A ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) lançou esta semana movimento para criar uma nova autorregulamentação para o mercado publicitário. A entidade publicou anúncio cujo teor é um convite ao mercado para o debate.
O subtítulo do “chamamento” não deixa dúvidas. Afirma que a atitude é “por uma publicidade livre, pujante, transparente, ética e responsável”. Vale lembrar que a ABA rompeu com o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) em janeiro deste ano, dizendo que “o mundo mudou. O mercado evoluiu muito. Novos e grandes desafios batem à porta, o que nos empurra, mais do que nunca, para a necessidade de uma reflexão profunda e livre sobre as novas tendências…”, dizia o comunicado da entidade.
Começou aí uma discussão “em público”, que pelo visto não tem dia nem hora para acabar. O PROPMARK procurou os representantes da ABA, Sandra Martinelli, e da Abap, Mario D’Andrea, que reúne as agências de publicidade.
Para Caio Barsotti, presidente do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), o “Cenp sempre apoiou e apoiará a liberdade e qualquer debate sobre iniciativas ou objetivos do mercado publicitário e está aberto a contribuir na discussão de tudo o que interessa à publicidade e ao país a qualquer momento”.
Vejam a seguir os principais trechos de entrevistas da Sandra Martinelli e Mario D’Andrea:
PROPMARK – Por que a ABA propõe uma nova autorregulamentação, sendo que o mercado já dispõe de uma “cartilha” do Cenp?
Sandra Martinelli – A ABA propõe o debate do mercado sobre uma autorregulamentação livre, pujante, transparente, ética e responsável. Este é o ponto de partida básico ao aprofundamento das discussões setoriais, sobretudo em prol de medidas autorregulamentares que elevem o grau de eficiência e nível de qualidade da publicidade brasileira em tempos tão desafiadores. Trata-se, acima de tudo, de um convite a todas as entidades representativas e agentes econômicos, públicos ou privados, do ecossistema a se engajarem em um diálogo edificante.
Entendemos que a estrutura atual na qual o mercado está baseado está sempre em constante e rápida evolução e, assim, precisamos, mais do que nunca, evoluir para uma reflexão profunda e livre sobre as novas tendências de comunicação e mídia que envolvem interesses dos anunciantes, veículos, agências e tantos outros atores deste segmento econômico. Como entidade representativa e que defende os direitos do anunciante e da propaganda, é nossa obrigação discutir e compreender com franqueza de propósito e técnica como contribuir para tornar o mercado publicitário cada vez mais livre, pujante e dinâmico. Esse convite é uma forma de manter a discussão atualizada, visando contribuir para a organização de um mercado cada vez mais ético e comprometido com o setor em torno de bandeiras claras, que acreditamos que sejam parte dessa construção.
PROPMARK – Vocês falam de um mercado com novas propostas. O nome disso é modernização? Onde está defasado? O que a ABA pretende?
SANDRA – O convite propõe uma reflexão profunda sobre a necessidade de modernização das bases dos relacionamentos que compõem nosso mercado e, para isso, propõe a autorregulamentação livre e transparente como pedra angular. As tendências do mercado que mais motivaram nossa movimentação foram o avanço do ambiente digital como espaço de comunicação publicitária, transparência nas relações do mercado e a livre concorrência. Entendemos que estas demandam um olhar mais atento de nosso ecossistema publicitário para que sejam endereçadas.
De forma prática, a ABA compartilhou, por meio do convite aberto ao mercado, publicado hoje, os 5 princípios que entende podem gerar um diálogo franco e aberto. Nosso dia a dia deve considerar o compromisso com a transparência e livre negociação, a não obrigatoriedade de certificações e tabelas fixas de desconto, a valorização à segurança das marcas e ao combate às fraudes, a garantia de mídia visível, confiável e amigável ao consumidor e a valorização de auditoria e medição do mercado.
Partindo daí, esse conjunto de ações práticas não é exaustivo e tampouco cobre todo o escopo de relacionamentos do mercado. Deve ser tomado como ponto de partida ao convite da ABA para aprofundarmos as discussões setoriais em prol de uma nova autorregulamentação que eleve o grau de eficiência, qualidade e credibilidade da nossa publicidade em tempos tão desafiadores.
PROPMARK – No anúncio publicado no PROPMARK, entre outros importantes “dizeres”, a ABA “fala” em ética, transparência, responsabilidade. Esses pontos não vêm acontecendo atualmente?
SANDRA – Esses pontos, levando em consideração o contexto descrito na resposta anterior são colocados à prova quando precisam ser adaptados para as tendências modernas e um cenário completamente instável de novos produtos, demandas e relações. É nesse sentido que a ABA entende ser necessária uma evolução urgente e, então, fazemos um convite a todas as entidades representativas e agentes econômicos públicos ou privados do ecossistema a se engajarem em um diálogo edificante.
PROPMARK – Qual seria a remuneração razoável para os anunciantes?
