Maribel Vidal é vice-presidente de planejamento da McCann Santiago e hoje preside também o Women Leadership Council (WLC) do McCann Worldgroup na América Latina, uma plataforma criada para avançar na agenda de diversidade e inclusão na região. Nesta entrevista, ela conta um pouco sobre a trajetória do conselho, que resultou em um plano estratégico regional, estruturado e sustentável. Entre as ações práticas está a meta de equiparação salarial entre homens e mulheres, além da criação de planos de mentoria para inspirar jovens profissionais.

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Falamos tanto do papel das mulheres e de tudo o que lhes concerne, mas qual é o papel dos homens em toda essa discussão sobre gênero?
Creio que a discussão ultrapassa a questão de gênero. Quando a ONU definiu os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), percebeu que o quinto, que aborda igualdade de gêneros (“Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”), talvez seja o mais importante de todos, aquele que é chave para todos os demais. Porque se este objetivo for cumprido, imediatamente vários outros serão revertidos mais rapidamente. Isso prova que, quando falamos de igualdade de gênero, não se trata de uma questão feminina. É uma questão de homens e mulheres. Tem a ver com equilíbrio. Homens e mulheres são importantes para o desenvolvimento de uma sociedade. Há complementaridade. O problema é que, historicamente, as coisas se desenvolveram de uma forma que associou certos atributos de poder a homens e não a mulheres, e vice-versa. A discussão passa por assegurarmos, como sociedade, que os direitos e oportunidades para seres humanos não dependam de se ter nascido homem ou mulher. Essa é a discussão.

E como você vê o fato de que muitos homens hoje se sentem confusos, não sabem exatamente como agir e o que se espera deles na sociedade?
Quando dizem que estão confusos, tensos, me parece apenas que precisam ir a um nível mais profundo de consciência a respeito do tema. De pensar em por que, afinal de contas, nascer homem ou mulher dá mais ou menos direitos e oportunidades de fazer coisas na vida. Acredito que os homens precisam entender que, quando se fala de igualdade de gênero, isso também representa coisas positivas para eles. Garanto que muitos homens gostariam de viver uma paternidade mais presente e responsável. Em muitos países eles têm, por exemplo, direito a licença paternidade nas empresas, mas não desfrutam porque têm medo do que dirão seus pares. Quando falamos de igualdade de gênero falamos de famílias, de homens mais participativos, que escolhem por exemplo trabalhar meio período. Há três afirmações que são limitadoras para os homens, que eles ouvem desde pequenos, que os acompanha. Uma é “eu posso”, outra é “eu sozinho” e a terceira é “sem chorar”. São afirmações que marcam o masculino. Assim como há outras coisas que marcam o feminino, como ter de decidir entre ser mãe ou ter uma carreira profissional de sucesso. Todos perdemos, na verdade. E entram aí todas as questões de gênero – de homossexuais, de transgêneros e assim por diante. Os olhares do masculino e do feminino são complementares. Há diversos indicadores de que, em equipes formadas por homens e mulheres de maneira equilibrada, os resultados são melhores. Há menos acidentes de trabalho, se retêm mais talentos, o produto final é melhor, os colaboradores são mais felizes, há mais inovação. Por quaisquer perspectivas, a complementaridade é boa.

E sob a perspectiva do poder, como você vê a discussão? Sobre homens estarem dispostos a abrir mão dele?
Creio que é uma outra discussão. O que é o poder? Porque o poder pode ser o homem ter um trabalho mais flexível, que lhe dê a possibilidade de passar mais tempo com os filhos, com a família. Este é outro poder. O poder de escolher. São outros referenciais de sucesso e de realização.

A nossa geração já não perdeu essa corrida?
Espero que não. Cada geração tem sua luta, seu desafio. Realizamos um estudo, chamado The truth about youth, que demonstra uma transformação planetária de consciência. Quando se compara pessoas acima de 35 anos e a geração entre 18 e 35 anos, percebemos nos millennials mais valores relacionados a direitos humanos, benefícios sociais, olhar para o coletivo, abertura para defender os direitos das minorias e erradicar problemas profundos da sociedade como a pobreza e a injustiça. Certamente é uma geração que terá pais mais comprometidos, por exemplo. Mas sinto que não precisaremos esperar tanto. As novas gerações, claro, fazem as mudanças avançarem, mas algumas delas precisam ocorrer agora, e dependem das pessoas que estão em posições de poder neste momento. Muitas dependem de mudanças de políticas públicas. No Chile, por exemplo, o custo de empregar mulheres é maior do que o de empregar homens, o saldo do pacote de encargos de saúde que vem com filhos, etc, é das mulheres. Para uma empresa, contratar uma mulher, independentemente do salário – se é maior ou menor do que dos homens – sai mais caro do que contratar um homem. Este é um tema de política pública, que depende que se tome a decisão de dividir a conta de filhos, igualmente entre homens e mulheres.

O que levou você a se envolver em questões femininas?
A motivação de buscar mais espaço para as mulheres vem há muito tempo. Mas creio que se acelerou há alguns anos, observando a pouca participação de mulheres em cargos de direção.

