Um ano que já seria naturalmente atípico para o mercado de agências, por conta das eleições e Copa do Mundo, ganhou contornos ainda mais dramáticos com eventos inesperados como a greve dos caminhoneiros. A sensação geral do mercado é que os dias de paralisação trouxeram impactos muito maiores do que se imagina à confiança das marcas em investir. E a própria forma como se deu a corrida eleitoral, com discursos inflamados, tornou o ano do mercado ainda mais imprevisível. “Este foi um ano com um elevado nível de incertezas em vários aspectos que envolvem a economia do país, entre eles a corrida eleitoral, que travou diversas ações e estratégias, uma vez que o ambiente ainda estava indefinido, o que levou as marcas a segurarem estratégias. O mercado ficou em stand by e os investimentos retraídos para aguardar o seu desfecho e os possíveis caminhos a serem seguidos. A partir das definições, já sentimos um movimento de retomada”, analisa Rodolfo Medina, presidente da Artplan.

“Havia uma grande expectativa com o principal evento esportivo do mundo, mas um mês antes veio uma greve com efeitos desastrosos para a economia e por consequência isso impactou o investimento de algumas marcas”, avalia Eduardo Simon, CEO da DPZ&T. A questão, segundo o executivo, é que o ano começou com algumas boas expectativas em função de todos os ajustes que vinham sendo feitos na economia, aliados ao fato de que existia uma necessidade represada do mercado de voltar a investir após anos ruins. “A greve contaminou o período da Copa, o que fez com que perdêssemos a oportunidade de ter um ano mais forte”, analisa Simon.

Como efeito prático, anunciantes seguraram estratégias mais arriscadas. “O mercado publicitário sofreu junto com a economia e teve fôlego somente na busca da performance, do ROI, das vendas, com o intuito claro de manter a estrutura ativa. Não fez investimento em grandes campanhas de construção de marca, acabou atuando como um mercado reativo”, analisa André França, vice-presidente de mídia da WMcCann. Ele enxerga, no entanto, que após a conclusão das eleições o mercado já reagiu positivamente.

“Foi mais um ano em que o brasileiro sentiu o baque da perda do poder de consumo, mas um ano que termina com raios de otimismo e de esperança de recuperação. Um ano que soma crise econômica, impactando em redução de investimentos por alguns clientes, período eleitoral, que impacta diretamente no investimento publicitário, com esse momento de transição que o mercado vive, acredito que o principal desafio do mercado era atravessar esse ano com perspectivas positivas e até contar com um crescimento sustentável. Acho que foi um ano importante para o mercado reforçar sua missão e planejar seus próximos passos”, resume Renata Serafim, CSO da Lew’LaraTBWA.

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Transformação interna
Apesar do clima de indecisão e bastante desafiador, o ano trouxe aspectos positivos ao mercado publicitário. O principal deles, talvez, seja ter absorvido que, para além da crise macroeconômica, há uma situação específica no mercado de agências que deve ser enfrentada. Na visão de Renata, o mercado vive um importante momento de transição. “Estamos aprendendo a dar mais espaço para a tentativa e erro, e a beleza de aprender com isso, a ressignificar a relação com os clientes e nossa relevância como fornecedor. Como toda transição, não é fácil, nem indolor. Mas eu acho que o mercado em geral está terminando esse ano mais fortalecido e mais consciente de sua capacidade. 2019 será um ano de mais coragem e amadurecimento. Acho que 2018 foi a fase do casulo. Ano que vem algumas borboletas já vão começar a surgir”, avalia.

Outras agências levaram a cabo planejamentos para um cenário de mudanças. No caso da Artplan, a empresa já desenhou um plano estratégico até 2022. “Provavelmente, a agência será diferente, mas não no ‘core business’ de entregar ideias poderosas para os nossos clientes, isso sim nunca se altera, mas, sim, de pensar em como fazer a diferença no negócio”, diz Medina.

“A agência não precisa mudar, ela precisa se transformar. E este é um momento interessante. Outros desafios estão em achar o equilíbrio entre gerir e criar. O sucesso de uma empresa se deve, em partes, a uma boa administração. Falo sobre uma gestão que englobe tudo, não apenas a satisfação e possível fidelização dos clientes como também de todos os funcionários envolvidos no processo de criação e desenvolvimento dos projetos”, completa o líder da Artplan.

A Talent também tem mais claro como 2018 ajudou a empresa a entender onde o mercado pode se fortalecer. “Os últimos anos têm feito aparecer com mais protagonismo alguns atributos do mercado. Em 2018, com os problemas que a indústria enfrentou, eles atingiram a potência máxima e se tornaram pilares. O primeiro deles é o talento, não apenas criativo, mas também comercial e em outras áreas. A segunda questão é do valor dos dados e a sua interpretação, que, se bem usados, permitem extrair tendências ou atitudes recorrentes. E o terceiro, é a necessidade de termos uma operação mais produtiva. Até então, o talento segurava uma agência, mas isso mudou. No ano que vem, as agências precisam conjugar virtuosamente esse tripé”, opina João Livi, CEO e CCO da Talent. 

