Eleito em abril deste ano presidente da Abedesign para o biênio 2015/2017, André Poppovic, sócio da Oz Design, assume o cargo no momento em que a associação completa dez anos. Em sua avaliação, muito foi conquistado para o desenvolvimento da área, que, por outro lado, ainda precisa de maior reconhecimento – principalmente por parte das empresas, que não a enxergam de forma estratégica. Nesta entrevista, o profissional também avalia Cannes e critica a forma como o festival vem julgando os trabalhos do setor de design.
Trabalho na Abedesign já há seis anos. Inicialmente fiquei responsável pela implementação do prêmio BDA, não só a curadoria e a criação, mas também toda a organização e produção dos eventos. BDA é o Brasil Design Awards, é o prêmio dos prêmios, nós criamos um que na verdade engloba todos os outros importantes para a associação, nacionais e internacionais. Isso significa que todo designer brasileiro que participar de premiações nacionais ou internacionais e ganhar prêmios pontua para o BDA, que não tem júri mas se baseia nos júris das outras premiações. Além disso, participei da diretoria, sempre por dentro das discussões, decisões que temos como membros da diretoria.
Quando teve início o BDA?
Começou em 2009 e fui responsável por produzir todos esses prêmios. Agora temos o 2015 e não serei mais o responsável pela produção, mas será repassado para alguém dentro da associação. O prêmio tem suas categorias que englobam todas as áreas.
A partir do prêmio, qual sua avaliação em relação ao design no Brasil?
Acho que o Brasil está muito bem na área de design gráfico, na área de estratégia e branding também aparece forte, e em produto talvez a gente não seja um player tão importante quanto alguns players no mundo, que são Alemanha, Estados Unidos, Japão, normalmente países de primeiro mundo têm essa área mais avançada porque os investimentos são maiores para o design de produto. Aqui no Brasil muitas empresas lançam produtos que são desenvolvidos fora daqui. A gente também acaba ficando um pouco fora desse movimento do mercado, com empresas multinacionais que lançam aqui mas produzem fora. Mas a gente participa e é muito forte também nas empresas brasileiras que têm essa atividade aqui no Brasil.
Falta para as empresas no Brasil entenderem o design como um diferencial competitivo?
Estava até citando a respeito desse assunto, que é o design ladder, uma teoria desenvolvida na Dinamarca que é a escada do design, ela é entendida da seguinte maneira: se refere a empresas, instituições e países também, ou seja, quanto a cultura do design está desenvolvida em países e instituições. Por exemplo, o primeiro degrau dessa escada é quando o design não existe, ele é desconsiderado, as empresas e países que têm zero cultura do design. No primeiro degrau o design é usado como estética, estilo. No segundo, como processo. E no terceiro, o design entra como estratégia. Para países que estão nesse grau de desenvolvimento, que adotam o design como estratégia, você vai ter, claro, uma abrangência muito maior do processo como um todo e a ferramenta muito melhor usada e implementada na cultura como um todo.
O Brasil está em qual degrau?
Hoje, no Brasil, muitas empresas entendem o design como processo. Mas isso varia. Em algumas instituições isso ainda não acontece, em outras sim. Está entre estética e processo. Processo são aquelas empresas que já têm em sua estrutura profissionais trabalhando com design de produto. Já naquelas que desenvolvem todo o produto e só quando está tudo pronto é que buscam uma agência de design para fazer a embalagem, ele entra só como estética, como revestimento. Quando o design faz parte de todo o desenvolvimento do produto, aí sim ele é processo. Estive recentemente em uma missão patrocinada no Vale do Silício, da qual participaram 15 empresários, fomos visitar várias empresas da região, como Google, Airbnb, LinkedIn e várias outras, inclusive IDO, uma empresa que desenvolveu a tecnologia design thinking. Esse processo hoje em dia está implantado em muitas empresas, principalmente do Vale do Silício, que adoram essa metodologia, que é não exclusiva para o desenvolvimento de projetos de design. Ela é extensível a projetos de inovação, o que está sendo muito bem visto por empresas. Ou seja, o design thinking, que é metodologia, processo, passou a ser adotado por empresas.
