Eternizada por campanhas como Não Esqueça a Minha Caloi, nos anos 1970, a fabricante de bicicletas passou por transformações profundas em seus 121 anos. Deixou o núcleo familiar que a fundou em 1898 para hoje integrar a divisão esportiva do grupo canadense Dorel. Entre as mudanças na mobilidade urbana e a chegada de novos players, como o patinete elétrico, a bicicleta permanece como carro-chefe da marca brasileira, que aposta em inovação para permanecer relevante no Brasil e no exterior. Cyro Gazola, presidente da empresa, analisa a evolução e o futuro da Caloi.

A Caloi é uma marca familiar que passou por uma série de transformações até integrar um grupo global. Como se deu esse movimento?
A empresa tem 121 anos. Imagina a responsabilidade de manter esse legado? A família Caloi foi quem empreendeu, que criou e idealizou o negócio. A partir de 1999, enfrentou dificuldades financeiras e a companhia acabou mudando de mãos, indo para a família Musa. Depois, passou por um período de recuperação importante até a venda parcial para o grupo Dorel Sports, em 2013. Em 2016, foi a aquisição total, marcada também pela minha chegada na companhia. Na época eu era presidente do Brasil e América Latina da Philips e recebi o convite para assumir a Caloi, dando início a um grande período de transformação.

Quais são os principais pilares dessas mudanças?
O coração dessa transformação está no desafio de tornar a Caloi uma empresa multinacional, mas manter o coração brasileiro. E, mais do que tudo, garantir que esse legado que começou lá atrás com a campanha Não esqueça a minha Caloi, não se perca. Nos concentramos em criar um novo propósito de marca. Com apoio de uma startup ligada ao desenvolvimento organizacional, recriamos um posicionamento de marca, com o conceito Fabricando ciclistas e também um novo propósito: Movemos pessoas para um mundo melhor.

O quanto a marca já avançou nos últimos três anos?
Desde que começamos o movimento de transformação, em 2016, estabelecemos o período de cinco anos, que acaba agora em 2022, de dobrar nossa escala no Brasil. Para se ter uma ideia, a Caloi é a única marca do país que atua em sete canais de distribuição. Esse é o nosso grau de complexidade. Temos um polo industrial em Manaus (AM) e um centro de operações em Atibaia (SP). De três anos para cá, reposicionamos a marca e recriamos a estratégia de negócios.

Qual tem sido o balanço dessas ações?
Estamos indo muito bem nessa missão através de uma estratégia de visão nova, que incorpora nossa posição como líder na fabricação de bicicletas em faturamento e volume de produção. E a gente quer ser reconhecido como parceiro preferido de negócios e a garantia da melhor experiência de pedal possível seja para a criança que está começando, para o jovem, adulto ou idoso. A gente fabrica produtos de R$ 300 a R$ 22 mil. A divisão de esportes do grupo Dorel é composta por oito marcas no segmento de bikes, entre elas, a Caloi no Brasil. Nós passamos de 2015 a 2017 por um período difícil, vimos nosso volume cair. A partir de 2018, começamos um crescimento que se estabeleceu em 2019, quando vimos frutos da nova estratégia. Na indústria brasileira de bikes tivemos crescimento na produção de 17% nos primeiros seis meses este ano. Nossa operação representa hoje aproximadamente 10% a 12% do faturamento global da divisão de esportes da Dorel, ou seja, somos uma prioridade para o grupo. Estamos indo muito bem, com crescimento de receita e produção na casa de duplo dígito.

Ao que se deve essa retomada?
Isso é fruto de um melhor atendimento ao cliente em nossos canais de distribuição. Na categoria de bike shoppers e bicicletaria, atendemos mais de dois mil clientes em todo o Brasil; em Sports & Goods, falamos com lojas como Decathlon, Centauro e Netshoes, que são cruciais. Também atendemos redes de eletro, os hipermercados, as lojas de departamento, e-commerce e lojas de bebê. É uma infinidade de canais. De dois anos para cá, a gente relançou praticamente a empresa inteira. O coração dessa jornada nos últimos três anos foi trazer uma estratégia nova e o foco no consumidor.

A Caloi é distribuída em alguns países da América Latina. Há interesse em novos mercados?
A prioridade é expandir a marca Caloi na América Latina. A gente já teve esse pensamento há alguns anos, mas hoje a companhia está muito melhor preparada para começar a atender. Hoje a gente vende Caloi no Chile, Paraguai e Uruguai. A marca tem muito recall em outros países, mas para isso é preciso ter estratégia de produto e ser competitivo. Estamos nesse processo.

