Campanha da Leo Burnett Tailor Made para o Fiat Argo usou dados para a segmentação de mensagens no messy middle (Divulgação)

A netnografia traz como premissa a imersão do pesquisador nas plataformas onde os grupos se reúnem. É possível estudar uma fanpage, perfil no Instagram, lista de discussões, comunidade de marca ou grupo de WhatsApp. O trabalho deve durar, pelo menos, quatro meses para analisar as interações. “Não é só observar, estalquear. E sim, interagir com as pessoas que são mais presentes na comunidade e, depois, entrevistá-las em profundidade”, detalha o professor José Mauro Nunes, da FGV Ebape.

Nas agências, uma das práticas mais comuns é o social listening. Mas apenas observar manifestações públicas nas redes sociais é suficiente para entender os hábitos dos consumidores? “Não adianta agir passivamente. É preciso criar um grupo de trabalho que vai interagir com as pessoas dentro dos núcleos”, avisa o professor Roberto Kanter, especialista em marketing dos MBAs da FGV.

Raquel Messias, chief strategy officer da Lew’Lara\TBWA, acredita que “tudo depende da necessidade e do hábito que se pretende entender”. Por meio de social listening, a agência descobriu que fãs das embalagens de Piraquê pediam roupas com as estampas da marca. Daí veio Piraquê Wear. A moda começou com a cantora Duda Beat, seguida pelo influenciador John Drops, que virou até modelo da coleção.

O radar da Lew’Lara\TBWA é a Backslash, central de inteligência da rede global TBWA, que organiza um relatório anual de tendências a partir da sede em Los Angeles (EUA). Mais de 300 pessoas monitoram manifestações culturais representadas por hashtags e memes, entre outras expressões com reflexos para as marcas. Em 2021, a Backslash divulgou 50 macrotendências, chamadas Edges.

Técnicas híbridas
Da macrotendência do caos, devido à pandemia da Covid-19, vieram microtendências como valorização da nostalgia e a comédia como válvula de escape. “São métodos de observação que podem ser feitos por meio da internet ou vivência offline. Técnicas de pesquisa são híbridas”, defende Raquel. Segundo ela, é possível reproduzir a vivência de campo para o ambiente digital por meio de observações porque “as necessidades são humanas, só estão se tangibilizando na internet, por meio de fotos, posts e manifestações”, opina. Mas é preciso ter ética e respeito aos dados. “Por mais que as conversas estejam ali, não quer dizer que temos o direito de usá-las”, adverte Raquel. De qualquer forma, o mundo digital virou um parque de diversões para quem trabalha com pesquisa.

Renata d’Ávila, da FCB Brasil: diversidade de olhares para construção colaborativa (Divulgação)

“Agora, é muito mais fácil aplicar a etnografia porque posso acompanhar o consumidor por meio de inteligência artificial no WhatsApp”, aponta Alex Espinosa, sócio e head de estratégia, inovação e pesquisa da CBA B+G, do WPP. A jornada pode ser entendida também por meio de diferentes tarefas, significados e testes com realidade aumentada, onde quer que o consumidor esteja, formando grupos que podem cocriar com a marca e gerar valor para a própria sociedade.

Estrela guia
“Vivemos a era do excesso de dados, o desafio é saber qual pergunta precisa ser respondida”, pondera Raquel. O bombardeio de indicadores que inundam hoje o marketing é uma das reflexões debatidas no Vale do Silício com a North Star Metric (NSM). Escolher o dado mais importante para os objetivos do negócio é a diretriz para o crescimento sustentável.

“As pessoas são boas para falar de ferramentas, números e algoritmos. Mas o que isso significa na vida dos consumidores?”, questiona Kanter. Não basta colecionar respostas. É preciso fazer as perguntas certas. “Se não tenho a pergunta que vai me direcionar, qualquer resposta serve”, alerta Kanter. Mesmo com tantas ferramentas, métodos e processos, é no arcabouço cultural que residem as bases para a interpretação dos dados. “Adotamos uma abordagem ‘outside-in’, onde trazemos o olhar do mundo, das pessoas e da cultura para desafio de negócio”, conta Renata d’Ávila, CSO da FCB Brasil.

