A pandemia da Covid-19 abalou as estruturas do marketing, sempre muito bem alicerçado em estudos e no comportamento do consumidor. Com um cenário novo, as marcas precisaram trabalhar com o que tinham em mãos, ou seja, mudanças diárias.

Foi no meio de tudo isso que Daniela Cachich, CMO da PepsiCo, compreendeu que a colaboração de seus fornecedores e colaboradores seria ainda mais fundamental. Assim como o propósito de suas marcas. As campanhas precisaram ser repensadas, bem como os modelos de produção, que ganharam mais agilidade e flexibilidade. Na entrevista a seguir, a executiva fala sobre os aprendizados que ficaram da experiência.

Daniela Cachich, CMO da Pepsico: “Se o meu capital intelectual pode ser compartilhado, essa é uma outra forma de entender a liderança”

Incertezas
A tomada de decisão passou a ter menos elementos em mãos, porque tudo que a gente sabia sobre o consumidor era baseado no contexto de vida antes da Covid-19. Mesmo que a gente queira ter informações mais consistentes, muita coisa está sendo construída. Tem uma tomada de decisão com base no que está acontecendo semana a semana. Uma grande pergunta que a gente faz é sobre as mudanças do comportamento do consumidor, como ele vai se relacionar com as marcas e o varejo.

Por outro lado, quando você tem uma marca com posicionamento consistente, coerente ao longo dos anos, que faz um trabalho sério sobre verdade, temos o benefício de um consumidor que entende o que a marca está propondo e a possibilidade de transformar o discurso em ação. Fica mais fácil a tomada de decisão porque existe muita verdade e coerência na relação.

Além do oportunismo
Não são todas marcas que têm propósito claro, que trazem impacto social. Mas o consumidor entende muito bem quando é forçado ou não. Quando olho para a PepsiCo, muitas coisas foram pensadas sob a ótica da companhia. Doamos, por exemplo, mais de 130 mil toneladas de alimentos, em parceria com o World Food Bank e o Mesa Brasil. Quando você toma uma posição de decidir quais marcas vão fazer o quê, algumas ações estiveram dentro do guarda-chuva da companhia, enquanto outras tiveram ações ligadas ao posicionamento de cada marca.

A eQlibri fez um trabalho muito bonito com as mulheres, Cheetos já vinha com uma parceria sólida com a Anitta e conseguimos estendê-la para o Dia das Mães, onde ela fez uma live com objetivo de conseguir o maior número de doações para o projeto Mães da Favela, em parceria com a Cufa. Ficou claro identificar quais são as marcas em que iríamos continuar fazendo um trabalho individualizado. E, por outro lado, quais seriam as doações que faríamos em conjunto enquanto PepsiCo, como Toddy e Quaker, entre outras.

Confiança
Tem uma questão muito forte de credibilidade. Qual é a autoridade moral da marca para falar sobre aquilo? O que você tem feito nos últimos anos naquele território? Que pessoas você está impactando positivamente como marca para que nesse momento você possa falar a respeito? É importante que, se nunca falou, entenda como você vai começar a falar. Isso precisa ter uma longevidade, não pode fazer e interromper, porque não é sobre uma campanha, é sobre realmente impactar positivamente as pessoas. Isso aconteceu nesse momento, algumas marcas têm feito um trabalho consistente e outras, a gente olha e se questiona. Isso ficou muito claro para o consumidor.

Ação
A marca eQlibri, por exemplo, tem um trabalho de anos baseado em se posicionar como um snack com menos sódio, e mais elementos naturais, como a tapioca, o coco e a chia. Ao mesmo tempo, é uma marca que faz um trabalho forte de empoderamento da mulher, não à toa temos como parceiros projetos muito relevantes para poder impactar positivamente mulheres em situação de vulnerabilidade.

Neste momento de pandemia, nos associamos ao Movimento Free Free, que junto com o Ministério Público fez chegar cestas básicas para mulheres em comunidades. A gente fez também um trabalho muito sério de retomar a autoestima de vítimas que sofreram violência doméstica. É uma marca que já vinha falando da questão da mulher e, no momento da pandemia, decidimos primeiro partir para a prática. Como transformar o marketing de propósito em prática.

Não ficamos parados imaginando o que iria acontecer, porque mostra o que a marca é. E agora fizemos o lançamento da pipoca eQlibri porque traz uma mensagem forte do quanto a mulher está se ressignificando, estourando, descobrindo seu máximo potencial na pandemia.

Criação ressignificada
Aprendi com tudo que a gente está passando que a palavra impossível saiu de moda, ficou mais distante do meu vocabulário. Passamos por diferentes situações, no caso da pipoca eQlibri, já estava tudo pronto e filmado, redondo para ser lançado em março, mas a gente segurou e está lançando agora. Passamos por situações em que a ideia criativa estava aprovada, como Lay’s. O Daniel Alves (jogador do São Paulo) estava contratado, ia fazer a gravação e veio a pandemia. E obviamente, iríamos colocar muita gente em risco e não fazia sentido continuar o modelo tradicional de gravação.

Foi muito interessante ver que a melhor coisa foi aceitar o lugar que a gente estava e conversar. Conversamos com a AlmapBBDO, Dani Alves e decidimos que ele mesmo se gravaria em casa. Quando a gente mostra as vulnerabilidades de não poder controlar tudo, vi uma união muito forte entre todos. Fazia sentido lançar Lay’s com tazos naquele momento, o consumidor estava dentro de casa, seria uma maneira de se divertir, ter algo diferente nas mãos.

