Se alguém no mercado publicitário global ainda tinha dúvidas sobre a evolução do segmento de marketing de influência, a criação da categoria Social & Influencer no Cannes Lions deste ano parece ter consolidado a área. Mas, como o que se vê no maior festival de criatividade do mundo é o filé-mignon e não representa a média do que é feito no dia a dia da comunidade criativa global, ainda são muitos os desafios dessa disciplina mercadológica. Trazendo o recorte para o mercado brasileiro, o assunto influencer marketing voltou à tona com força nos últimos dias, após um tweet considerado racista de Julio Cocielo, que tem 7,4 milhões de seguidores no Twitter e outros 16,9 milhões em seu Canal Canalha, no YouTube. 

Ao comentar um jogo da Copa do Mundo, o youtuber afirmou que o atacante francês Mbappé poderia “fazer uns arrastão [sic] top na praia”. Como consequência, o público passou a cobrar um posicionamento das marcas que patrocinam ou de alguma forma mantiveram relações comerciais com o influenciador. A consequência foi o rompimento de contrato ou a perda do apoio de empresas como Coca-Cola, Embratur, Itaú e Submarino.

Apesar dos primeiros impactos em uma atividade que ainda está em processo de amadurecimento, a maior parte dos profissionais acredita que o caso serve como oportunidade importante para debater os principais desafios, tendências e oportunidades. “É essencial discutir as questões vitais dessa indústria e seguir em frente, deixando para trás os modelos e profissionais que não cabem em um mercado profissional”, opina Bia Granja, cofundadora e curadora do YouPIX, plataforma de eventos, educação, análise e informação de tendências digitais.

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Para Felipe Oliva, chief strategy officer da plataforma Squid, que trabalha com influenciadores, ter creators envolvidos em polêmicas como essa reforça a visão de que números não são tudo e há muito mais métricas que as marcas devem avaliar quando fazem um trabalho de marketing de influência de qualidade. “É preciso realmente olhar o histórico do influenciador, ver se ele tem um posicionamento que condiz com o que a marca acredita e não apenas considerar que eles têm milhões de seguidores – especialmente agora que está tão comum a compra de seguidores e de likes, só para dar volume”, afirma.

Maturidade
Ao analisar a opinião dos profissionais do mercado sobre o estágio do segmento no Brasil, o caso Cocielo parece sintomático. Afinal de contas, checar o histórico de conteúdo dos influenciadores é um passo básico antes de traçar a estratégia que vai guiar a relação entre a marca e esses personagens. Na situação do youtuber, com uma pesquisa simples na web o próprio público resgatou tweets antigos do influencer para mostrar que o comentário sobre Mbáppe não foi um caso isolado. “Não dá para patrocinar alguém que tenha um histórico ruim. É preciso fazer um background check. Ninguém escolheria o CEO da empresa com a mesma leviandade. É necessário entender que o influenciador é o porta-voz da sua empresa quando endossa a sua marca. A checagem diminui bastante o risco. Grande parte desse trabalho também deve ser responsabilidade do marketing da própria empresa”, explica Edney “InterNey” Souza, diretor acadêmico da Digital House Brasil.

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Em 2017, uma pesquisa realizada pelo YouPIX, junto a 50 empresas brasileiras, apontou que 76% delas têm como principal métrica de sucesso para as suas campanhas com influenciadores a dupla alcance e engajamento. Para Bia Granja, essas são métricas extremamente rasas e, em alguns casos, até vagas, considerando que cada plataforma as entende de uma forma. Em sua visão, elas não dizem pouco sobre como aquele trabalho ajudou a mover a empresa para a frente. Além disso, falar sobre maturidade exige ir para um próximo passo, que a profissional chama de creator marketing, onde as marcas entendem a diferença entre o influenciador e o creator, e passam a entregar valor na cadeia de produção e nas conversas que ocorrem em torno desses personagens. “Quando a marca só aparece em uma comunidade para emitir mensagens, mesmo que através do influenciador, o paradigma da comunicação intrusiva não se quebra. Não é sobre chegar em pessoas e influenciar, é sobre fazer parte e ser útil”, acredita.

Voz dissonante sobre o estágio do marketing de influência no país, o CEO da Airfluencers, Rodrigo Soriano, acha que o mercado brasileiro está bem maduro. “As pessoas estão girando a vanguarda do marketing de influência como disciplina mesmo, dentro das agências. Se compararmos com o mercado americano e inglês, o brasileiro está mais organizado, e a questão de celebridades e social media é uma cultura muito forte. Aqui é um terreno fértil para esse tipo de ação e precisamos desenvolver ainda mais”, defende.

Desafios
Entre os principais pontos de atenção para a evolução do mercado, os profissionais apontam principalmente a profissionalização, que deve ocorrer em todas as camadas e entre todos os players. Para acelerar esse processo é essencial o intercâmbio de ideias, mas contratantes, intermediários e creators ainda trocam pouquíssima informação entre si e não existe um ambiente propício a feedbacks e crescimento.

Conversando com o mercado, a conclusão é que agências podem se estruturar para atender a essa demanda internamente e entender que terceirizar e automatizar processos com influenciadores não são uma solução a longo prazo. Já os intermediários podem assumir um papel mais educativo e realizar um meio de campo que entrega mais do que só uma relação mercantil. Por fim, os creators precisam, de uma vez por todas, sair da fase adolescente da profissão e assumir que são empresas e precisam cuidar de todos os aspectos do seu negócio como tal.

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Outro desafio apontado é a relação de parceria entre marcas e influenciadores. Na opinião dos profissionais, cocriação precisa ser uma prática intermitente. Isso significa envolver influenciadores no planejamento, no processo criativo das ações e, consequentemente, estabelecer relacionamento de longo prazo e não apenas algo urgente, pontual.

Sobre o já mencionado desafio das métricas, ainda há uma grande incompreensão do mercado ao abordar o assunto antes mesmo de estabelecer uma estratégia ou se questionar em qual etapa da jornada do consumidor está a sua empresa, produto ou serviço: descoberta, consideração, decisão ou satisfação. “Na primeira fase do funil, por exemplo, que é a descoberta, é preciso pensar em gerar o máximo de visibilidade. Talvez aí faça mais sentido usar uma webcelebridade ou influenciadores mais populares. No estágio de consideração, o objetivo é fazer que o consumidor saiba como funciona o produto e de que maneira ele atende às expectativas. Geralmente um especialista dá esse recado, testa as novidades, faz review. Na última etapa, a da conversão, é mais comum usar microinfluenciadores”, explica Edney Souza.

Para Felipe Oliva, o principal risco é contratar um influenciador para uma campanha sem que ele tenha qualquer fit com a marca ou com a mensagem que ele quer passar. “A principal arma do marketing de influência é a autenticidade e quando o influenciador é contratado só porque tem uma porção de seguidores, isso fica muito claro para o público e o resultado é insatisfação e um sentimento de ‘fui enganado’”, finaliza.

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