Se você chegou aqui é porque se sentiu atraído pelo título desta reportagem, que, aparentemente, promete te dar uma lista preciosa do que fazer para não minar a sua criatividade. Sim, você vai encontrar boas respostas, mas não como o passo a passo de um manual de instruções. O conteúdo oferecido é o resultado de uma conversa com Thiago Gringon, coordenador da pós-graduação em Criatividade e Ambiente Complexo da ESPM, que mostra que a autossabotagem criativa está mais relacionada com aspectos psicológicos do que com técnicas infalíveis.
1. Medo do novo
“O que você faz que gera o medo que te leva a não ter atitudes criativas?”, cutuca Gringon. Segundo ele, cada pessoa é criativa à sua maneira, a partir de uma linguagem e de uma técnica própria. Mas quando vai para um ambiente diferente daquele a que está acostumada, é comum a pessoa sentir um certo medo. Isso é natural, já que, de maneira geral, ninguém gosta de sair do seu habitat, mas quando não se tem consciência de que o medo puxa o freio de mão, há grandes chances de ficar estacionado e embotar a criatividade.
Dá para driblar o medo?
Sim e o melhor caminho é aprender a transcender essa autolimitação. Quando precisa ir além do lugar que conhece, a pessoa se controla, se mantém no que reconhece e preserva as mesmas referências. Ela pode ter um repertório enorme e fazer um monte de coisas, mas não expande o conhecimento, o interesse e se sente segura dentro da caixa. Já o criativo sempre expande e busca conhecer várias coisas diferentes, deixando de lado a insegurança diante da novidade e do desafio.
2. Estagnação
Ir além da sua área de atuação ou de áreas correlacionadas é fundamental para amplificar o repertório, mas nem sempre isso acontece. “Sair desse lugar de segurança dá medo do desconhecido, de fazer feio e de pagar mico. Se eu sei tão bem fazer o que eu faço, porque vou fazer outra coisa?”, diz Gringon. Mas quem se propõe ao novo, arriscando entrar num ambiente teoricamente nada a ver com sua área, agrega um tanto de conhecimento e jogo de cintura à sua bagagem. É algo como ser jornalista, gostar de teatro e resolver estudar encenação, participar de peças e até se candidatar para o casting de comerciais de TV. No que isso vai contribuir? No mínimo tira da frente o medo de passar vergonha diante dos outros e impele a pessoa a se sentir mais segura.
3. Medo de ser julgado
“A função do TikTok é passar vergonha.” Com essa afirmação Thiago Gringon engata um raciocínio que vale a pena considerar. Quem se dispõe a fazer dancinha, usar filtro de gosto duvidoso e contar piada nessa rede social não está preocupado com o julgamento alheio. Essa atitude é muito saudável justamente porque o ser humano tem muito receio da imagem que as pessoas têm dele – e usar o TikTok é perder o controle sobre isso. “A gente tem medo de ser julgado porque julga os outros e não quer que as pessoas tenham uma percepção errada sobre quem somos”, afirma Gringon.
4. Preocupação com a imagem
De maneira geral as pessoas foram educadas para construir uma imagem e se sustentar nela criando “a sua marca”. Uma marca que leva a uma posição e, nesse lugar, é preciso ter controle do que se deseja passar para os outros. Só que essa imagem não é perene, explica Gringon. “O problema é você acreditar numa imagem lá de trás achando que é você hoje, tipo ‘eu sou Gabriela’” – aqui vale uma pausa para explicar que o professor se refere a uma música de Dorival Caymmi, que diz: “Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo sim, vou ser sempre assim, Gabriela”. E ao sustentar esse pensamento a pessoa, que no fundo não se conhece, vive uma imagem que não é ela. Afinal, o ser humano está em constante mudança, mesmo que não saiba disso.
5. Resistência
Incômodo ou contrariedade quando um colega, professor ou chefe aponta alguma inconsistência ou pede uma melhora em um trabalho que o executor achava impecável. A pessoa fica brava porque o chefe não segue o seu processo e insiste intimamente que o seu jeito de perceber o mundo é único e verdadeiro. Se apega à ideia de que o projeto está irretocável e reage espelhando o pensamento ‘você mexeu na minha criação, fiquei incomodado e digo que não é assim’. Como resultado, se coloca na defensiva, não quer ouvir o outro com clareza e vai perdendo o entusiasmo.
6. Não saber lidar com o não
O “não” nos faz ter consciência de que não somos tão especiais e nos lembra que não somos geniais o tempo todo. Isso pode provocar frustração em alguns, mas em outros a possibilidade da frustração ativa a atitude da determinação. “A chave para nutrir a determinação é a humildade. Posso ter ganhado um prêmio em Cannes mas o meu próximo projeto sempre começa do zero”, exemplifica Gringon, lembrando do discurso do ator Joaquim Phoenix quando ganhou o Oscar por O Coringa: “Eu não me sinto acima de qualquer um dos meu colegas nomeados e de ninguém nesta sala” — lembra que ele concorreu com feras como Leonardo Di Caprio e Jonathan Price?
Dica extra: Quem entende que nada é definitivo, pois a impermanência existe e qualquer coisa pode mudar de uma hora para a outra — 2020 jamais nos fará esquecer disso —, e que apesar de acreditarmos que do nosso jeito é melhor as coisas podem ser alteradas, dá um passo gigantesco para se aliar ao processo criativo. Porque desenvolve-se a capacidade de não levar tudo a ferro e fogo, de ser easy going e, principalmente, reconhecer que as falhas fazem parte do processo. Isso derruba o medo de perder o controle, de ser julgado e criticado, possibilitando “meter o louco”. Você tem que fazer algo que não domina totalmente? Peça uma orientação, pesquise, investigue e se jogue. Criatividade anda de mãos dadas com o risco.
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