“Estamos vivendo o começo de um ciclo de transformação muito importante do mercado. Existe uma ressignificação dos papéis das agências na relação com os clientes, que estão mais maduros no tipo de expectativas que eles têm das agências, além do amadurecimento também do uso de dados e tecnologia, o que influencia bastante os negócios”, resume Eduardo Simon, da DPZ&T. “Ao meu ver, estamos no início de um ciclo que deve durar mais uns dois ou três anos construindo um novo posicionamento para as agências. Algumas devem sair fortalecidas, enquanto outras deixarão de existir. Percebemos neste ano que, claramente, as mudanças são inexoráveis; não há mais espaço para protelar”, decreta Livi.

“Ficou clara, em 2018, a necessidade de mudança do modelo de negócio, da operação. O mercado tem tentado entender a nova realidade e se refazer. Um cenário que vai continuar exigindo uma nova dinâmica e melhor entendimento do significado de transformações contínuas, fundamentais para entregar mais valor para o cliente”, diz André França, da WMcCann.

 

Novos concorrentes
O mercado de agências se viu, em 2018, especialmente atento a concorrentes como consultorias e in-house agencies, o que as fez buscar o seu real valor agregado. “Manter a relevância e a qualidade das entregas mesmo com a entrada de novos players e consultorias, mesmo com as reduções de verbas e revisões de contratos. 2018 obrigou as agências a reverem seus modelos, tamanhos e estruturas. Não foi fácil, mas tenho certeza de que muitas saíram fortalecidas e mais preparadas para enfrentar as turbulências dessa instabilidade econômica”, avalia Álvaro Rodrigues, CEO/CCO Fullpack. Ele também notou cautela dos anunciantes no ano. “A falta de uma perspectiva clara, de um horizonte de investimentos fez com que os empresários ficassem ainda mais cautelosos. O mercado viveu revisões de verba e planejamentos orçamentários. Foi um ano onde a nossa atividade precisou ser ainda mais criativa para fortalecer e construir marcas”, reforça.

Outro aspecto de impacto do mercado de agências foram as movimentações de grandes grupos, especialmente no WPP, que simplificou sua operação promovendo fusões como da Y&R com a VML (as agências mantêm lideranças independentes no Brasil) e JWT e Wunderman, sem contar o anúncio de que a operação de pesquisa Kantar está à venda. Para as agências independentes do mercado, o fato é visto como vantagem. “Tivemos fusões em grandes redes mundiais e muitas concorrências importantes ocorrendo aqui no Brasil. Acreditamos que as mudanças que precisam ser feitas acontecem mais rapidamente aqui dentro, pois não há burocracia como uma grande holding internacional”, afirma Piero Motta, sócio e fundador da We. “Assim como todo mercado, nosso maior desafio foi se manter relevante em um ano difícil e continuar entregando um trabalho de excelência para os nossos clientes. Quem possui clientes que são patrocinadores da Copa tem o ano agitado, enquanto quem não tem, nada em águas calmas até o assunto passar. A incerteza das eleições também manteve muitos anunciantes cautelosos”, avalia.

Mais um grande desafio do mercado em 2018 foi definir sua oferta de valor em meio à transformação digital do cliente. Novos serviços precisaram ser pensados e oferecidos às marcas.
“Só ser o mestre em comunicação não basta. Entendimento de negócios e contribuição estratégica com expertise em forma, meios e conteúdo é, na minha opinião, o caminho, mas não tem uma receita pronta. A única certeza é de que tudo está mudando e não vai parar. As agências precisam entender essa urgência e liderar o processo, senão viram passageiras”, diz Flavio Nara, sócio e COO da Z515.

“Mas foi um ano de muito papo e pouca ação. Desde o desequilíbrio de 2017, com a crise política, o Brasil viveu na expectativa de uma retomada de crescimento – que não aconteceu. Depois veio a greve dos caminhoneiros que, apesar de breve, instituiu a lógica da crise, e aí a polarização das eleições. No final, ficou o rescaldo de um ano em branco, apesar do esforço das empresas e negócios em fazer acontecer. Estamos ficando mais resilientes”, completa Nara.

Para Ricardo Calfat, sócio e COO da agência REF+, um ano que começou com projeção de crescimento de PIB de 3% e termina com menos de 1,5% afetou o ambiente de negócios. Mas sua visão é positiva, especialmente a partir do terceiro trimestre do ano. “Sentimos que começamos a criar o ambiente para a retomada do mercado, com a volta da segurança dos clientes. Esse processo tem apresentado também uma readequação na relação entre agência e anunciante, criando uma atuação conectada e inserida no seu business, em consequência direta de uma nova dinâmica de consumo dos brasileiros. Com os budgets mais enxutos e mais plataformas para investir e impactar os consumidores, as agências tiveram de investir em seus diferenciais criativos, fazer mais levantamentos e pesquisas de dados, garantindo às marcas anunciantes as melhores opções para chegar aos objetivos estabelecidos”, resume.

Sob o ponto de vista do Sindicato das Agências de Propaganda (Sinapro-SP), que conhece bem a realidade de milhares de agências de portes pequeno e médio, é necessário que o mercado encontre um equilíbrio maior nas relações que regem o mercado.

“Estamos construindo um modelo mais adequado para o nosso mercado com as reuniões do Cenp, onde encontramos um ambiente apropriado para esta tarefa, pois lá se concentram as agências, os anunciantes, os veículos e os fornecedores de serviços publicitários”, diz Dudu Godoy, presidente do sindicato.