Qual o papel da associação para ajudar o Brasil a subir degraus nessa escada?
O nosso interesse é que a gente chegue lá em cima da cadeia, desta escada, e possa ter o país entendendo o design como ferramenta estratégica para que a gente consiga agregar valor aos nossos produtos, para que ao invés de exportar commodities a gente passe a exportar produtos com valor agregado que na nossa opinião como categoria é o grande desafio. Para conseguir atingir isso, a gente passa por uma série de etapas que já vem sendo trabalhada nesses dez anos e que acredito já ter avançado bastante nesses últimos anos. O primeiro passo foi estruturar a nossa base, trazer os associados para ter representatividade como uma associação de classe.
Quantos associados têm hoje?
Hoje em dia temos 224 empresas associadas, o que representa aproximadamente 2.200 designers, fazendo uma conta a grosso modo. A gente não tem esse número preciso porque ele oscila, é um número que flutua. É uma boa representatividade dentro do país, temos uma cobertura nacional com filiais pelo país inteiro. Desde o Rio Grande do Sul até o Amazonas, todos os Estados estão representados. Para se tornar um capítulo regional é preciso ter pelo menos nove agências filiadas e aí passa-se a ser uma regional. Nós já temos nove regionais, além da nacional.
O design é muito recente no Brasil, a própria associação é muito recente, ainda não há a regulamentação da profissão…
A CNAE (Classificação Nacional das Atividades Econômicas) foi uma das nossas conquistas, é a maneira de se identificar e qualificar a profissão perante os órgãos do governo. Nós não tínhamos uma classificação, nós éramos “Outros”, o design estava dentro dessa categoria. Então era difícil avançar nesse sentido e conseguir espaço dentro do governo se a gente não tinha nem uma designação dentro do próprio cadastro do governo.
Em relação à regulamentação da profissão, como a associação se posiciona?
Como associação nós não temos nenhuma posição fechada, uma defesa ou uma bandeira que a gente levante em relação a esse tema. Pelo seguinte motivo: o designer basicamente é um maestro. Ele tem que entender um pouco de tudo, ter um conhecimento holístico, ele é o profissional que coordena diversos especialistas em torno de um processo de desenvolvimento de um determinado produto. Esse processo pode incluir profissionais de inteligência de mercado, engenheiros, arquitetos, redatores, linguistas, fotógrafos, ilustradores, enfim, a gente trabalha com diversas especialidades para depois chegar ao produto final. Essa própria formação que é generalista já pressupõe uma atividade que lida muito mais com diversas outras atividades e não de um especialista focado. O design é um pouco diferente. A gente tem casos de profissionais dentro da associação que entendem que deve existir a regulamentação e outros acham que não, que o design é mais generalista.
Quais as principais áreas em que a associação atua?
Construir uma imagem internacional é muito importante e nós trabalhamos para isso, participamos de várias premiações, sendo Cannes a principal, dentro deste festival temos uma participação muito intensa, com sete participações da associação. O objetivo é construir referência internacional, construir a imagem do design brasileiro, e isso se faz ganhando prêmio, não tem jeito. Já ganhamos diversos prêmios, oscila de ano para ano de acordo com os prêmios conquistados, mas nós estivemos entre os cinco países mais premiados do mundo na categoria.
Qual o avanço percebido pela área do design nesses dez anos de Abedesign?