Redes sociais, comportamentos de busca, vídeos, aplicativos e pesquisas compõem o arsenal da agência, que durante a pandemia entrou com o Projeto Cope para entender o humor dos consumidores em dez países, inclusive o Brasil. Há ainda metodologias proprietárias como o People&Patterns, com mapas de oportunidades centradas nas pessoas e não no canal de compra. Chamado Bando, o modelo de trabalho integrado do planejamento com as áreas de data intelligence e mídia tem sido decisivo. “A criação precisa da diversidade de olhares e backgrounds para uma construção colaborativa com o cliente”, frisa Renata.

Social listening indicou vontade dos fãs vestirem roupas com estampas de Piraquê em ação da Lew’Lara\TBWA (Divulgação)

Foi de uma thread no Twitter falando sobre boca de fogão que veio uma iniciativa promocional para a Consul. Já a nova relação com a casa rendeu para a Brastemp o debate premente sobre a divisão de tarefas domésticas. Pauta assídua nas conversas de consumidoras apaixonadas pela marca, o Leite Moça, love brand da Nestlé, retribuiu o carinho em ação que substituiu a camponesa por mulheres reais para celebrar os seus cem anos.

Arte e sabedoria
“As máquinas não vão acabar com a arte de transformar dados em sabedoria”, garante Espinosa, da CBA B+G. Para Marie Alonso, diretora de estratégia da Leo Burnett Tailor Made, a interpretação pode levar a estudos mais aprofundados, dependendo do objetivo do projeto, seja mercadológico, de tempo ou investimento.

Entrevistas em profundidade com formadores de opinião, grupos focais ou invasões de cenário podem ser utilizadas em ações exploratórias. E para testar hipóteses, são levantados estudos anteriores e pesquisas quantitativas. O cruzamento de metodologias também enriquece as decisões. “Monitoramos redes sociais não apenas para responder a algum job específico, mas para detectar sentimentos e opiniões”, complementa Marie.

A Leo Burnett Tailor Made utiliza a PainPoint Mandala, metodologia proprietária de rastreamento de conteúdo social, que aponta os principais atritos ligados a um determinado assunto. Há ainda a TrendsMaps, que mostra diariamente os assuntos mais comentados e compartilhados nas redes sociais; e a Influencer Maps, que identifica celebridades pertinentes para os projetos. A agência cita como exemplo a campanha Fabulosas Histórias, do Fiat Argo, que usou dados para a segmentação de mensagens no messy middle – todos os targets nas etapas do funil.

Marcia Neri, da Tech and Soul: conhecimento traduzido em ações de marketing (Divulgação)

Cara a cara
A Tech and Soul também deixa exemplos. No processo de reposicionamento da Mitsubishi, o briefing foi o resultado de uma experiência vivenciada por meio de sprints com os times da marca e da agência. Outro ano com viagens limitadas pela pandemia, 2021 desvendou com Mitsubishi a possibilidade de explorar novos destinos do Brasil na campanha Drivelines. “O Instagram é a rede social mais relevante para a marca”, destaca Marcia Neri, consultora e head de estratégia para a Mitsubishi na Tech and Soul.

O processo de monitoramento das redes sociais de Mitsubishi é feito a partir das informações coletadas dentro dos canais oficiais da marca cadastradas no Buzzmonitor, ferramenta que permite analisar se os comentários são passíveis de resposta e interação. As manifestações são classificadas com tags para facilitar o mapeamento e a geração de relatórios. “Buscamos entender o sentimento do comentário, o assunto abordado, o tipo de usuário que está falando e o veículo citado”, elenca Marcia. Também são considerados o crescimento de fãs e seguidores nas redes, o post mais relevante no mês, os acertos do período e possíveis melhorias.

O sócio e CEO Claudio Kalim admite que “cada processo acontece de um jeito, mas definitivamente exige que conversemos com as pessoas cara a cara”. A personalização define o grupo de profissionais multidisciplinares que trabalhará no projeto. Entre as ferramentas utilizadas, estão a Double Diamond, que guia o processo de descoberta, definição, desenvolvimento e entrega; e a Radar, que traz provocações baseadas em evidências.

Na fase de descoberta, é realizada a Blue Print, pesquisa desenvolvida pelo Facebook para mapear interesses e assuntos do dia a dia. “Não fazemos perguntas, observamos comportamento. Esse conhecimento é transformado em estratégia e aplicado na criação das campanhas”, relata Marcia. O planejamento inclui pesquisas de institutos ou estudos encomendados de acordo com o desafio. Quando a campanha está no ar, os dados são transformados em estratégias para potencializar os resultados, deixando lições para as próximas investidas.