Criatividade e inspiração brotam nos indivíduos, vem de suas experiências e perspectivas e das oportunidades que o ambiente e a cultura da empresa lhes proporcionam. Sem contribuições e representações significativas de pessoas de todas as comunidades, não podemos afirmar que somos defensores da diversidade.

Dentre todas as transformações geradas pela pandemia do coronavírus, uma das mais relevantes foi ter chamado a atenção de todos para as desigualdades que ainda imperam em nossa sociedade, realçando a importância do respeito à diversidade nas relações entre as pessoas, assim como entre consumidores e marcas.

Grandes diferenças e dificuldades foram evidenciadas de muitas formas. Mulheres que sofrem com a tripla jornada precisaram conciliar o trabalho com os filhos e a casa, e, em muitos casos, também precisam encarar uma redução de salário. Pessoas menos favorecidas economicamente que não tem condições de trabalharem em casa, de permanecer em isolamento social, além do acesso desigual ao sistema de saúde. E as manifestações antirracistas, que começaram nos Estados Unidos e depois ganharam o mundo, trouxeram à tona as mazelas do preconceito no tecido social, bem como a relação da sociedade acerca das questões sobre a identidade de gênero. Nesse contexto, a forma mais básica de endereçar uma desigualdade é assumir a sua existência a partir do simples respeito às diversidades, e suas variadas causas, ainda existentes entre os grupos sociais. Somente a partir desse reconhecimento e respeito é que se pode começar a pensar em medidas e atitudes para diminuir tais diferenças.

Por definição, a diversidade é ampla, engloba muitos aspectos, não tem apenas uma resposta, indo muito além das discussões de gênero, condição socioeconômica ou etnia. Em 2018 a ABA, que tem como propósito a mobilização do marketing para transformar negócios e a sociedade, lançou no Brasil, de forma pioneira, o Guia para Representação Responsável de Gênero na Publicidade. Como extensão natural desse trabalho, pensando além do gênero para englobar todas as formas de diversidade, a Entidade lançou no mês de maio de 2020, o Guia para a Abordagem de um Profissional de Marketing para Diversidade e Inclusão. Ambos os guias estão disponíveis para download em nosso portal.

Quando o simples propósito deixa de ser uma vantagem competitiva para as marcas, e passa a ser um direcionador importante de posicionamento, a abordagem sobre diversidade e inclusão torna-se componente de peso na estratégia de marketing das empresas, bem como na jornada de consumo do consumidor. Segundo o Edelman Trust Barometer 2020, 52% dos consumidores brasileiros começaram a usar uma nova marca devido à sua atuação, ao seu posicionamento, para ajudar a mitigar os efeitos da pandemia.

Tendo em vista esse movimento no mercado da comunicação, é evidente que precisamos resolver o quanto antes a questão da inclusão e do apoio às iniciativas que promovam a diversidade e inclusão. No campo da publicidade, percebemos que a proporção de negros vem aumentando nos últimos anos, porém, ainda é comum ver a imagem de pessoas brancas associadas a escritórios e estereótipos bem-sucedidos, enquanto negros são associados a atividades esportivas, por exemplo. Uma pesquisa da Agência Heads, mostrou que, em fevereiro de 2016, apenas 1% das protagonistas de comerciais exibidos na TV eram negras. Em fevereiro de 2019, esse número subiu para 17%, apesar de ainda ser baixo, visto que 56% da população brasileira é negra, segundo dados de 2020 do IBGE.

No dia em que houver igualdade de tratamento entre os diversos públicos na comunicação, certamente estes públicos passarão a ser mais bem representados. Isso é indiscutível, é fundamental que esse objetivo seja alcançado. É a forma de ajudar a resolver a raiz do problema, de manter a atenção ao tema para que sociedade o resolva de forma definitiva. Trata-se de justiça social, discussão que deve continuar aquecida nos próximos anos. 

Conforme destacado pelo projeto Creative Insights 2020, divulgado pelo Go Ad, parceiro ABA, estamos entrando na era do pós-propósito, em que a responsabilidade das marcas deve assumir uma dimensão mais concreta e proativa, com foco na redução das desigualdades, na promoção da diversidade e na melhoria das condições humanas e ambientais, iniciativas que já eram tendências no mercado da comunicação, mas foram aceleradas com a Covid-19. De acordo com o Guia Abordagem de um Profissional de Marketing para a Diversidade e Inclusão, produzido pela ABA, esses temas reforçam a necessidade de um novo direcionamento na atuação das marcas enquanto agentes de comunicação e transformação, que vai além da busca pelo retorno financeiro e se expande para o seu impacto positivo e sustentável na sociedade.

A GoAd divulgou um artigo sobre a diversidade na indústria da comunicação, com uma análise de campanhas e projetos premiados no festival Cannes Lions entre 2006 e 2019, onde restou claro que, apesar de alguns avanços, ainda há um longo caminho a percorrer em relação à representatividade nas campanhas publicitárias. Em relação ao gênero, a pesquisa revela que 61% dos personagens eram homens, enquanto as mulheres tiveram mais tendência de objetificação de sua imagem.

Ainda que tenhamos muito trabalho a fazer, nos últimos anos os anunciantes têm se mobilizado no sentido de alinhar o posicionamento de sua comunicação com os anseios de seus consumidores, resultando em iniciativas importantes que contribuem para um mundo mais justo. A ABA, a partir de seu propósito de mobilizar o marketing como agente transformador dos negócios e da sociedade, bem como de sua vocação para o protagonismo colaborativo no debate dos grandes temas estratégicos de marketing, tratou a inclusão e a diversidade como pautas prioritárias no Plano ABA 2025, que traça as estratégias da Entidade para os próximos cinco anos. 

Mais do que o olhar para a oferta e a promoção de produtos e serviços, os profissionais de marketing têm a responsabilidade de atuar como agentes transformadores da sociedade, fazendo a publicidade espelhar os anseios sociais, fortalecendo sua relação com os consumidores. É o que se espera; é o que se exige da atividade publicitária neste novo milênio, já profundamente marcado pelas crises sanitária e econômica.

Nelcina Tropardi é presidente da ABA e vice-presidente e cofundadora da Arca+.