Na canção magistralmente imortalizada por Dinah Washington, a diferença que faz um único dia – “twenty-four little hours…”. Na canção de Lulu Santos e Nelson Motta, “um segundo…”. Montadoras de automóveis e seus revendedores eram amigos fraternos e inseparáveis. E assim caminharam na vida e nos negócios durante décadas. Montadoras fabricando e vendendo através de seus queridos e leais revendedores. Mas, e como nada é para sempre, os ventos da mudança obrigam reconsiderações. E assim, anos atrás, surgiram as primeiras locadoras de automóveis, que só podiam comprar seus carros em revendedoras. As montadoras recusavam-se a recebê-las. Mais adiante, cresceram e, diante do volume, para não furar as revendedoras, as locadoras converteram-se, também, em revendedoras, e assim passaram a ter direito aos mesmos descontos das revendedoras. E, pelo volume comprado, descontos adicionais…

Seguiu a vida, as locadoras foram ganhando importância até mergulharmos na crise estrutural, na disrupção dos modelos, e as pessoas caminhando cada vez mais para usar, em vez de ter. Alugar e não mais comprar. A importância das locadoras cresceu, e ainda com a vantagem de que não pagam o ICMS, mais todos os descontos substanciais que passaram a receber pelo volume das compras. Conclusão, no fim do ano passado, 49% de todas as vendas da indústria automobilística brasileira concentraram-se nas locadoras. A bem da verdade, em apenas 3, mais de 80% de todas essas vendas. E aí, e com essa vantagem e por decorrência, as locadoras converteram-se nas maiores revendedoras de carros usados do país. Conclusão, as três viraram as donas do negócio de automóveis no Brasil! Até o Carnaval deste ano, as locadoras estavam matando as revendedoras. E passaram a mandar no jogo. E aí as revendedoras se mobilizaram e tramitava um projeto de lei na Câmara dos Deputados regulando as compras das locadoras direto nas montadoras. De número 3.844, de autoria do deputado Mario Henrique, do PDT-MG, estabelecendo que as locadoras só podem vender seus automóveis 24 meses depois da compra. Quando, de repente, não mais que de repente, Covid-19! Mas, e antes, um registro. De como o comportamento dos proprietários de automóveis vem mudando, e redirecionando a cadeia de valor. Lá atrás, virada do milênio, menos de 10% das vendas das montadoras eram as chamadas vendas diretas. A participação das locadoras inexpressiva. Em 2014, as vendas diretas saltaram para 28%; 33%, em 2016; 39%, em 2017; 42%, em 2018; e no mês de setembro de 2019, 49%! Em síntese, a indústria caminhava para fechar a década vendendo de forma indireta apenas metade de sua produção. A outra metade, para as locadoras… Três… Meses atrás, tão importante para essas três maiores locadoras quanto a locação, era o negócio de venda de usados. Localiza, Movida e Unidas, no segundo trimestre de 2019, por exemplo, tinham, respectivamente, 58%, 65% e 55% de suas receitas decorrentes da venda de usados. E aí veio a Covid-19. Apaga tudo.

“Tudo o que se viu não foi”, ou “what a difference a day made”. Em menos de 90 dias a situação das locadoras, prósperas e vitoriosas até ontem, é de causar pena. Mergulham em direção ao caos e a miséria! Mais de 80% dos motoristas de Uber e assemelhados devolveram seus carros. Neste momento, as três locadoras passam o tempo todo tentando convencê-los a continuar com os carros. Não é que ficaram “boazinhas”. Apenas não têm o que fazer e muito menos onde guardar os mais de 200 mil carros devolvidos. O valor da locação, que meses atrás era de uma diária entre R$ 80 a R$ 200, hoje é… Menos de R$ 50… E com um, dois, ou três dias da semana de bonificação… Qual a solução? Não Tem! Os chamados “Acts of God, ou Força Maior, quando acontecem, só reza. Lembram da música que a Doris Day – que por sinal não se encontra mais por aqui – cantava? “Que será, será / Whatever will be will be / The future´s not ours to see / Que será, será / What will be will be…”. What will be will bee…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)