SANDRA – A ABA historicamente trabalha dentro do âmbito institucional, não participando do escopo de negociações ou opinando nas relações comerciais entre anunciantes e players do mercado. Nesse sentido, entendemos que cabem às partes envolvidas nesses relacionamentos acordarem as questões de remuneração da maneira que julguem pertinente, por meio da livre negociação. Defendemos que nesse processo haja transparência como uma boa prática perene.
PROPMARK – A ABA já recebeu apoio à sua proposta/convite para entrar no debate?
SANDRA – A ABA, tendo publicado hoje, 15/3, o “convite ao mercado”, recebeu contatos vindos de players para debate aprofundado sobre o que propomos em nossa carta. Dessa forma, entendemos que o propósito do convite está sendo alcançado e agora continuaremos com nossos diálogos a fim de serem efetivados tais apoios.
RESPOSTAS DO MARIO D’ANDREA
PROPMARK – Qual a sua opinião sobre o movimento que a ABA propõe para discutir uma nova autorregulamentação do mercado?
D’ANDREA – Foi o mercado, unido, que criou o Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão) como um fórum adequado para discutir a autorregulamentação e sempre visando a profissionalização e aperfeiçoamento do nosso setor no país. Isso não quer dizer que as coisas são imutáveis. Tudo pode – e deve – ser aperfeiçoado. Estamos exatamente, todas as entidades juntas, promovendo um forte trabalho para uma atualização do modus operandi tendo em vista o novo mercado de comunicação do país e do mundo. Inclusive com estatutos sendo alterados para facilitar a participação de outros atores do mercado. Ninguém cria nada de novo sozinho. Abandonar o debate é jogar contra a imparcialidade, o equilíbrio entre os interesses. Todos os players da nossa indústria estão participando dessas mudanças – os profissionais de marketing, os veículos de comunicação e agências. E outros serão convidados a participar dessa nova história. Sobre o impacto da ruptura só nos cabe lamentar. É importante lembrar que o Cenp é base de leis federais que regulamentam o mercado da propaganda do país. Um mercado que gera 550 mil empregos diretos e indiretos, paga R$ 2,4 bilhões em salários e multiplica riquezas das empresas – a cada 1 real investido em propaganda, cerca de 10,70 reais retornam a economia, segundo estudo criado pela Delloite utilizando os mesmos parâmetros de vários países do mundo.
PROPMARK – Na sua opinião, o que levou a entidade a propor tal “pacto”?
D’ANDREA – Sinceramente, isso deveria ser perguntado a eles. Pela Abap eu posso dizer que nosso compromisso é pela saúde e profissionalismo do mercado de comunicação como um todo – e não apenas em defesa de interesse de alguns.
PROPMARK – Você acha que o mercado irá aderir à proposta?
D’ANDREA – Cabe ao mercado concordar ou não, mas agora está muito claro quais são os desejos da ABA.
De verdade, espero que um dia tenhamos de novo a ABA na mesa de debates com as demais entidades – lembrando, não só de agências, mas de veículos e de entidades de profissionais. Hoje esse fórum se chama Cenp.
PROPMARK – A ABA fala, entre outras coisas, em ética, responsabilidade e transparência. O tem de verdade nessa questão?
D’ANDREA – No modelo de autorregulamentação a transparência está em todos os itens. Forma de remuneração, identificação de audiência, checking de pós-venda, qual o papel da agência em defesa do cliente junto aos veículos e tudo que faz parte do processo. É um modelo intrincado, com várias condicionantes – mas todas claramente expostas no modelo escrito há vários anos. De novo, o novo mercado exige modernização de muitos desses itens. Concordamos com isso. Mas tudo deve ser feito e pensado no todo – e não apenas nos interesses de uma parte.
PROPMARK – Você acha que esse movimento tem a ver com remuneração?
D’ANDREA – As normas-padrão do Cenp não proíbem outros tipos de remuneração. Você tem total liberdade de remunerar em outros modelos. O Cenp estabelece um parâmetro para garantir saúde financeira e evitar abuso do poder econômico. O modelo brasileiro foi criado para incentivar o profissionalismo das agências, áreas de marketing e veículos. E o resultado desse modelo é reconhecido e invejado mundialmente. Mas eu gostaria de dar um passo para trás e perguntar: por que essa fixação por discutir publicamente a remuneração de uma agência? De onde vem essa “moda”? Não vejo ninguém chamar a OAB para discutir remuneração de advogados, não vejo ninguém querendo discutir remuneração de hospitais ou médicos. Ninguém chama a OAB ou o CRM para discutir ou pedir para que esses profissionais mostrem detalhes de seus custos e suas receitas. Por que teria que ser diferente em propaganda? Aliás, esse é outro problema que vemos hoje. Os destinos do mercado de comunicação sendo discutidos por pessoas que não são publicitárias, nem profissionais de marketing.