A campanha “Epic Split”, em que o astro Jean-Claude Van Damme abre um espacate apoiado no espelho retrovisor de dois caminhões dando ré paralelamente, ganhou 20 prêmios no Festival de Cannes

Tradicionalmente, o mercado de transporte pesado é movimentado por meio de negociações B2B com um público restrito e racional, o que faz com que a comunicação neste nicho seja primordialmente objetiva e levando em conta as vantagens técnicas de um produto ou serviço. Mas este paradigma já é passado para a Volvo. A divisão de caminhões da multinacional sueca adotou um posicionamento fora da curva do mercado – e já colhe frutos por isso. A campanha “Epic Split”, em que o astro de Hollywood Jean-Claude Van Damme abre um espacate apoiado no espelho retrovisor de dois caminhões dando ré paralelamente, ganhou 20 prêmios no Festival de Cannes (incluindo GPs em Cyber e Film) e é, até o momento, a joia da coroa da estratégia de comunicação da companhia, traçada para adicionar “inovação” aos drivers fundamentais de percepção de marca, junto com os já presentes “segurança” e “confiabilidade”, até 2020.

Na última semana, o vice-presidente de marketing e comunicações da Volvo Trucks, Lars Terling, esteve no Brasil junto com dois profissionais da Forsman & Bodenfors, agência que atualmente mantém a conta da marca e é responsável pelo filme com Van Damme: o sócio-diretor Olle Victorin e o planner Tobias Nordström. Eles vieram a convite da agência brasileira Master Roma Waiteman para palestrar no Grupo de Atendimento do Paraná e na ESPM São Paulo, a respeito dos bastidores da campanha multipremiada em Cannes. Junto com Daniel Homem de Mello, diretor de marketing da Volvo Brasil, eles abriram ao propmark insights e detalhes de sua estratégia de longo prazo; as particularidades no trabalho conjunto; o impacto no setor; o mercado brasileiro e a nova obsessão por inovação.

A necessidade de inovar foi uma percepção de Terling para acompanhar a evolução do produto da Volvo, que lançava um modelo de caminhão completamente novo em 2011. “Estávamos na época começando a planejar este lançamento, e pensamos que se fossemos do jeito tradicional, com os esforços ordinários de marketing e comunicação, acabaríamos não fazendo o suficiente para divulgar tanta inovação no produto. Então, tínhamos que ir de um jeito ousado e fomos encorajados a fazer isso”, afirma o vice-presidente. “Tínhamos que ser tão inovadores quanto estes caminhões. Então, pensamos em uma estratégia de comunicação de longo prazo, até 2020. Os objetivos eram colocar a inovação como um dos drivers da marca e se adaptar a novos modelos de mídia.”

O executivo diz que a Volvo Trucks mensura oito atributos de marca, e precisa liderar em todos eles. Além de segurança e confiabilidade, “herança sueca” desde o início da companhia, agora também são listados “inovação” e “modernidade”, e há um movimento interno e externo por meio do marketing e da comunicação para impulsionar estes sentimentos. A integração também foi uma consideração importante no processo. “Nas campanhas o nosso approach é muito integrado, preparamos um planeamento detalhado sobre como ir em cada canal e engajar o maior número de pessoas, estamos otimizando o impacto e o resultado não seria o mesmo sem essa aproximação integrada. É o suporte da nossa comunicação estratégica”, ressalta.

Com isso, a Volvo Trucks buscou a Forsman & Bodenfors, que já era detentora da conta da divisão de carros. A agência negou duas vezes o chamado antes de finalmente se encantar com proposta diferente da tradição do setor. “No início, pensamos que eles queriam sua comunicação seguindo o padrão do mercado de caminhões, que é técnico e tedioso, então não demos atenção. Não havíamos operado nesse nível de B2B (business to business), mas a Volvo não queria trabalhar como antes, o que foi fundamental para aceitarmos essa parceria”, conta Olle Victorin. “Logo nas primeiras reuniões, escrevemos ‘not just another truck, not just another launch’ (não é só um caminhão, não é só um lançamento) na parede, e seguimos com essa premissa de que se fizéssemos algo comum, teríamos um enorme fracasso.”

O caminho da Volvo até o comercial com Jean-Claude Van Damme passou por outras campanhas já fora da linha criativa adotada no mercado, caso do filme “Hamsters”, em que um roedor é literalmente o responsável por fazer um caminhão percorrer as curvas em um penhasco. A ideia de chamar o ator de filmes de ação passou por um estudo entre caminhoneiros e influenciadores, mas mesmo os criadores ficaram surpresos com a aceitação do público. A forma de trabalho da agência e anunciante tem particularidades, como as “portas abertas” e a interação diária, além da ausência de diretores de criação – as decisões são tomadas pelo time inteiro contando com a interação do cliente. “Há ideias que não temos certeza se são nossas ou da Volvo”, afirma Tobias Nordström. “Ficamos juntos não apenas com o marketing, mas até com os engenheiros e desenvolvedores. Não saímos e voltamos três meses depois com um filme, fizemos tudo a muitas mãos.”

Avaliando os resultados da campanha, pode-se afirmar que ela foi de suma importância para a evolução tanto em termos de negócio – a Volvo Trucks ganhou 1,4 ponto percentual e chegou a 17,4% de market share na Europa, onde o mercado de caminhões já é maduro e consolidado – quanto para a intenção de compra, que chegou a 46%, e mesmo a saúde e visibilidade da marca, com cerca de 76 milhões de visualizações na versão oficial do vídeo no YouTube, que completou um ano de exibição no dia 13 de novembro.

Mais do que isso, os executivos afirmam que “Epic Split” representou um marco histórico na comunicação segmentada. Como já explicado, o marketing B2B tradicionalmente é movido por uma divulgação racional e estritamente concentrada nos benefícios objetivos e já percebidos dos produtos ou serviços, mas o sucesso da campanha passou a questionar tais guidelines. “Apesar de ser mais racional, o mercado B2B tem alguns níveis e categorias de escolhas tomadas friamente e outros em que a emoção é envolvida. Além disso, existem muitas decisões que são influenciadas por terceiros ou grupos de pessoas”, explica Terling. “No final, há sempre um ser humano tomando a decisão.” Mesmo a forma de comunicar para o mercado corporativo já passa por revisões. “Não é mais tão difícil comunicar para B2B. Hoje, inclusive, a nossa intuição diz que talvez seja até mais fácil quebrar paradigmas neste nicho do que em bens de consumo, por exemplo, que já possuem grandes departamentos de marketing e verba de mídia”, diz Nordström.

Brasil

O mercado brasileiro é estratégico para a Volvo Trucks, tanto economicamente quanto para a força de marca. A América Latina representa de 20% a 25% do faturamento global da companhia sueca, boa parte puxado pelo Brasil. A relevância é tanta que existe um modelo que é vendido exclusivamente para esta região, adaptado de acordo com as necessidades particulares do local.

Mas os brasileiros possuem um papel fundamental, especialmente no branding da Volvo Trucks. “O engajamento no Brasil é enorme. Quando tínhamos 100 milhões de visualizações globais no nosso filme, o terceiro maior país que mais visualizou foi o Brasil. Hoje, se temos mundialmente 500 mil fãs engajados em nossas redes sociais, temos outros 500 mil brasileiros. O país é muito importante nas novas mídias, é muito importante estar aqui. Por esse trabalho e retorno fantástico, fazemos os lançamentos globalmente em tempo real, o engajamento começa conosco”, diz Daniel Homem de Mello.