Os redatores Fábio Maia, da Geometry Global Brasil e professor da Escola de Criação da ESPM Rio e Felipe Silva, da Africa, estão entre os professores do curso que a ESPM Rio dará a partir do dia 23 de março, “Me Representa! Marcas e Representatividade”, que abordará, principalmente, a diversidade na publicidade. Com vivências e experiências diferentes, ambos se alinham na visão de que quando se fala em diversidade e racismo, em comunicação, há muito para desconstruir e reconstruir. Confira o papo com os dois criativos. 

 

Fale sobre o curso na ESPM. Como você pretende abordar o tema e quem deveria se inscrever? 

 FÁBIO – Na verdade, o formato é de curso, estamos chamando tecnicamente de curso, mas acho que o projeto é muito mais do que isso. Até porque a proposta não é ensinar a fazer uma comunicação mais representativa. A ideia é criar um grande debate, um grande núcleo de pensamento (e repensamento) da propaganda que a gente faz e da que a gente consome. Sobre quem deveria se inscrever, são todos muito bem-vindos. Não precisa ter nenhum perfil específico, nem pré-requisito específico, nem cor específica, basta acreditar que alguma coisa precisa mudar na comunicação das marcas. Quanto mais visões e experiências para serem compartilhadas, melhor. A questão da representatividade é um assunto tão rico que, além de todos os professores do projeto, eu convidei o Felipe Silva para dividir a minha parte comigo.

Por que você(s)  se tornou (aram) referência nas discussões sobre racismo e negros na propaganda?

 FÁBIO – Na real, não me considero uma referência nesse tema. O Felipe é. Por isso o convidei. Para mim, é uma honra. A única bandeira que sempre levantei profissionalmente foi a das boas ideias. E, quando se trata de representatividade, a gente tem visto muita coisa ruim por aí. Dá pra fazer melhor. Muito melhor.   

 FELIPE –  Acredito que por ser um dos poucos negros na criação de uma grande agência e por ter um papel bem ativo na discussão sobre inclusão, racismo e pobreza nas redes sociais.

Qual o seu envolvimento com esse tema, até o momento? E qual a sua experiência pessoal numa equipe criativa, numa ambiente que possivelmente nem sempre foi acolhedor?

 FÁBIO – Acho que eu dei muita sorte. Sempre fui bem acolhido, em todas as equipes por onde já passei. Mas reconheço que aprendi a fazer propaganda do jeito “branco-masculino-hétero-elitizado” de fazer propaganda. E já reproduzi muito esse padrão. Reconhecer isso é um importante primeiro passo. Por isso, iniciativas como o “Me Representa!” são tão necessárias. É preciso se reeducar.

 FELIPE –  O tema é praticamente a minha história de vida. Sempre me senti um ser estanho na criação das agências. Negro, de origem pobre, no meio de pessoas brancas e ricas. Foi um caminho árduo, até hoje ainda preciso explicar muita coisa e situar muita gente. O ambiente da criação ainda tem muito que se abrir para ser um lugar com representatividade.

Por que há pouca diversidade nas agências, e por que os negros são tão pouco retratados na publicidade?

 FÁBIO – O problema é muito maior e vai muito além das agências. É social. E é histórico. Quantos executivos de marketing negros você conhece? Dentro e fora das agências, a propaganda sempre foi feita por uma minoria elitizada para vender um ideal elitizado. Quando você pensa em luxo, por exemplo, pensa em um garoto-propaganda branco ou negro? Tem muita coisa que a gente repete, até sem querer. Tem muita coisa pra desconstruir. E reconstruir. É preciso mudar os nossos conceitos de “aspiracional”.

 FELIPE – Penso que a questão é muito institucionalizada. Abdias Nascimento falava disso, no tecido social brasileiro já está instalada a crença de que há um país miscigenado e diverso. E isso acaba fazendo com que não exista a preocupação em retratar este público. Ou seja, há a ideia de que já estamos representados. É complexo. Se um criativo pensa num roteiro com uma família no café da manhã, ele pensa numa família branca, o cliente pensa em uma família branca, o diretor do filme pensa em uma família branca. E assim é feito. O negro só é retratado com o estereótipo. Para alcançarmos a diversidade e representatividade, é preciso desconstruir o pensamento comum.

