Branquinho: hoje vemos excelentes campanhas saindo de um número maior de agências

 

Rui Branquinho, vice-presidente de criação da Y&R, estreia em Cannes no júri de Film, um dos mais concorridos do festival – e também o mais antigo de todos, criado em 1954. A área é, por isso mesmo, uma das categorias mais desafiadoras, cheia de vaias, aplausos, lágrimas e gargalhadas, como ele próprio descreve. “Nenhuma outra categoria, videocase ou prancha pendurada faz isso”, diz o criativo. Film é único. E para ele é um enorme orgulho julgar a categoria. “Nossa Senhora de Fátima me ajude”, brinca Branquinho, que conta, nesta entrevista (veja a seguir os principais trechos), um pouco do que sente em relação ao Cannes Lions, as mudanças no mundo da propaganda, sua participação no complexo júri e revela ainda algumas de suas apostas para Leão.

Sabor especial
“É uma honra ser jurado dessa categoria. Além de ser a categoria mais antiga, a que deu origem ao festival, é ainda hoje a mais prestigiada – mesmo com a queda prevista para este ano de quase 10% no número de inscrições. Conquistar um Leão em Film terá sempre um sabor especial. Por tudo isso a responsabilidade é gigantesca, é a última premiação da semana, que encerra o festival e que é decisiva para definir os grandes prêmios como Agency of The Year e Network of The Year. É a categoria dos auditórios lotados, que congrega as pessoas, todos veem juntos, e das reações das pessoas. Vaias, aplausos, lágrimas e gargalhadas… Nenhuma outra categoria, videocase ou prancha pendurada faz isso.”

O premiável
“O impacto. Uma boa ideia impacta, uma produção extraordinária também. Você pode ter várias reações a um filme, mas ele só é um grande filme quando gera isso. Um filme para mim não é um monólogo, é sempre diálogo. A boa ideia gera reflexão, convencimento ou comentário. Filme bom não acaba quando termina, entra na cabeça ou no coração das pessoas e não tem hora para sair. Vira piada, vira bordão, tem uma trilha marcante que você assobia e sempre acaba voltando, trazendo de volta a mensagem.”

O que mudou?
“De verdade, muito pouco mudou em Film. Só mais tecnologia que permite quase tudo. Vejo coisas de décadas passadas que ainda hoje são geniais e não precisaram de tantos recursos. Um belo roteiro, um diálogo bem construído ou uma história envolvente nunca perdem a magia. Os bons filmes viram clássicos tal qual certos livros ou discos. Muitos são atemporais e tratam de sentimentos, situações ou argumentos que independem do ano em que foram criados. Sem ser saudosista, mas consigo me lembrar de mais filmes com mais de dez anos do que de coisas mais recentes.”

Relato
“Filme é filme. Vi muitos cases contando ações de outras categorias na categoria Internet Film ou Viral Film. Minha visão pessoal é que isso não é filme, é um relato, quase uma reportagem ou explicação. Sei que muita coisa assim já foi premiada antes, mas esse é meu critério. Embora cada vez mais sofisticados, esses cases não têm o mesmo nível de preocupação com acting, luz, direção que um bom filme deve ter. Muito menos um roteiro ou ideia. O objetivo é outro. Filme é único exatamente por causa disso.”

Mais inscrições
“Para o festival e para as agências faz sentido inscrever em muitas categorias. Mais inscrições e mais possibilidade de Leões. Mas sempre fico com a dúvida se boas ideias deixam de ser premiadas em determinadas categorias para re-premiar outras campanhas que muitas vezes não têm a mesma adequação na subcategoria em que estão. Como em Cannes há muitos júris, não acontece tanto de o mesmo jurado ver a mesma peça dez vezes… Se isso acontecesse, acredito que seria humano que a peça tivesse menos atratividade e consequentemente menos prêmios.”

Oscar
“Cannes continua sendo o Oscar. Cobiçado. Acompanha o mercado, as mudanças, cria categorias e consegue manter seu prestígio. Cannes dita tanta moda que parece que os outros festivais só se sentiram seguros para criar novas categorias depois que ele fez isso. Cannes também acerta ao valorizar ‘os caras’ da profissão. O festival sabe da importância de ter um Martin Sorrell, um John Hegarty, Dan Wieden ou um Joe Pitka por perto. Eles fizeram o mercado, merecem reverências e respeito. Colocá-los em um painel, como presidente de um júri ou simplesmente homenageá-los, dá mais credibilidade e legitimidade a Cannes. E ainda vejo um potencial enorme ainda a ser explorado, mas considero fundamental que a infraestrutura evolua também. O Palais hoje lembra Cumbica. Também acho que mais coisa precisa ser feita para que profissionais no começo da carreira possam ter acesso ao festival. Hoje, principalmente por custo, é quase um sonho para a maioria deles. Talvez para europeus tudo fique mais acessível pela proximidade e pela própria moeda, mas para sul-americanos, asiáticos, é complicado.”

O melhor
“O melhor de Cannes é sair de lá melhor do que chegou. Cannes ficou mais rico, com certeza. A atração de clientes, os workshops e palestras deram mais vida ao festival. Você sai de lá com uma visão mais completa – e complexa – das várias disciplinas. Sai de lá sabendo o que é considerado outstanding em Direct, Promo, Mobile… É caminho sem volta. Se estamos em busca de criatividade aplicada em comunicação, não podemos ser seletivos e só aceitar o que vem daqui ou dali… Vale tudo. O melhor da criatividade pode estar em qualquer lugar, totalmente improvável ou não tão nobre e badalado. Vale cavar em qualquer canto em busca dele.”

