No melhor espírito jornalístico, reproduzo a seguir o teor das gravações que foram feitas na sala de uma dupla de criação, que me chegaram anonimamente. Os nomes foram omitidos.

– Orra, meu! Onze horas!
– Ontem foi foda… O L já teve aqui?
– Logo cedo.
– Perguntou por mim?
– Só deu um pinote com a cabeça, olhando pra tua cadeira.
– Você falou o quê?
– Nada, só levantei o polegar e ele saiu. Deve ter pensado que você tava cagando?
– E tava mesmo, a manhã inteira.
– Quem já veio aqui três vezes foi a Y, perguntando pela campanha.
– Saco. Trouxe pelo menos a informação que a gente pediu?
– Nada, disse que a menina do mar- keting ficou de ver.
– Caralho! É só responder se o suco é 100% natural ou não.
– Oi, meninos, boas notícias.
– ….
– ….
– Que caras são essas?
– Você conseguiu a informação que a gente pediu sobre o suco?
– Consegui coisa melhor. A H, que é a assistente de marketing, deu uma puta ideia. A gente fazer um call com o gerente químico e o jurídico para tirar todas as dúvidas. Pode ser ao meio-dia?

– Não, Y, nãããão! Pra que call? A gente só quer saber se o suco é 100% natural ou não. Alguém pode responder isso naquela porra?
– Qual é?! Eu querendo ajudar e vocês falam assim?!
– Ajudar em quê? A perder tempo em reunião? Não tem ninguém lá que possa dizer sim ou não?
– Se tivesse já tinha falado. Eu já disse que é uma fórmula nova, eles estão cheios de cuidados com as informações.
– Sim, mas a gente tem de criar uma campanha para vender essa porra.
– Bom, vocês resolvam aí. Tenho de apresentar a campanha amanhã às 9.
– Não tem como arrumar uma embalagem, pelo menos?
– Falei com a H de novo. Ela disse que a embalagem é filha única e tá na mesa do presidente. Nem ela viu. Meninos, preciso voltar pra minha mesa que tô cheia de coisa me esperando.
– Foda. Ter de criar uma campanha sem ver a embalagem e sem saber se o suco é 100% natural ou não.
– Ah, vocês são tão criativos. Pensem uma campanha genérica, sabe, tipo molecada com fone de ouvido dançando, pedalando, casalzinho se beijando, sei lá, uma coisa pra cima, bem jovem…
– Tá bom, Y, tá bom, vai pra tua mesa.
– Cara, por que eu não aceitei aquela proposta da M?
– Foda. Tava pensando uma coisa aqui.
– Quê?
– Essa merda que a Y falou. Pode dar liga.
– Como assim?
– Imagina um comercial bem padrão, como ela falou, molecada de fone de ouvido dançando, essas merdas… Aí entra a locução: “Sabe por que esse comercial é igual a um monte de outros comerciais de suco que você já viu? Porque o pessoal do marketing do suco P não deixou a criação da agência fazer um comercial melhor. É por isso que agora você tá vendo um comercial igual a todos os outros e achando que o suco P é igual a todos os outros sucos também. Só que P é muito, mas muito diferente de qualquer outro suco que você já bebeu. Palavra da criação”.
– Do caralho! Podia assinar assim: “Suco P. Ainda bem que não foi o marketing que fez”.
– Ah, ah, ah, ah… Do caralho!
– Liga pra Y aí.
– Digam, meninos.
– Y, parabéns.
– O que foi?
– Você já entrou numa ficha técnica como criativa antes?
– Eu não.
– Então, acabou de entrar.
– Jura? Oba!

O remetente anônimo fala que ainda tem muitas horas gravadas para me enviar. Vamos aguardar. Mas parece que deu merda.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)