Eleita no último mês para comandar, pelo terceiro mandato consecutivo, o conselho da Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), Leyla Fernandes (sócia da Produtora Associados) fala sobre a dificuldade de se combater as práticas nocivas ao mercado, que ganharam força com o processo de globalização. Mesmo apostando no diálogo para solucionar os entraves do meio, Leyla promete lançar, no próximo ano, novo código de conduta, que deverá ser seguido pelas produtoras associadas.

Hoje, para sobreviver no mercado, muitas produtoras se rendem a exigências, impostas pelo anunciante ou agência, que vão contra os interesses da categoria. Como a Apro tem lidado com esse tipo de postura?
Mantemos um diálogo constante e objetivo com a Abap (Associação Brasileira das Agências de Propaganda) e ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes) para evitar práticas que não são positivas para nenhum dos lados. Isso envolve a análise das normas utilizadas em outros países e que muitas vezes são adotadas aqui como padrão. O que buscamos é o esclarecimento do que pode ou não ser adaptado no País, sem ser nocivo ao mercado. Isso exige a avaliação de vários fatores. Também buscamos orientar as produtoras associadas, por meio de workshops que realizamos com frequência.

Quais práticas são mais recriminadas e usadas no mercado?
O não respeito aos direitos conexos e ao prazo de pagamento. Também temos a questão das mesas de compras, que sempre buscam o melhor preço, deixando de lado aspectos importantes como o olhar artístico do diretor e a própria estrutura da produtora, o que pode comprometer a qualidade final do filme. É um diálogo muito difícil com o anunciante, que muitas vezes vê a questão só pelo lado financeiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a mesa de compra funciona melhor porque lá eles trabalham com um orçamento anual, o que torna a negociação mais flexível. Aqui, geralmente, é por job. Em relação ao direito conexo, muitos anunciantes utilizam o argumento de que nos Estados Unidos não existe esse tipo de cobrança, só que lá o custo com elenco é muito maior. Tanto que os Estados Unidos são os nossos principais clientes estrangeiros. Muitas vezes é mais vantajoso produzir aqui do que lá.

Por que é tão difícil controlar e impedir ações que vão contra a Constituição (como é o caso do descumprimento da lei de direitos autorais), ou mesmo, as que já foram amplamente debatidas e recriminadas no IV Congresso?
A verdade é que o mercado é muito grande e o volume diário de trabalho nas produtoras muito intenso. Muitos erros são cometidos pela falta de informação. Por isso realizamos um trabalho de “formiguinha” para conseguir passar todos os detalhes necessários. Participamos dos principais fóruns de comunicação, a exemplo do ForCom, realizado neste ano. Também realizamos um trabalho focado no dia-a-dia das produtoras, por meio de workshops sobre assuntos pontuais, além de acompanhar os principais processos, acionando o nosso departamento jurídico sempre que necessário e participando do diálogo entre produtoras, agências e anunciantes, para minimizar as ações que contaminam o mercado.

Como essa nova gestão da Apro pretende combater essas práticas?
Hoje em dia existe uma competição voraz entre as agências de publicidade, motivada pela agilidade do anunciante em trocar de agência. Isso gera um clima de ameaça, que é negativo para qualquer negócio. Mesmo que as produtoras trabalhem job a job, elas precisam administrar essa nova realidade de mercado, que nem sempre é favorável a elas. Estamos preparando, junto com a Abap, um novo código mais específico de conduta para as produtoras, que deve ser lançado no próximo ano. A punição que podemos dar às produtoras que desrespeitarem as práticas é a expulsão da Apro. Mas antes que isso aconteça, tentamos dialogar.

Já houve casos de expulsão?
Não. O diálogo tem dado bons resultados até então.

Com a crise, alguns anunciantes ampliaram o prazo para o pagamento de fornecedores. Como o mercado enfrentou tal situação?
Não considero que tenha sido somente reflexo da crise. Essa é uma nova situação, dentro do processo de globalização, com a qual o mercado teve de se adequar e que envolve toda a cadeia de compra. O sistema se tornou mais burocrático. Evidente que isso reflete no andamento do processo de produção como um todo. Mas nesse ponto, foi mais fácil ter jogo de cintura para discutir com a mesa de compra. A gritaria ficou mais pontual. Nenhuma produtora tem fôlego de caixa para manter três projetos grandes, por exemplo, com atraso no faturamento. A empresa quebra. Hoje o que é proposto é o faturamento imediato e prazo de 30 e 60 dias.

O cenário já melhorou?
Com a crise, o que aconteceu na verdade foi a queda no volume de trabalhos, que estamos sentindo, principalmente, desde o último mês de junho. Também houve queda no valor dos trabalhos. O que custa R$ 500 mil, o anunciante quer pagar R$ 400 mil. 

O Brasil é um dos poucos países a trabalhar com pool de produtoras. Essa prática tende a continuar?
Hoje o pool (processo no qual um anunciante mantém um grupo de produtoras para trabalhar suas campanhas) está se esvaziando e ficando sem sentido. A proposta era reduzir os custos, o que hoje não acontece. O volume de trabalhos também já não justifica o processo. Para mim, hoje o pool não é bom para ninguém.

Como você avalia o mercado de produtoras hoje no País? 
Considerando as produtoras de atuação nacional, a maioria full service, acho que já estamos trabalhando bem no limite. Não há mais muito mercado para novas produtoras com esses padrões. O que podemos é avançar na qualidade, que até então tem sido mantida, apesar de todas as loucuras do mercado. Isso é uma vitória.

A Apro investiu R$ 2 milhões em ações no Festival de Cannes deste ano. Qual foi o retorno?
A ação foi muito bacana e mais uma vez conseguimos divulgar o nosso padrão de qualidade. Entretanto, o retorno real desse investimento geralmente aparece entre os meses de novembro e março. Só então poderemos falar em números.

Há avanços no mercado internacional?
Investimos em ações para divulgar as produtoras lá fora que têm apresentado resultados bem positivos. Uma delas é o projeto que mantemos há cinco anos em parceria com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos)  para apresentar o País no exterior como um pólo produtor, divulgando institucionalmente o potencial das produtoras e do Brasil como cenário para locação. Hoje temos produções publicitárias de primeiro mundo e somos verdadeiramente competitivos. Muitas produtoras brasileiras estão empenhadas em projetos internacionais e também estamos “vendendo” mais os nossos diretores, o que é fantástico.

por Daniela Dahrouge