing do Magazine Luiza, hoje com 230 lojas em todo o Brasil.

Compras por aplicativos chamam cada vez mais a atenção dos brasileiros (Divulgação)

Segundo a executiva, o portfólio de canais foi ampliado para que o consumidor possa comprar como, quando, onde e da maneira que quiser. A varejista, que passou a habilitar os celulares dos seus vendedores para venda remota, não quer represar a venda em apenas um canal físico e sim diluir o fluxo para proteger os consumidores em ano de pandemia. 

Durante o mês de novembro, a ”Black das Blacks Magalu” vai anunciar a cada dia ofertas exclusivas, que não voltarão com preços mais baratos. Chamada “agora ou nunca”, a estratégia “respeita o consumidor promovendo uma antecipação verdadeira”, defende Ana Paula.

Ana Paula Rodrigues, diretora de marketing do Magazine Luiza (Divulgação)

Dona da conta de comunicação da empresa fundada por Luiza Trajano em 1957, a Ogilvy Brasil concorda que “este será o ano do protagonismo da mídia digital na Black Friday”, ratifica Vanessa Giannotti, head de mídia da agência. “Muitas pessoas adiaram suas compras por conta da pandemia. Definitivamente, há um consumo represado”, complementa. A campanha de comunicação do Magazine Luiza tem cobertura massiva na TV, canais offline e comunicação dirigida, além de ações com a influenciadora Lú, que tem mais de 20 milhões de seguidores.

A análise de Vanessa é endossada por Claudio Felisoni, coordenador do Provar, programa de Varejo da FIA. “A pandemia mudou radicalmente o cenário operacional do varejo no mundo inteiro, especialmente no Brasil, onde o e-commerce já vinha crescendo mais até mesmo do que as lojas físicas. Não há volta”, avalia o professor.  

Vanessa Giannotti, head de mídia da Ogilvy Brasil (Divulgação)

Eletroeletrônicos passam a dividir neste ano a atenção dos shoppers com filmes, músicas e até serviços financeiros. “Mesmo com a crise, esta edição deve ter um crescimento recorde novamente”, acredita Ricardo Bove, diretor-geral da empresa franco-brasileira de marketing digital Leadmedia Group, que engloba o Busca Descontos, responsável por trazer a Black Friday ao Brasil em 2011.

De um faturamento inicial de R$ 100 milhões, o evento, que nasceu no ambiente digital, se consolida como um dos momentos mais esperados do calendário de ofertas nacional, funcionando como um termômetro para a principal data do comércio, o Natal. O  movimento de antecipação das compras de fim de ano durante a Black Friday deve ser ainda mais intenso em 2020, consagrando a mudança de comportamento das pessoas como uma das principais lições deixadas pela pandemia.

Será que vai chegar?

Mais de 45 mil pessoas foram atingidas por 1,6 mil golpes e perfis falsos durante a Black Friday de 2019, de acordo com a empresa de segurança digital PSafe. O problema não é novo e pode avançar na mesma proporção em que o e-commerce cresceu no Brasil durante a pandemia, sem contar os imbróglios ligados à entrega e frete.

Automação e visibilidade são os principais fatores elencados por Stefan Rehm, CEO da plataforma de gestão de fretes Intelipost, para melhorar a logística das operações. “Monitoramento e rastreamento em tempo real são essenciais para gerar confiança”, alerta Rehm.

Stefan Rehm, CEO da plataforma de gestão de fretes Intelipost (Divulgação)

Mas o trabalho precisa ser feito com segurança devido ao elevado índice de roubos. “A tecnologia é a melhor aliada para equalizar uma experiência que alivie a tensão das entregas e garanta proteção”, adverte o co-fundador da Intelipost, que realiza 19 milhões de entregas ao mês. As inovações estão ligadas à utilização de inteligência artificial para prever as rotas mais perigosas, especialmente na última fase da entrega.

“Atuamos com uma malha própria, que representa 79% das entregas totais do nosso e-commerce no Brasil e entregamos mais de 40% dos pedidos em até 24 horas”, destaca Ana Paula Rodrigues, do Magazine Luiza. Os esforços são conduzidos pela LogBee, startup de inteligência logística da empresa. Em outubro, a varejista anunciou a aquisição da GFL Logística, reforçando a entrega “last mile”. Outra aliada é a SincLog, que auxilia na gestão em tempo real.  

A Via Varejo também fortaleceu a sua rede logística, reduzindo o tempo de entrega dos produtos adquiridos por meio dos aplicativos e sites das marcas Casas Bahia, Ponto Frio e Extra.com. Criou ainda mini hubs dentro das lojas para expandir o alcance logístico e reduzir os custos de frete.