Decidimos seguir, fazendo como nunca antes e aceitar que não ficaria tão perfeito. Mas, na verdade, ficou incrível. Aprendemos que produções podem ser mais simples, ágeis, mais baratas, mas não é uma questão de baratear a produção, mas o entendimento de que há produções que podem ser menores, mas mantendo características mais humanas e de proximidade. Todo mundo aprendeu no processo.

Novas maneiras
Isso tudo mostra para o mercado que não existe o formato que caiba a todos. Ou aquela ideia que precisa sempre ter um investimento enorme, com número x de pessoas na equipe, como se apenas isso fosse o obrigatório para entregar uma campanha. A gente está vendo que não. Passamos por diferentes situações e marcas, para cada uma exigiu uma nova abordagem.

Para eQlibri, precisamos de muita resiliência e paciência para esperar para lançar a campanha mais tarde. Lay’s demandou adaptabilidade em um modelo muito diferente de produção. Estamos em um período muito difícil, estamos falando de um lugar de privilégio no Brasil por poder trabalhar dentro de casa, mas há um legado dessa situação complicada e triste que é o aprendizado de trabalhar de outras maneiras. Colocamos as pessoas num modelo de mais agilidade, mais colaboração.

Aprendizados
Vai mudar bastante a forma como a gente toma decisões e investe em ações. Do nosso lado, enquanto anunciante, as ações não devem ser pautadas no tamanho do investimento que a gente tem, mas em qual impacto queremos gerar. Vamos achar um jeito de fazer isso acontecer de forma agilizada. Quando a gente brifa uma agência, a primeira pergunta que é feita é qual investimento temos. Mas vai mudar essa ótica. A pergunta é o que a marca precisa e deseja fazer e depois entender qual o investimento isso vai demandar. É uma lógica não pautada no volume de investimento. Isso não deveria mais ser impeditivo para que grandes ações sejam colocadas na rua.

Investimentos
Em tudo que está indo para a rua hoje, as campanhas estão custando 50% menos. Isso significa que podemos colocar duas vezes mais trabalhos do que a gente vinha colocando uma vez que eu mantenho o investimento. O que muda é a questão do progress over perfection. A gente precisa impactar as pessoas, não dá para ficar esperando a perfeição.

Quando vemos formas de se relacionar dentro desse confinamento, não tem o aspecto publicitário irretocável, mas aspectos humanos, pessoas achando maneiras de se relacionar de uma forma menos produzida. Isso traz para o nosso mercado um olhar de não buscar a perfeição, mas fazer com que as coisas aconteçam de uma forma mais rápida, insights com muito impacto. O nível de investimento não pode ser o tamanho da ambição. Precisa ser pautado pelo impacto que a marca quer gerar na sociedade.

Vi neste período ações incríveis que demorariam um ano e meio serem realizadas em três semanas porque o nível de colaboração foi altíssimo. No caso da PepsiCo, a gente não diminuiu o investimento, não deixou de fazer campanha. No da eQlibri, por exemplo, precisamos congelar em determinado momento, mas retomamos. Não deixamos de investir o que estava alocado para a campanha. Não é uma questão de não investir mais. É conseguir fazer o dobro de campanhas porque estamos sendo mais otimizados, mais inteligentes, conseguindo pensar em alternativas que antes eram consideradas impossíveis.

Humanização
O olhar com o meu time no dia a dia mudou. A primeira coisa reforçada foi a ideia de que o negócio é sobre pessoas. Sempre pensamos assim, mas agora, se tornou significativo começar uma reunião perguntando como as pessoas estão. Não era algo que a gente fazia o tempo inteiro. Hoje existe esse processo de conexão. Tem um olhar importante sobre os indivíduos, porque são eles que criam, que movem a empresa. Depois, a reflexão de como a gente consegue transformar o conhecimento em algo que possa ajudar as outras pessoas.

Compartilhamento
Estou participando de várias lives porque se eu puder compartilhar conhecimento e aquilo puder ajudar alguém a aprender, empreender, já estarei contribuindo. É o momento de compartilhar. Temos visto diversas marcas se unindo, até concorrentes entendendo que o coletivo é o mais importante. As pessoas vão continuar se relacionando com as marcas, talvez de outras formas mais simples no pós-Covid. Elas vão estar muito mais conectadas às marcas, ao que elas acreditam, iniciativas que estão fazendo, qual é o seu papel.

Não será apenas sobre comprar produtos ou serviços. Mas esse papel de compartilhar conhecimento vai ganhar espaço. A PepsiCo é uma das maiores empresas do mundo, temos muito conhecimento, é óbvio que algumas coisas são sigilosas no sentido de confidencialidade, mas há uma série de melhores práticas que podem ser compartilhadas. Há ainda nosso papel de apoiar as mulheres, mostrando como elas podem, neste momento, conseguir uma outra forma de renda, fazer alianças.

Tudo isso é muito forte e, como líder da indústria, a gente tem de fazer esse papel, que é sobre o impacto do nosso trabalho, mas também o impacto de compartilhar conhecimento. Eu recebo diversas mensagens depois das lives que participo de mulheres agradecidas, dizendo que vão tentar aplicar as ideias no seu negócio. Isso é interessante porque muitas pessoas não vão ter
dinheiro para pagar e fazer um curso, participar de um evento online, estão descapitalizadas, e, se o meu capital intelectual pode ser compartilhado, essa é uma outra forma de entender a liderança.