Para escrever este artigo nos passam uma missão: conte aos nossos caros leitores o que te inspira em 3.500 caracteres. Bom, de começo acho muito injusto com todas as coisas do mundo eu ter de escolher apenas uma. Somos a consequência de uma série de impactos que nos trazem o que chamamos de inspiração, como aquele filme, aquela música, aquela pessoa.

De todos os impactos da minha vida, alguns me vêm à cabeça: a força impressionante das viagens, o imenso amor pela família e o poder criativo das experiências da infância ou a memória da propaganda brasileira e o amor por anunciar produtos. Tudo isso me parece inspirador.

Vou fazer diferente. Entendi que seria legal para mim reviver e pensar nesses assuntos que são tão fortes e me formaram, na vida e na profissão, mas entendo que não seria para você, caro leitor, pois não viveu as mesmas coisas — suas inspirações são diferentes. Decidi então escrever não sobre algo que me interessa, mas sobre algo que sou. E por mais que isso pareça egoísta da minha parte, adianto: não é. Interessa a você também.

O fato é que sou gay desde que o meu mundo é mundo. E se isso é uma parte de mim é também parte do meu trabalho. E, ora, se é parte do meu trabalho, com certeza, tem parte em sua inspiração.

Nem sempre foi assim. Antes de ser inspiração, ser gay é bloqueio.

Costumo dizer que as pessoas gays têm uma habilidade muito grande de adaptação. Mudamos quem somos, nosso jeito de falar, agir, em um piscar de olhos, de acordo com o que a situação pede e como nos sentimos mais seguros física e emocionalmente. Esse aspecto camaleão nada mais é do que mecanismo de defesa.

E nos tolhemos não apenas nas ações. Fazemos isso nas falas, nas ideias, nas experiências que deixamos de compartilhar. E o mais cruel é que o corte vem de dentro, de nós mesmos, com base no que temos como referência. Isso dói, é autodestruição.

Falar sobre isso em um artigo de jornal de propaganda é especial porque a jornada para transformar bloqueio em inspiração passou pelo mundo das agências.

O clima de bloqueio vinha de ambientes machistas, de tomadores de decisões com suas agendas, das piadas de corredor, de situações constrangedoras levadas com ar de normalidade e impunidade. Vida normal.

Até que chega o momento do clique. Demora, mas vem. Muitas vezes, é inspirado por exemplos de outras pessoas. Nessa hora, quando você se dá conta de que ser gay não é um problema seu, novos limites se colocam. Isso expandiu o meu universo.

Duplicou, triplicou, a possibilidade de ações, falas e posicionamentos. Tirei as travas e joguei 100% do meu lado. Abracei a minha perspectiva do mundo. Existe algo mais inspirador do que isso?

Existe! Pensar no futuro. Nos caminhos que estão abertos pelas discussões que temos hoje. Na transformação do mundo corporativo sem as barreiras que o preconceito impõe às relações e aos negócios.

Arrepia-me pensar no dia em que grandes marcas serão lideradas por pessoas mais diversas — profissionais negros, comunidade LGBTQIA+, pessoas com deficiência, com diferentes crenças e origens. A riqueza que a diversidade traz para a mesa é inigualável e, estudos comprovam, lucrativa.

A expectativa desse texto é, caro leitor, te inspirar. Primeiro, caso sinta que alguma dessas palavras toca a sua realidade, a inspirar que liberte-se. E, segundo, caso entenda que existe alguém no seu círculo, pessoal ou profissional, que pode se identificar com esse relato, a inspirar que você ajude a expandir outros universos.

Conte comigo.

Daniel Kiesel é diretor de estratégia na Mirum