O que achou(aram) do episódio da H&M (em que um menino negro apareceu vestido com um pullover que dizia “coolest monkey in the jungle)? O que em geral acontece em casos assim (como o de DOVE, recente)?

 FÁBIO  – Como tem gente sem noção, né? Sem noção da realidade do mundo. Sem noção da realidade de outras pessoas. Uma criança negra com um casaco escrito “macaco”. Uma mulher negra se despindo da pele para ficar branca. Um papel higiênico preto usando o lema de movimento negro. Muitas pessoas simplesmente não vêem problema nisso. E é aí que está o problema. Propaganda é feita de pessoas para pessoas. Então a gente tem que pensar mais nas outras pessoas. 

 FELIPE – Acho que são episódios que deixam evidente que representatividade é fundamental nas agências. Um negro percebe o preconceito de longe, porque o atinge todo dia. É muito difícil que um grupo de pessoas brancas tenha a mesma percepção.  Acredito que o que aconteceu foi isso: não viram o problema, porque nunca viram o problema.

Aumenta o número de mulheres protagonistas negras na publicidade, segundo a pesquisa da Heads sobre o tema. Mas em geral são celebridades como Taís Araújo. Isso vale? Ou ainda é preciso caminhar para um outro extremo, mostrando pessoas negras comuns, em situação de protagonismo?

 FÁBIO – Que bom! E dá pra ver que isso vai além da publicidade. Também estamos vendo personagens mais diversos sendo protagonistas no cinema e na televisão, por exemplo. Sinal de que o mundo está mudando e é preciso representar melhor essa mudança. Sobre celebridades, propaganda sempre foi assim e sempre vai ser. E não vejo nenhum problema nisso. Pessoas gostam de serem fãs e de terem ídolos. O que eu acho mais legal é que esses ídolos ou influenciadores estão cada vez mais diferentes, cada vez mais fora do que se tinha como padrão de beleza ou de sucesso. 

 FELIPE – As duas coisas. Vale! Muito! Mas ainda precisamos aprofundar mais as coisas. Eu quero ver cada vez mais a Thaís Araújo em propagandas de produtos? Sim! Mas as negras não podem aparecer no comercial só pra sambar e mostrar cabelo crespo.

Como “ensinar” a criar propaganda mais inclusiva se as equipes das agências continuam sendo de maioria branca, por exemplo? 

 FÁBIO – Insisto no ponto de que isso vai muito além das agências. Tem que ter mais diversidade e mais representatividade em todos os lugares. Principalmente nos clientes. É muito fácil querer validar campanhas com consultorias e montar comitês ou diretorias de diversidade só pra dizer que tem. Eu quero ver negros e negras entre os executivos, entre as pessoas de decisão das empresas. Aí sim a mudança vai ser pra valer.

 FELIPE – Vai ser muito difícil sem representatividade. Precisamos de mais negros e de outras pessoas que representem outros grupos para trazer mais visões. Como está, não vai rolar.

Na sua agência, há uma preocupação com a diversidade da equipe? 

 FÁBIO –  Sim. Acho ótimo. Estamos sempre nos questionando se não tá faltando mais gente diferente, mais pontos de vista diferentes no time.

 FELIPE – Hoje, há uma discussão. Fui convidado por algumas lideranças para pensar sobre isso. Para trazer minha visão sobre o assunto.

Na publicidade,a diversidade das equipes tende a aumentar? Ou esta é uma realidade muito distante?

 FÁBIO – Falando especificamente sobre negros e sobre equipes criativas, acho que ainda temos um longo caminho pela frente. Porque, como já dissemos, o problema é social. E histórico. Um negro ainda não tem as mesmas oportunidades que um branco. Ainda mais em um setor extremamente disputado, como é o nosso. Mas, só de ver uma certa vontade de mudar essa história, já é um começo. 

 FELIPE –  Acho que ainda é distante.

Qual foi o maior vacilo racista que você viu na história da propaganda recente?

 FÁBIO – Papel higiênico “Black is beautiful”. 

 FELIPE – Papel higiênico “Black is beautiful”.