Quando a revista Veja lançou as “Vejinhas”, edições locais da “Vejona”, na época a maior, mais completa e influente revista brasileira, fomos chamados para fazer a campanha de lançamento no Rio. Criamos um comercial de TV quase suicida. Era com as maiores personalidades da cidade. Todas num só local. Caro, complicado e trabalhoso. Mas dava ao lançamento a grandeza que deveria ter. Ideia difícil de realizar, mas basicamente simples. Tratava-se de um “teaser” com as mais importantes personalidades da cidade, mostrando a capa da revista e perguntando: “Quantas Vejas eu tenho aqui?” No dia do lançamento, com o pessoal todo reunido, o mistério era resolvido. Duas Vejas. Uma nacional e outra local. Recrutamos todo mundo. Do prefeito aos empresários mais conhecidos, artistas importantes, literatos, modelos, donos de restaurantes. Um número inédito de celebridades reunidas num único local, mostrando que a Veja, a partir daquela data, seriam duas.

Confesso que hoje eu não teria coragem de criar uma loucura assim. Eram umas 20 personalidades. De Artur Moreira Lima ao prefeito Marcelo Alencar, de Tom Jobim a Joãozinho Trinta, de Fernanda Montenegro a José Hugo Celidônio. Difícil achar horário na agenda de um único ser humano desses, imagina todo mundo junto. Com ímpeto suicida ou completamente bêbados, José Guilherme Vereza e eu não pensamos em filmar cada um separadamente. Resolvemos (meu Deus!) que teria de ser todo mundo junto, num ritmo frenético, com as personalidades interagindo entre elas. Não haveria corte. A câmara passeava entre as pessoas e cada vez que uma celebridade entrava em quadro, mostrava as duas revistas, a Veja Nacional e a local, à esta altura já definitivamente chamada de Vejinha. Dá para se ter uma ideia da maluquice? Como era muita gente decidimos, só para complicar ainda mais, filmar num estúdio, onde a câmera poderia ter mais liberdade. Garçons serviriam canapés e bebidas, para que o clima de festa fosse mais espontâneo. Uma frota de carros foi contratada para buscar todo mundo em casa, Danusa Leão, Daniel Filho, Carlos Manga, Erasmo Carlos, Ronaldinho, Luiza Brunet e por aí vai. O buffet não era brincadeira, papa fina. E os drinques, simplesmente todos eles, incluindo sucos e beberragens veganas. Encomendamos o cenário a Yurika Yamasaki, para ficar à altura. Miele, Nara Leão, Jô Soares foram outros nomes que estariam em cena. Cinco dias antes da filmagem Yurica me avisa que o cenário estava pronto. E, para que não houvessem dúvidas, ela tinha feito uma maquete. Mandei um motorista buscar a tal maquete e fiquei esperando a volta roendo as unhas. Que loucura ela tinha criado que não pudesse me contar? Por fim, um enorme pacote entrou na minha sala. Era a maquete de um fundo infinito azul, com enormes letras da palavra “Veja” espalhadas no chão. Na hora, entendi tudo. As letras serviriam como paredes, com as pessoas saindo por trás delas e mostrando que Veja agora eram duas.

Só depois do passeio, a câmera subiria e mostraria que as “paredes” formavam a palavra Veja. Simplesmente genial, além de permitir melhor movimentação das pessoas e da câmera. Só Yurika mesmo para ser tão brilhante. Por telefone, disse a ela que não poderia esperar outra coisa vinda de uma das melhores cenógrafas do país. Só disse isso, mais do que isso não precisava. As letras foram confeccionadas e realmente era uma solução muito engenhosa. Ficamos com o problema de trazer o elenco para o estúdio. Não vou contar o que foi. Quase morremos. Gente não estava pronta, gente não estava em casa, gente chegou e pediu para ir embora logo. Teve de tudo. A maravilhosa ideia da Yurica ajudou muito, pois permitia fazer cortes e assim filmar primeiro os que tinham menos tempo. Por fim, depois de horas, exausto, suado, à beira da exaustão, terminamos. Fiz questão de ligar para Yurica. Disse: sua ideia de espalhar as letras no chão foi nossa salvação! Silêncio do outro lado. Yurica: que letras, que chão? O que tinha acontecido era que com o movimento, as letras de Veja, que deveriam ficar presas à parede, caíram. E resolveram um problema complicadíssimo. Foi Zé Guilherme quem disse tudo: a sorte só beneficia os gênios. A mãozinha do destino fez as letras se espalharem, formando paredes. Se não fosse a Yurika, a quem respeitávamos cegamente, não teríamos seguido o suposto leiaute. Bem, o filme foi um sucesso. Ganhamos todos os prêmios possíveis, incluindo Cannes. E eu não fui na festa do lançamento. Fiquei dormindo, tentando me recuperar das emoções daquele dia de filmagem. E agradecendo, sei lá, a Buda, por ter me inspirado em confiar cegamente na Yurika Tamasaki.
PS. Viu? Não falei de política. Mas nosso governador caiu como as letras do nosso cenário. Mas não dá para fazer um belo filme. Nem de horror.