O pior
“O pior é ir até lá e não aproveitar tudo o que pode ser aproveitado. Voltar só com um bronzeado que dias depois desaparece.”

O júri
“O júri em Cannes é complexo. Por ser o prêmio mais valorizado, a disputa é acirrada. O próprio vídeo de boas-vindas do presidente do festival que os jurados receberam já deixa claro as preocupações: nacionalismos, defesa de networks… Tudo é bem controlado e vigiado. Isso é bom porque tenta evitar maiores desvios, mas não há como negar que, como todo júri, é bastante político também. O papel do presidente é fundamental e, no caso de Film, este ano acredito que o Amir Kassaei (CCO global da DDB, que vai presidir o júri de Film deste ano) possa ajudar bastante. Encontrei rapidamente com ele durante o julgamento do D&AD e ele me pareceu bastante objetivo. Não conheço bem nenhum dos jurados, mas lendo suas biografias no site de Cannes e falando com pessoas que os conhecem bem, viajo com a impressão de que é um júri interessante e com histórias bastante diferentes. Acredito que antigamente o julgamento era mais surpreendente. Havia muitas peças que só tínhamos acesso ali, muita coisa vista pela primeira vez, antes da profusão de sites como o Ads of The World, BestAds.  Hoje qualquer um mediamente atualizado já conhece mais de 50% do que tem chance de Leão.”

Eu e Cannes, Cannes e eu
“Fui a Cannes pela primeira vez em 1993 – prêmio dado pela Editora Abril para um anúncio meu e do Cesar Finamori para J&J. Fomos de carro de Barcelona para Cannes. De lá para cá voltei sempre que possível. Raros foram os anos em que não fui. Já aconteceu de tudo: ter que voltar correndo por causa de uma concorrência que apareceu… Cada ano é um ano e uma experiência diferente. Isso torna a ida ao festival ainda mais especial.”

Eu, jurado
“Tentarei destacar toda e qualquer peça que considere digna de premiação independentemente de país ou network. Por outro lado, não deixarei que as peças do Brasil sejam prejudicadas. Sinceramente não estou preocupado com o número de Leões que o Brasil poderá ganhar.”

Ano passado
“O resultado foi muito bom, mas pontual. Foram cinco Leões. Tínhamos três filmes bem acima da média: Dove, Leica e Getty. Tivemos ouro, prata e bronze. Não podemos entender o resultado como uma evolução, não. Foi um ano atípico.”

Média
“Se compararmos com o material do ano passado estamos bem abaixo em chances. Há coisas com chance, mas nada que chegue perto desses três filmes do ano passado. Ainda não recebi o material de algumas agências, mas a média do que vi até agora não é tão boa quanto a de 2013. Não considero isso um problema, e sim um reflexo da qualidade do nosso trabalho. Acho que vale reflexão, embora já seja um ‘problema’ há décadas.”

Como melhorar?
“Pergunta vale milhões. Acho que é um conjunto de coisas: mais e melhores diretores, mais desejo de arriscar por parte dos clientes, prazos mais adequados para as produções e, claro, criativos cada vez mais talentosos. Até temos essas coisas no mercado, mas muitas vezes de forma isolada: quando queremos arriscar não temos verba, quando temos um baita roteiro não temos prazo. Só quando há um alinhamento de planetas é que temos tudo no mesmo projeto.”

História
“Comecei na DPZ, depois TBWA, W/Brasil e agora Y&R. Sou e serei eternamente grato à DPZ e à W por terem feito parte de um período de formação profissional essencial e me ensinado a respeitar a profissão, defendê-la e ter orgulho de cada peça que colocamos na rua. A busca pela ideia coerente e consistente era um mantra nas duas. Depois de uma aventura tentando ter minha própria agência com alguns sócios, fiquei trabalhando um ano para a Globo.com, período riquíssimo nos primórdios do mundo digital. Sempre me incomodo quando não estou aprendendo algo novo e talvez o que faltasse na minha carreira encontrei na Y&R em 2011 – a gestão de pessoas e o lado mais empresarial da coisa.”

Mudanças
“O mercado publicitário mudou nos últimos anos. Hoje vemos excelentes campanhas saindo de um número maior de agências antes restrito a duas ou três. Isso é ótimo, é sinal de maturidade do mercado. Mais players entregando qualidade e mais lugares para os profissionais trabalharem. A Y&R é sem dúvida uma delas. É animador, mas ainda há muito que evoluir. Talvez isso possa barrar um pouco a saída de excelentes criativos brasileiros que deixaram o mercado, algo preocupante. Há uma troca de comando criativo nas agências, uma nova geração de 40/45 anos e é fundamental que esse novo grupo consiga ficar mais próximo, mais unido, para juntos conquistarem novas coisas ou resgatarem coisas que perdemos nos últimos anos. Todos sairiam ganhando e talvez isso devolvesse ao mercado uma maturidade digna de outros países. Meu objetivo principal é colocar a Y&R no centro desses próximos movimentos, acompanhando o mercado e fazendo parte desse ainda seleto grupo de agências reconhecidamente criativas.”

Trabalhos brasileiros
“É fundamental ver o trabalho brasileiro antes de embarcar. Saber mais sobre cada um deles para ter argumentos caso haja necessidade de discussão durante o julgamento. Pedi que me enviassem trabalhos, ainda aguardo alguns.”

Apostas
Epic Split da Volvo é bola cantada. O filme do Papa para TyC é uma obra-prima mesmo tirando barato do Brasil. E falando em Brasil… Do que vi, tem Kombi da AlmapBBDO, CNA da FCB, BillBoard da Ogilvy, Fiorino da Leo… mas de novo não vi todo o material brasileiro e esses são os que vieram à minha cabeça. O que não deixa de ser bom sinal.”