A vitória de Joe Biden deixou lições profundas. Não só no aspecto político, mas também para a área de comunicação.

Vivemos a era da “pós-verdade”, em que desinformação e fake news podem se difundir rápido e às vezes são absorvidas pela população como verdade. Disseminar notícia falsa é coisa antiga, claro, mas o alcance, a velocidade e a escala com que se faz isso hoje são fenômenos contemporâneos.

O termo “pós-verdade”, usado pela primeira vez em 1992 (pelo cineasta Steve Tisch), ilustra uma espécie de tendência social a minimizar a veracidade dos fatos em favor da nossa “verdade” particular. Na trilha ensinada por Goebbels, o ministro da Propaganda nazista: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.

Em última análise, trata-se de dispensar a ciência, a apuração jornalística, as melhores técnicas e o saber acadêmico para dar curso a narrativas que enquadram a realidade numa perspectiva ideológica, eleitoral ou pessoal própria. 

O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis é enfático ao afirmar que o cérebro humano tem mais predisposição a aceitar as notícias falsas do que as verdadeiras. Acreditamos em qualquer absurdo quando ele ajuda a confirmar nossas teses. Esse mecanismo mental ajuda a entender a dificuldade de certas pessoas para compreender a pandemia de covid-19, suas causas e as formas tecnicamente adequadas para enfrentá-la.

Porque antes já tínhamos sido infectados por outro agente pernicioso, que o professor Nicolelis chama de “vírus informacional”. Ele ativa programas neurais primitivos e desperta comportamentos violentos, preconceituosos e racistas.

A percepção de Nicolelis é corroborada por um estudo recente do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Os pesquisadores selecionaram “notícias” cuja falsidade foi demonstrada por seis sites de checagem e as compararam a notícias verdadeiras, com veracidade atestada pelos mesmos sites. O resultado é que as fake news mais populares chegaram a atingir 100 mil pessoas enquanto as notícias verdadeiras foram difundidas em média para cerca de mil.


Curioso é verificar como nas recentes eleições norte-americanas a questão ganhou contornos diferentes.

Donald Trump, lembremos, fala para mais de 20 milhões de seguidores. Nenhum grupo de comunicação dos EUA tem igual capilaridade nas mídias sociais. Mas, ao se declarar vencedor das eleições quando a apuração ainda estava em andamento e indicava vantagem para Biden, Trump provavelmente não contava com o que ocorreu depois: o Twitter colocou um alerta em sua mensagem, dizendo que ela poderia conter informações incorretas ou contestáveis.

Biden foi eleito com a ajuda de uma velha forma de comunicação, que muitos tomam como obsoleta – o voto pelo correio. No mundo digital, o papel venceu a pedra e a tesoura que povoam as redes digitais.

Sob o aspecto do discurso, o tom impositivo, raivoso e agressivo (de Trump) foi superado pela narrativa empática, próxima e conciliadora (de Biden). Além de capitalizar os erros cometidos pelo atual presidente norte-americano na gestão da pandemia, o candidato democrata comprometeu-se com os direitos dos negros e de outras minorias, algo decisivo num país cujo histórico racista está fortemente colocado à prova.

Em relação a 2016 avançou a capacidade da sociedade norte-americana para processar e analisar fatos. A curadoria de informações e a ciência de dados tiveram influência tanto na ação da mídia norte-americana quanto na capacidade dos eleitores para assimilar os conteúdos noticiosos.

Esse binômio curadoria/análise de dados chegou para ficar, e não só nos Estados Unidos. No presente ecossistema comunicacional, a análise contínua de dados deu forma a um novo léxico visual. Infográficos coloridos, dinâmicos e pulsantes, enriqueceram a cobertura jornalística e facilitaram a compreensão de questões complexas, como as regras que regulam o processo eleitoral nos EUA.

Esse novo universo sistêmico também se fez notar no Brasil. Os prefeitos que mantiveram uma comunicação clara e transparente, inclusive na gestão da pandemia, em geral se reelegeram. Reelegeram-se prefeitos do DEM, do PSD, do PSDB, do PT, do MDB… Não se trata de ideologia. Trata-se de uso eficaz comunicação, em geral por gestores bem avaliados pelos eleitores. Tenhamos em mente, no entanto, que um bom gestor que se comunica mal está condenado ao fracasso, embora o contrário não seja verdadeiro.

A comunicação de Biden (multimídia, multicanal e onipresente) soube responder às necessidades de comunicação quase à perfeição, inclusive no meio digital, gerando empatia e engajamento. E os conceitos que a campanha dele abraçou e testou valem, com as devidas adaptações, para qualquer político ou gestor (público ou privado).

Foi-se o tempo em que o marketing eleitoral enganoso, mas competente, ditava as regras do jogo. Cada vez mais, as pessoas querem ver os candidatos – e os gestores, em geral – sem filtros. Querem a verdade. E transmitem uma mensagem ao mesmo tempo dolorosa e catártica: vidas importam! Que tal ouvi-las?

Patrícia Marins é jornalista, sócia-diretora da In Press Oficina e especialista em gestão de crise