Ocupar a função de criativo, em publicidade, era extremamente desafiador. Numa agência notoriamente criativa, então, era mesmo uma missão para poucos. Porque nessas, qualquer indício de mediocridade soava com a crueldade de um alarme de incêndio. Indisfarçável. O que não quer dizer que não contratassem profissionais criativamente opacos, em agências brilhantes.

Afinal, nenhuma agência era o tempo todo um paraíso na terra, todas tinham seus pianos para serem carregados. E aí, redatores e diretores de arte, de raciocínio mais cartesiano, cumpriam suas tarefas dignamente, mas a quem jamais era confiado um job de maior responsabilidade, ou com potencial de premiação.

Não descrevo tudo isso com a intenção de desmerecer a quem quer que seja, mas para dramatizar o que significava ter de assumir um job e fazer uma entrega à altura.

Em primeiro lugar, há que se observar que cabia à dupla de criação – o redator e o diretor de arte – compor uma obra original, a cada tarefa. Ou seja, o anúncio deveria se bastar para tornar-se competitivo com toda a outra forma de expressão cultural com que teria de conviver, a partir do momento em que fosse aprovado, produzido e veiculado. Sim, esperava-se de uma dupla de criação que jamais permitisse que as peças chanceladas pela agência ficassem aquém daquilo que construiu a reputação dela.

Uma fiscalização rigorosa e permanente pairava no ar, zelando pelo produto mais valioso que a agência tinha para vender. Ainda que entusiasmante, por permitir que os talentos se revelassem, é de supor o quanto de tensão com que igualmente se convivia. Qualquer demonstração de corpo mole, ou de preguiçosa satisfação com a primeira ideia, saltava aos olhos e pior se tornava a situação do envolvido, quanto maior o empenho em defendê-la. Um desses recursos menos nobres era o de se socorrer de celebridades.

Havia casos, certamente, em que o casamento da ideia com a celebridade era perfeito: a presença célebre reforçava a ideia. Bem diferente de chamar uma celebridade para tornar célebre qualquer coisa. Prática, aliás, muito comum, antigamente, entre agências de poucos recursos criativos.

Fosse o job que fosse, propunham logo alguém famoso para estrelar a campanha e envaidecer o cliente. De um modo geral, o criativo genuíno resistia a esse recurso fácil, até por amor à sua ideia, que acreditava ser boa o bastante, para não precisar desse tipo de bengala.

Isso tudo me salta à lembrança, ao acompanhar a campanha de um grande banco que, se utilizando de duas figuras famosas da televisão, ostenta provavelmente um dos maiores investimentos em publicidade num dos piores argumentos criativos. Fico me perguntando: qual o compromisso com criação que tiveram seus autores?

Ou serão também vítimas da ocupação cultural que a publicidade vem sofrendo, em que a qualidade criativa autoral vai sendo substituída por propostas (não consigo chamar de ideias) que, certamente, necessitam, principalmente, de muitos números em sua defesa, para clientes que já não fazem da visita da agência o momento mais esperado da semana.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)