Foi meu segundo ano em Austin. Ao embarcar, uma mistura de sentimentos. Já esperava por dias intensos de informações, encontros e reflexões. Por outro lado, eu também sabia que viriam decepções e, intimamente, torcia por surpresas. Estava me sentindo “preparada” para lidar com o tão falado FOMO (Fear Of Missing Out) que assola a todos no SXSW. O que não dá para perder mesmo é a coragem para enfrentar certos assuntos que fazem aumentar nossas incertezas sobre o futuro em um mundo tão cheio de invenções e conquitas/armadilhas tecnológicas. Ao mesmo tempo,  como “profissional de marketing” é sempre um desafio ter que pensar como fazer alguma diferença dentro deste contexto. Haja energia para aguentar firme a maratona.

Como previsto, as temáticas do nosso tempo estavam todas lá: VR, AI, blockchain, máquinas, propósito, mulheres, diversidade, auto-ajuda. Uma enxurrada de informações que não tenho a pretensão de resumir aqui. Chegando em casa, me fiz uma pergunta: o que mais mexeu comigo nesses dias intensos? Respostas vieram trazendo vários sentimentos e também perguntas que quero dividir aqui.

De início, vale lembrar as palavras de Eddy Cue, vice-presidente de software e serviços de internet da Apple que, em um bate papo, falou sobre “curadoria com valores”. Enfatizou que precisamos refletir sobre os valores que queremos passar para a sociedade. Valores são como guias. Mas valores também são escolhas: evocam responsabilidade.

Nessa mesma linha, o extraordinário Marcus Collins, no painel “Emoticulture: how data & science create hapiness”, lembrou que nós, profissionais de marketing, somos responsáveis pelas mensagens que construímos. Não somos meros coadjuvantes. Por este ângulo,  também está em nossas mãos contribuir para a gestação de um mundo mais acolhedor, positivo e humano. Ou seja, a mensagem que geramos importa. Inspirar sentimentos inclusivos e construtivos faz parte de nossa responsabilidade.

Porém, isso não significa querer “carregar o mundo nas costas”. Nesta conversa sobre responsabilidade, há dois polos a evitar: de um lado, trata-se de descartar a prepotência de um marketing que acha que tudo pode, de outro lado, deve-se evitar certa indiferença que gera um “lavar as mãos” com as consequências das mensagens veiculadas. Aqui estamos falando de responsabilidade como parte de nossas escolhas. Nessa perspectiva, não foi por acaso que Esther Perel, já no primeiro dia, arrebatou quase três mil pessoas ao falar sobre amor e como nossas escolhas afetivas nos moldam e nos definem.

Confesso que, até então, eu estava me sentindo contemplada no mundo das ideias e boas intenções. Mas foram as palavras do professor Hans Georg Naeder que me permitiram vislumbrar como em nossa profissão não lidamos apenas com o mundo das ideias, lidamos também com sua materialidade. Naeder falou sobre o desenvolvimento de novas tecnologias para ajudar pessoas a recuperar ou manter sua mobilidade. Ele faz parte da terceira geração do maior fabricante de prótese ortopédicas do mundo e, junto com Aimee Mullins, modelo que foi amputada abaixo do joelho quando criança, e Hugh Herr , professor do MIT considerado líder da “Era Biônica”, conduziu o painel: “Extreme Bionics: The future of Human Ability”.

Correndo o risco de ser piegas, confesso que este painel arrebatou meu coração. Para mim, foi quase uma metáfora positiva do nosso fazer profissional: o avanço tecnológico no centro, mas com o foco concentrando na melhoria da vida das pessoas. O consistente trabalho do professor Hans, a beleza corajosa da Aimee e a inspiração do Hugh refletem impactantes escolhas pessoais, expressando os limites e as possibilidades tecnológicas do tempo em que vivemos. A conexão entre sentimentos, valores e seus suportes materiais sugere que nossa responsabilidade como profissionais tem base tanto em saber aproveitar ao máximo o estágio do desenvolvimento material da tecnologia, quanto em fazer escolhas  que reafirmem os valores nos quais acreditamos.

A  perspectiva de um mundo mais afetuoso me fez acreditar que estamos dando bons passos. Concretamente, a combinação entre valores, responsabilidade e afeto se destacou na inspiradora história das próteses contada pelo professor Hans Georg Naeder. As reflexões aqui surpreenderam por evitar a prepotência e por nos afastar da indiferença. Mas será que nesse cenário as escolhas estão de fato em nossas mãos? Deixei o SXSW acreditando que mesmo com tanta tecnologia e questões sociais que escapam do nosso controle, somos nós que decidimos qual é o próximo passo. Por isso, falar sobre pessoas e responsabilidade se tornou indispensável.

Mariana Novaes é gerente de marketing corporativo Globosat