Estou trabalhando provisoriamente num coworking. É a primeira vez que me acontece isso: conviver com desconhecidos num ambiente que lembra uma mistura de fábrica antiga com parque de diversão infantil dentro de uma lanchonete, numa decoração de aeroporto e silêncio de igreja. As chamadas estações de trabalho se resumem a um espaço cujas pessoas pousam seus lap tops. E batucam furiosamente os teclados olhando fixo para a tela em frente. Não há porta-retratos, diplomas, estantes com livros. Ninguém fica olhando para as paredes, faz corrente com clipes (não existem clipes), nem dá uma cochiladinha após o almoço. Ainda não vi ninguém se espreguiçando, dando uma dançadinha ouvindo música no fone de ouvido ou tentando encestar uma bolinha de papel. Não há papéis. No máximo post-its. Uma mesa sem uma caneta Parker ou Montblanc, sem anotações, sem agenda física, é uma mesa sem alma. O que se tem muito é copo de água, nesses tempos que as pessoas acham que beber barris de líquidos faz bem à saúde. Também não há telefones fixos, com campainhas de telefone. Há, sim, celulares que anunciam chamadas com hinos do Flamengo, assovios e sininhos.
Por falar em celulares, de tanto ouvir as conversas de meus vizinhos, me sinto morador de cabeça de porco. Sei da vida de todo mundo. Vivo num cortiço como descrito por Aluísio Azevedo. Não há segredos. Claro que ter uma estação de trabalho dentro de um coworking tem suas vantagens. É bem mais barato e você conta com completa infraestrutura. Tudo sem ter de se preocupar com leis trabalhistas, manutenção etc. O único custo é perder a plateia da piada, a zoeira do futebol, a fofoca, a mesa, os papéis, o vaso de flor e as coisinhas que são suas e que lembram que, afinal das contas, você é um ser único. Num coworking não há um banheiro para chamar de seu, uma privada afeita à sua bunda nem um armarinho de parede para guardar sua escova de dentes, seu fio dental e quem sabe um enxaguante bucal. Uma bunda sem uma tampa de privada acolhedora e familiar é uma bunda triste. Outro drama é o próprio banheiro. Não há nada mais desumano do que fazer cocô num cubículo com uma portinha minúscula. Como alguém pode ser feliz quando até defecando está exposto à censura?
Afinal, ser livre é ser dono de seus ruídos e odores. Sei que algumas empresas estão partindo para o sistema de coworking. Daí tudo bem. É a patota usufruindo de um espaço. Uma alternativa ao antigo sistema de escritório. O meu exemplo é do trabalhador ou trabalhadora que de seu tem apenas o lap-top e, tal como um cavaleiro do antigo Oeste americano, carrega tudo consigo. Pior ainda. No antigo Oeste, o cavaleiro podia tocar seu banjo, assoviar e cantar uma canção. Nada disso é permitido ao locador de dois metros quadrados de fórmica. Quando eu cheguei, trazia os costumes antigos de dar bom dia pra todo mundo, fazer uma gracinha, comentar o tempo e o futebol. Fui olhado meio como um extraterrestre. Felizmente, alguém deve ter entrado na internet e descoberto minha história que, se não me enche de glórias, explica minha loucura, e começaram a devolver meus bons dias. Na verdade, estou aqui para acabar um livro e me cerquei de referências, como numa muralha de livros e papéis. Tenho cadernos de anotações, escrevo de vez em quando à caneta, abro mapas, examino fotografias. Tenho um canto quase humano.
Na realidade, abri um chiqueiro dentro de uma UTI. E quando falo no telefone troco insultos com os amigos, colegas de rádio vêm me visitar, recebo livros de editoras, faço reuniões com diretores de arte. Acho que já estão se acostumando comigo. O mais terrível de tudo é que tenho um vizinho que tem um negócio qualquer e resolveu fazer a própria publicidade. Trabalha com uma moça que deve ter feito curso de design. E ficam discutindo anúncios e folhetos. Para mim é como se fosse um alcoólatra sendo obrigado a trabalhar num botequim, não podendo beber. A vontade de dar palpite me faz de vez em quando levantar e sair para dar uma volta. Mas seria uma intromissão indesculpável. Diz a regra não escrita do mundo dos coworkings que se o seu vizinho do lado puxar da mochila um revólver e encostar no próprio ouvido, não interfira. Afinal, o sagrado direito à individualidade é um dos pilares dessa convivência. Se este é o ambiente de trabalho do futuro, fico feliz por partir antes disso.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)