Como a expertise na gestão de grandes marcas globais como a Cannondale ajuda a fortalecer os negócios da Caloi?
A gente aproveita o know-how global das nossas marcas. Para apoiar o desenvolvimento de todas as marcas do grupo temos quatro polos de desenvolvimento de produto e pesquisa: Taiwan, Suíça, EUA e Brasil. A Caloi é o centro de pesquisa aqui no Brasil, onde trocamos informações de tecnologia e estratégia de futuros lançamentos. A Caloi sempre liderou esse movimento, com a criação da primeira mountain bike. Nós estamos trazendo agora para o Brasil uma mountain bike de alumínio com freio a disco mais barata que qualquer empresa conseguiu desenvolver. Enquanto as demais ficam em torno de R$ 1.300, lançamos por R$ 999. Acabamos de lançar também a primeira bicicleta urbana elétrica da Caloi. Enquanto os modelos da concorrência são muito caros, nossa proposta é mais acessível. Queremos dar oportunidade a aquele consumidor da classe B- e C de comprar um produto de alto valor agregado. Tudo que fazemos tem de sair com garantia atestada daquela empresa que surgiu lá atrás, em 1898. É por isso que ela existe até hoje e esse apreço é intocável aqui dentro.

A marca tem acompanhado as novas conversas sobre mobilidade urbana? Como vocês têm se posicionado?
Nossa estratégia de entender o consumidor passa pela visão de que nossos clientes não fazem apenas o uso tradicional da bike. Nossa planta fabril funciona como prestadora de serviços. Ela produz para a Caloi, para as demais marcas globais do grupo e para a Yellow, por exemplo. É uma manufatura voltada também para clientes. Produzimos bikes não só para a Yellow, mas somos um dos principais de fornecedores white label para a Decathlon. A gente vê isso como oportunidade de fortalecer nossa base industrial, aproveitando o know-how de mais de 100 anos para expandir a capacidade industrial.

Como enxerga a concorrência com novas modalidades, como patins, skates e patinetes?
A bicicleta passou por uma transformação centenária. E ela continua sendo um veículo significativo. Nós temos papel de ampliar o sgmento de bicicletas elétricas no Brasil porque a penetração é muito baixa pela questão do valor e manutenção. Mas em termos de concorrência, a gente percebe que o patinete elétrico está se fortalecendo como alternativa. A diferença é que a legislação, as regras de trânsito para a bicicleta são muito claras. Já para o patinete, a gente tem acompanhado toda essa discussão. É um uso que requer alguns cuidados. Vamos acompanhar se é um segmento que vai se estabelecer. É claro que para a mobilidade urbana em trechos curtos é uma opção, mas se pensar em deslocamentos um pouco mais distantes, a bicicleta vai te dar mais segurança e conforto.

Quais são as próximas tendências de mobilidade?
A bike elétrica é o caminho. Na Europa, há países em que o segmento já representa até 30% do mercado. Ela te facilita subidas em morros e é mais rápida, fora a facilidade de ser recarregada na tomada. No Brasil, a penetração infelizmente está entre 1% e 2%.

A Caloi marcou época com campanhas em TV como Não esqueça a minha Caloi nos anos 1970. Como a marca tem trabalhado seus investimentos de mídia hoje?
Para a gente, a mídia é prioritariamente digital, com ações e conteúdos em redes sociais. O nosso novo canal no YouTube tem objetivo de trazer um pouco desse rejuvenescimento da imagem da companhia. Queremos trazer para os distintos consumidores o que é essa nova Caloi. Por isso, a parceria com a Take4 e ter uma apresentadora que captura o que é a cultura da empresa traz essa empatia que queremos passar. A indústria de bicicletas como um todo hoje não é uma grande investidora em TV. É muito custoso. Por outro lado, somos um dos principais investidores e patrocinadores do ciclismo do Brasil. No Mountain Bike, por exemplo, graças à estratégia de apoio aos atletas nacionais, hoje temos o maior campeão brasileiro e da América Latina. Quando começamos a patrocinar o Henrique Avacini, há seis anos, ele era o 115º no ranking. Hoje ele é número 1 no Brasil e Latam e número 2 do mundo.

Apoiar talentos é uma forma de dar mais visibilidade ao esporte e fomentar novos espaços de mídia?
Você vai na Europa e as pessoas são apaixonadas por ciclismo. Aqui no Brasil tem espaço, mas não é o mesmo nível de penetração. O futebol ainda é muito preponderante. Tem um pouco de vôlei e automobilismo também, mas a falta de talentos e a continuidade da geração desses ídolos faz com que isso se perca. Estamos num processo de atrair canais de mídia que queiram dar visibilidade à bike. A cobertura do mundial de Mountain Bike, por exemplo é feita pelo canal Red Bull TV. O pai do Avancini, o seu Rui, e o próprio Avancini lideram nossos times da Caloi e Cannondale. Os atletas começam mais novos na categoria sub-23 na Caloi e depois vão para o time Cannondale. Estamos criando futuros Avancinis.