Você teve entraves na sua carreira por ser mulher?
Do ponto de vista pessoal não, e nunca senti que por ser mulher tenha deixado de ter oportunidades. Principalmente nos primeiros anos da minha vida profissional, nunca senti que gênero era uma desvantagem para mim. Mas pode ser porque a publicidade é naturalmente mais aberta. Em outras indústrias, é algo extraordinário que mulheres cheguem a cargos executivos. Sendo que não há razões objetivas para isso ocorrer. No caso do Chile e da América Latina em geral, há mais mulheres nas universidades, por exemplo. Mas na publicidade a questão se tornou emblemática, especialmente nos departamentos de criação. E isso é mundial. Dou aula em universidades e sempre percebi que as mulheres viam a área de criação como um destino mais natural para homens. E o curioso é que 80% dos produtos e campanhas que esses homens criam são destinados a mulheres. Há alguns anos decidi me unir a um grupo de mulheres para pensar este tema de maneira mais organizada, pois a indústria perde, efetivamente, 50% de talentos: por que ter acesso a apenas 50% dos melhores talentos, se é possível escolher entre 100%? Isso coincidiu com algumas conversas internas, dentro da McCann, a respeito do tema.

Assim surgiu a ideia do conselho de mulheres?
Há um ano e meio eu e um grupo de mulheres da agência propusemos a Fernando Fascioli (presidente da McCann Worldgroup América Latina & Caribe) que este fosse um dos temas tratados em um summit promovido pelo grupo, e assim criamos o Women Leadership Council para a América Latina. Somos nove mulheres de mercados diferentes e posições diferentes, entre elas duas CEO’s – uma na Argentina e outra no Panamá. Do Brasil está no grupo a Mônica Charoux, que coordena a comunicação corporativa a nível regional. Quando estávamos nos preparando para apresentar nosso projeto no summit, conversamos muito e passamos a conhecer mais profundamente nossas posições a respeito do tema. Sustentamos a nossa proposta em três pilares: talento, produto e reputação.

E como colocar em prática, para funcionar, este conselho?
De imediato, era preciso que tivéssemos a noção exata de como estamos tratando os nossos talentos. Quantas mulheres temos na criação etc. Fizemos então um primeiro estudo para descobrir, por exemplo, diferenças salariais entre homens e mulheres em posições iguais, a distribuição de gêneros por departamento, se nossa comunicação interna é inclusiva ou mais feminina ou masculina. Fizemos uma avaliação em todos os mercados da região para ver onde estávamos. Assim criamos um plano estratégico regional que cuida dos três pilares. Reputação, por exemplo, diz respeito a como compartilhamos o que aprendemos com a indústria – porque este tem de ser um tema da indústria como um todo – e levar nosso ponto de vista a palestras, e ajudar a provocar conversas a respeito do tema no mundo.

Algum aspecto chamou a atenção de vocês nesse estudo?
O que nos pareceu interessante foi a reação positiva que tivemos, quando começamos a conversar com os 2.500 colaboradores na região. A princípio estava com receio de que este fosse considerado um plano focado apenas em mulheres e limitado à alta direção, mas o fato é que homens e mulheres o perceberam como uma oportunidade de crescimento. Começamos a nos preocupar com temas como estereótipos, que surgiram com o projeto. Quando lançamos o conselho oficialmente, em 8 de março deste ano, a resposta foi impressionante.

E como conseguir resultados práticos, em cada mercado da América Latina?
Foram designados responsáveis locais, em cada praça. É importante que se diga que este é um projeto estratégico para a empresa. Não é algo que está sendo feito apenas este ano. É algo estrutural, e por isso passamos muitos meses fazendo o estudo em 14 mercados, desenvolvendo um plano, compartilhando com as lideranças do grupo, e em cada mercado este projeto terá o andamento de acordo com sua realidade. Na indústria da
publicidade, que se nutre do que ocorre na sociedade, como faremos um bom produto criativo se as equipes que estão pensando esse produto não refletem a diversidade e a complexidade dos públicos? É impensável. Se o nosso propósito é fazer diferença na vida das pessoas, temos de entendê-las para poder representá-las.

Que ações práticas esse plano já suscitou?
Inicialmente buscamos brechas salariais entre homens e mulheres e colocamos metas, com a aprovação do nosso presidente, para equiparar salários. Em algumas áreas percebemos haver, por exemplo, necessidade de dar mais e melhores feedbacks de performance para as pessoas, até para que o salário esteja de fato vinculado exclusivamente a reconhecimento, talento e esforço, não a outros critérios. Também estamos criando planos de mentoria, para que jovens mulheres possam se inspirar em outras profissionais em posições mais avançadas na carreira. Ao fazer isso, me dei conta do quanto teria sido bom ter tido a oportunidade de conversar com alguém como eu quando era bem mais jovem, e me torna mais consciente do meu papel de líder. No plano de produto, estamos buscando uma maneira de incorporar mais talentos femininos aos departamentos de criação, criando vagas de estágio exclusivamente femininas, por exemplo, pois sabemos que muitas jovens desistem da criação ainda na faculdade, acreditando que não terão chances. Assinamos uma aliança regional com a ONU Mulheres, cujos princípios nos comprometemos a levar adiante, e da qual seremos colaboradores em campanhas, por exemplo, e parceiros para acessar empresas. E elegemos uma pessoa, que veio da ONU Mulheres, a socióloga Luisana Montoya, para ocupar o cargo de Diversity Engagement Officer na América Latina. Ela terá linha direta com a Singleton Beato, que tem este mesmo cargo globalmente, há um ano, e veio da 4A’s. Temos várias metas, algumas de mais curto prazo – como criar condições para que as pessoas tenham um equilíbrio maior entre trabalho e família/vida pessoal.

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