Fui criada por uma alemã que viveu a Segunda Guerra Mundial, para quem a grande maioria dos itens de consumo deveria durar para sempre. Um mundo em que liquidificadores são consertados, geladeiras (re)pintadas, motores de carro “retificados”, sofás reestofados, cabos de panelas recolocados, roupas carregam histórias de parentes que já se foram, dando à pátina do tempo nas “coisas” contornos de uma rara e serena continuidade. A cor das paredes, os lustres no teto, objetos nas estantes permanecem, em estável suavidade. Livros e discos de vinil nunca tiveram sua validade ou posições questionadas.

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A vida (no Brasil) e o contato frequente com a terra do Tio Sam despertaram em mim, claro, um bichinho mais consumista, embora jamais tenha perdido a capacidade de enxergar qualquer forma de desperdício como algo visceralmente ruim. Mas o fato inescapável é que o mundo dessa mãe europeia renova seu sentido diante das questões que hoje ameaçam a integridade das nossas vidas nesse planeta. O consumo, em si, não é algo ruim: permite às pessoas ter uma vida mais confortável e feliz, com educação, saúde e bem-estar. Mas o consumismo é uma das grandes ameaças ao planeta: segundo o professor Jonathan Tomkin, da Universidade de Illinois, 100 norte-americanos consumistas fazem um estrago muito maior ao meio ambiente do que centenas de africanos que cultivam hábitos mais básicos de consumo, por exemplo. Em lugares onde a tecnologia evolui, naturalmente, e produtos mais duradouros ou menos prejudiciais ao meio ambiente entram no mercado, o impacto é reduzido.

Independentemente da indústria em que se está, não é mais possível não falar de consumo responsável: ou consumo sustentável. Que aos poucos passa a mover marcas como Patagonia e outras várias que encontrei no site BuyMeOnce, da ex-redatora Tara Button, que mora em Londres. Nele, estão à venda apenas produtos feitos para durar, como a linha de panelas Le Creuset, marca que Tara atendeu nos tempos de publicitária da agência crow e a fez repensar seus conceitos a respeito do consumo. Patagonia, Dr. Martens, LK Bennet, Timberland, Biobu Bamboo, Tweezerman, EcoTools, Sustainable Wooden, Craftsman Tools, Green Toys Recycled, Iron Heart, Darn Tough e The Vermont Woods Studio, entre muitas outras, figuram nas versões inglesa e americana do site.

Para escolher as marcas que entram no BuyMeOnce ela exige durabilidade comprovada (por consumidores, claro), garantia ilimitada, ser um clássico (que não “sairá de moda” rapidamente) e prefere que sejam feitos com métodos e materiais sustentáveis. A Patagonia, por exemplo, oferece garantia ilimitada e conserta de graça suas peças – para sempre. A Craftsman Tools dá garantia eterna para ferramentas simples e funcionais. A Le Creuset garante que seus produtos serão usados por seus netos. Como não amar marcas assim? E mais: como não se apaixonar pela arte de construir marcas assim?

Discordo de Tara quando ela fala que o que faz hoje não “combina” com sua atividade anterior, a publicidade. Quem disse que não combina? Se os valores das pessoas se transformam, produtos e serviços seguem e a publicidade manterá, sempre, o seu papel de ajudar na construção de marcas tão sólidas quanto suas promessas. Tara, atualmente engajada na batalha de exigir para quaisquer produtos, globalmente, etiquetas com prazo de validade, também promove concursos no site para estimular e “empoderar” criativos para pensar produtos de maior qualidade. No momento, o desafio é criar o vestidinho preto eterno. Quem se habilita? É um mundo novo. Ou velho? De valores antigos ou transformadores e revolucionários? Depois de muito caminhar, tendo a achar que não há nada mais inovador, hoje, do que uma linda panela que dura para sempre.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK