Este mês recebi dois livros publicados por publicitários. O primeiro foi a monumental autobiografia do Jens Olesen, ex-diretor da McCann no Brasil, e provavelmente a maior autobiografia já publicada no mundo: pesa 5 quilos.
Com milhares de fotografias e textos bem elaborados, o livro, de título What a Life, mostra realmente uma vida intensamente vivida, em vários momentos, ambientes, encontros, cerimônias, reuniões de trabalho.
Tudo é motivo para mostrar como ele viveu: convites, cartões de apresentação, medalhas, faixas, decorações de ambientes — certamente ele teve, ou tem, uma das secretárias mais eficientes do mundo, no arquivamento e organização das pequenas lembranças.
O título What a life diz tudo. A vida de Jens Olesen (felizmente ele continua vivo) é uma das mais interessantes, propiciada pela profissão que ele escolheu.
O outro livro, divertido, mas também baseado em pequenos episódios da vida de um publicitário, é Te contei essa?, do Gilberto Leifert, uma das pessoas que teve a maior importância no período profissional histórico que vivemos.
Gilberto foi presidente do Conar, da Abert, dirigente da Globo no relacionamento com as agências.
Ele também registrou, com um texto delicioso, os pequenos episódios que viveu, descobrindo o humor que existe em nosssa vida cotidiana. Dentre centenas de pequenos casos, cito dois como exemplo: a prima que foi comer um brigadeiro numa doceira da cidade e descobriu um dente dentro do doce e fez o devido escândalo e só ao chegar em casa notou que o dente era um implante seu; outro, o da vizinha na garagem que admirava o carro novo que chegara e comenta com Gilberto, sem saber que era o dono do carro, “Quem é o vizinho filho da puta que tem dinheiro para comprar um carro desses?”
Refiro-me a esses dois livros para responder à pergunta do Paulo Macedo: de que forma a profissão influiu em sua vida?
O privilégio de trabalhar em propaganda nas décadas de 1950 para cá — e de ter trabalho.
Agora que estou vivendo as últimas horas de minha vida, tenho uma perspectiva melhor do que foram aqueles dias, no meio das conturbações políticas, econômicas, sociais, de confrontos armados e ameaças nucleares, pandemias terríveis… e ainda estarmos vivos.
Tivemos a sorte de transitar num mundo que se transformava rapidamente, e que conheceu a revolução que os satélites propiciaram, num mundo que conheceu a conexão mundial em suas próprias mãos.
Lembro-me quando voltei dos Estados Unidos e trouxe o primeiro iPhone no Brasil; na mesma semana, num congresso em Aracaju, mostrei-o a 300 jovens, “Esse aparelho vai mudar a vida de vocês”, disse-lhes.
Não imaginava que o tempo passasse tão rápido e as mudanças se dessem tão completamente.
Ter convivido com os próprios criadores de suas empresas, com clientes interessantes, com professores e intelectuais, com colegas que sabiam contar casos, redigir títulos verbais, planejar com talento, enriquecer nossa vida.
Ter conhecido um país democrático, uma ditadura militar, a censura, o retorno à democracia.
Os livros que lemos, os cursos que fizemos, as viagens, os congressos dos quais participamos, as cidades que conhecemos, os rios de minha terra.
Curioso que a memória dos últimos dias (e provavelmente dos últimos minutos), só se refere às coisas boas desse fenômeno que não conseguimos compreender, a vida.
Somos todos Jens Olesen e Gilbertos Leifert nesse período da Humanidade.
Semana passada morreu meu confrade na Academia Paulista de Letras, o arquiteto Rui Ohtake, autor de mais de 300 obras importantes.
Suas últimas palavras foram “Que beleza”.
Faço minhas suas palavras.
Roberto Duailibi é publicitário, redator e fundador da DPZ, hoje DPZ&T