Nós conseguimos avançar também nossas relações com os órgãos governamentais. Avançamos bastante nas negociações com o governo e tivemos diversas conquistas nesse sentido, como cartão BNDES, que financia projetos de design, hoje empresas e agências já utilizam – se os dois estão cadastrados, a empresa pode comprar o serviço de design financiado de forma fácil e isso estimula muito a atividade. Outras linhas de financiamento também foram conquistadas. Conseguimos junto à Apex uma parceria para o setor de vidros que foi uma verba deles destinada a desenvolver projetos de design em empresas do setor de vidro, com verba da Apex, foi um incentivo para que essas empresas passassem a desenvolver projetos de design. Outro ponto é a sustentabilidade, num momento de crise no país a nossa associação tem um vínculo muito forte com o setor público, mas a gente não pode ficar dependendo exclusivamente desse relacionamento, temos de diversificar as fontes de geração de receita, vamos pensar em atividades que proporcionem a sustentabilidade do setor. Tem também a questão da transversalidade do design, que é o design transversal, a gente julga que o campo mais fértil para o design acontecer é aqui no Brasil e é onde tem que acontecer. Em algumas regiões a gente ainda precisa explicar o que é a atividade, como funciona, sua importância, e isso não deveria mais acontecer, o país precisa compreender que o design deve fazer parte do processo todo.
E qual a meta da nova gestão?
Uma das nossas metas para essa gestão é consolidar o processo do design transversal e conseguir ter um plano diretor de design, de alguma maneira a gente tem que fazer isso chegar ao governo. Com isso a gente teria toda a atividade coordenada e dirigida com focos claros para todas as instituições que lidam com design. Depois se estabelece para as empresas como elas vão comprar e gerir o design, já que isso ainda não é claro, e um plano diretor ajudaria nesse sentido.
Como você considera a participação do design brasileiro em Cannes, que teve sete prêmios em gráfico e nenhum em produto?
Foi muito positiva. Sete prêmios é muita coisa. Não tivemos prêmio em produto esse ano, mas em 2014, por exemplo, tivemos. Tivemos bastante shortlist também. Existe aí uma questão importante, que entre os premiados nem todos são associados. A gente não vê problema nisso. A gente entende que está divulgando o design brasileiro como um todo, sendo ou não filiado da associação, pois nosso trabalho é para a promoção do design brasileiro como um todo. Qualquer resultado nesse sentido a gente considera sucesso.
Em relação à categoria como um todo dentro do festival deste ano, qual sua avaliação?
Já fui jurado em Cannes, participei de dentro, acompanho, assim como a associação, toda a evolução do festival. O que a gente tem notado de uns anos para cá é que há uma descaracterização da atividade de design da maneira como ele é entendido em Cannes, é muito forte o papel que as agências de publicidade exercem lá. O que acaba acontecendo é que as campanhas, de um modo geral, são a tônica dominante da maneira das inscrições ganharem prêmio e assim todo mundo vai construindo a mesma forma de agir e isso acaba virando a regra do prêmio. Se olhar todos os ouros de design deste ano, todos eles são campanhas sociais, que movimentaram muita mídia, muita mídia espontânea, bombaram em todas as redes sociais e é isso que dá veracidade para um projeto ganhar em Cannes. Do ponto de vista da atividade em si, ele fica um pouco esquecido, se descaracterizando, perdendo o real significado do que é design. O design tem esse aspecto generalista, as pessoas entendem assim e de fato engloba muitas coisas. Desenhar um som, por exemplo, é design, sound designer, e essa variedade é boa para a atividade. No entanto, para julgar o prêmio a gente talvez devesse se focar no que é específico da atividade e valorizar mais isso. Existe uma desvalorização do que é o core da atividade e de repente virou um vale tudo. E o que é mais valorizado é tudo aquilo que está em volta, e não a essência. Tudo que ganhou ouro nesse ano é campanha. O Grand Prix, por exemplo, que é a tinta spray fosforescente, de segurança, é uma ideia genial, mas é muito mais produto que design. Não é a essência.
Aí ano que vem a gente imagina o que será inscrito, aquilo que dá prêmio? Sinto que Cannes é um terreno muito fértil para a inovação, a publicidade e outras atividades, mas o design está buscando seu espaço lá dentro e não sabe o que ele próprio é. A atividade ficou descaracterizada, a categoria ficou aberta e virou terreno para todo mundo se inscrever e ganhar prêmio lá.