Confesso que fiquei muito triste ao tomar conhecimento da situação da Editora Abril. O encolhimento da empresa e a constante onda de demissões me deixam deprimido. Primeiro pela quantidade de excelentes profissionais que perdem seus empregos e depois pelo empobrecimento de nosso mercado editorial, até há pouco tempo um orgulho para os brasileiros. Quando eu digo que são excelentes profissionais que estão perdendo emprego, não o faço por mera gentileza. A Abril sempre foi um ápice na carreira, e pertencer ao time de seus jornalistas era uma garantia de qualidade. Com o necessário perdão pelas comparações, trabalhar na Abril, na Globo, no Estadão e na Zero Hora enriquece o currículo de qualquer um e ser chamado para trabalhar em uma dessas empresas era uma espécie de consagração, assim como era ser chamado pelo falecido JB, pela revista Visão e em uma época pela Rádio Bandeirantes de São Paulo. Mas o que mais me dói é a euforia que se percebe nas publicações nas redes sociais ou nos outros órgãos de imprensa. Parece que comemoram uma vitória. Destilam uma mal disfarçada alegria pelo que está ocorrendo com a ex-maior editora da América Latina. Em boa parte das opiniões é fácil de se perceber o ressentimento.
Com as naturais, mas infelizmente raríssimas, exceções, tenho lido pessoas que se vangloriam de ter sido íntimas da direção da casa e demonstram profundo conhecimento acerca das razões da crise. A ser verdade o que tenho lido, centenas de jornalistas alertaram a família Civita quase que diariamente dos enganos empresariais que estavam cometendo. O que – evidentemente – meus botões me alertam que isso não passa de evidente edição de um passado que só ocorreu na memória de quem conta. Outra parte dos comentários que tenho lido, por razões que não consigo atinar, dão destaque ao patrimônio da família, como se tivesse sido construído exclusivamente pela exploração do trabalho escravo, o que não é justo, já que a Abril sempre foi conhecida por manter uma relação bastante séria com seus profissionais. Destaque-se que a empresa sustentou durante muitos anos os enormes prejuízos da revista Veja, pagando alguns dos melhores salários da praça. Seja qual for o motivo, a Veja foi ao fundo do poço e se tornou mais tarde a segunda maior revista do mundo depois de muito tempo corroendo o lucro das Claudias, Caprichos e Pato Donald’s da vida. Eu tive a conta da Veja por alguns anos, e me orgulho de ter criado o slogan Indispensável e estar lá quando o volume de assinaturas ultrapassou o milhão de exemplares.
Evidentemente não por causa do meu trabalho. Sou obrigado a dizer que Roberto Civita, embora tivesse uma reunião semanal comigo, jamais me perguntou o que deveria fazer e garanto que, se eu tivesse dado algum palpite, de nada teria adiantado. Eu era um publicitário que fazia anúncios de Veja, nada mais do que isso. Dessa minha fase na vida, me lembro do lançamento da Veja Rio e de uma passagem na sala de Roberto Civita, que virou filme de propaganda muito premiado. Ele reproduz o clima de um histórico dia. Eu estava com o Sabino, diretor-comercial, na sala de Roberto, esperando para apresentar a campanha semanal. Pela primeira vez Roberto atrasou à reunião. Esperei horas. Detalhe: naquele ano Veja iria dar enorme lucro. Finalmente, ele entrou na sala e disse: “Lula, acho que fiz uma enorme cagada. Pedro Collor esteve aqui, abriu o verbo e contou coisas de abalar a República. Autorizei publicar tudo”. Ele sabia que o país poderia virar um pandemônio e que isso prejudicaria os negócios da Abril inteira. O clima de insegurança diminuiria os investimentos em propaganda e os ganhos com eventual aumento da venda avulsa seriam mínimos. Mas era uma notícia. E ele achou que deveria publicar. Não quero fazê-lo de herói. Antevejo até mesmo que serei considerado um ingênuo. Mas seja como for, foi um empresário de coragem. Um cara que sempre achou que seu produto era notícia. E, como diz o filme que fizemos: “não se deve esconder uma notícia”.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)
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