Domingos: Grande desafio da área é a necessidade de se superar o tempo todo

 

O Brasil nunca teve um desempenho tão bom em Direct no Cannes Lions quanto em 2011. Dos 149 trabalhos inscritos, 16 foram classificados para shortlist e seis deles se transformaram em prêmios. Pela primeira vez, o país levou um Leão de Ouro para casa – com o case “Volta do Ferrorama”, da DM9DDB para a Estrela –, além de três de prata e dois de bronze (em 2010 também foram conquistados seis Leões, mas nenhum de ouro). Representante do país na área, Carlos Domingos, sócio e diretor executivo de criação da Age Isobar, acredita na boa performance brasileira, considerada por ele como uma das mais interessantes do festival. Para o executivo, Cannes vem se tornando um evento cada vez mais democrático e responsável pelo reconhecimento de pequenos anunciantes.

Critérios
“Tenho vinte anos de propaganda e, hoje em dia, busco usar mais a emoção do que a razão ao analisar um trabalho. Se algo me emociona, acho maravilhoso. Claro que observo aspectos técnicos, mas, como se trata de um festival de criatividade, acredito que seja nosso papel privilegiar ideias e buscar tendências. Mesmo se um trabalho não deu um grande resultado, mas trouxe avanços para a área e nos mostrou que podemos ir além do que está sendo feito, já valorizo muito.”

Trabalhos memoráveis
“Temos peças premiadas espetaculares em Cannes, como a da loja virtual que instalaram em uma estação de metrô na Coreia do Sul (GP de Media em 2011, conquistado pela Cheil da Coreia do Sul para a rede varejista Tesco). Aquilo foi sensacional. Pensei: ‘Meu Deus, que coisa fantástica!’. Acredito que seja esse o futuro de todas as cadeias de supermercados, já que a dificuldade de locomoção nas cidades parecem. Ter uma loja acessível no metrô é algo genial, que facilitaria muito as nossas vidas.  Outra iniciativa que me marcou muito foi a de uma doceria, em que você comprava um bolo e ele vinha sem uma fatia, simbolizando sua doação a uma instituição de caridade. Além de ajudar quem precisa, eu chego a uma festa com o bolo, por exemplo, e conto para todos o porquê da falta daquela fatia, difundindo a ideia.  É uma ação simples e inovadora.”

Marketing direto
“Nos últimos anos a categoria tem sido, na minha opinião e na opinião de muita gente, umas das mais interessantes do festival. O marketing direto cresceu muito em importância por quatro razões principais. A primeira é que, com a multiplicação das mídias e com a avalanche de informações provenientes de todos os lados, a atividade ganhou uma vantagem que é a ‘não dispersão’. Ou seja, não preciso optar por investir em um meio específico, como rádio ou TV, eu vou direto até o consumidor. Eu não dependo da atenção das pessoas: eu vou lá e chamo a atenção delas. A segunda é que, com o crescimento do digital, uma ação que antigamente seria localizada, hoje é espalhada pelos quatro cantos do mundo. Com isso, pequenos anunciantes conseguem realizar uma ação de grande impacto com pouco investimento. A terceira é a riqueza da área, que permite a integração entre mídias de forma efetiva e coerente. E, por fim, a última é o fato de apresentar resultados mensuráveis e visíveis, o que atualmente é uma exigência das empresas.”

Desafios
“O grande desafio da área é a necessidade de se superar o tempo todo e ser sempre melhor que o concorrente. As marcas vêm utilizando muito o marketing direto, então a chance de criarmos algo não tão bom, que resulte em dinheiro jogado fora, é grande. O marketing direto é um negócio antigo demais e me encanta por ser a forma mais básica de comunicação. Brinco até que a primeira história relacionada a ele é a de quando a ‘corporação céu’ entregou os dez mandamentos a Moisés –  o formador de opinião da época –, que os compartilhou com o povo. Dizem até que David Ogilvy, nos anos 70, não contratava ninguém que não tivesse experiência na área, porque quem tem experiência sabe o que realmente funciona ou não.”

Histórico
“A primeira vez que fui a Cannes foi em 1994, e continuei indo durante os dez anos seguintes. Acompanhei toda a mudança do festival, principalmente sua abertura para outras mídias, e acredito que hoje ele está extremamente mais interessante. É como se a comunicação deixasse a condição de gueto e se transformasse em algos mais consumível e relevante para a sociedade. As pessoas conhecem os grandes cases, entendem sua mensagem e comentam algo inimaginável há algum tempo. Além disso, agora a ideia é avaliada independente dos formatos, o que dá espaço para anunciantes menores mostrarem do que são capazes. No início, tínhamos apenas a área de filmes, que não são nada baratos. Hoje é tudo muito mais democrático, todos podem sair de Cannes premiados, desde que sejam criativos e ousados. Não por acaso, o número de anunciantes que vão ao festival aumenta a cada ano. Meu sonho é que o evento seja visto como uma oportunidade de fazer negócios: afinal, a propaganda também é responsável por fazer o mundo girar, as pessoas consumirem e os empregos aumentarem.”

Importância
“O ser humano tem uma tendência a se acomodar e festivais como Cannes, felizmente, tiram a gente desse estado. Nós temos essa mania de ficar contando historinhas para nós mesmos: ‘Tudo bem, estou bem assim, está tudo certo’. Mas aí você encontra alguém que faz o que você faz, só que muito melhor, acorda para a realidade e passa a tentar ser um profissional mais eficaz. Você pensa: ‘Nossa, eu poderia ter tido essa ideia, ter feito isso’. E é uma coisa que dói. Dói, mas te faz acordar e se mover, crescer e aprender mais e mais. Em propaganda, assim como em algumas outras profissões, você pode muito bem se formar, conseguir um emprego legal e pronto: você pode passar a vida inteira acomodado, fazendo a mesma coisa. Tem uma frase que exemplifica bem isso: ‘Você pode ter experiência de vinte anos ou a experiência de um ano repetida vinte vezes”’ E, no final das contas, é isso aí. Temos que derrubar fórmulas e reaprender o tempo todo, senão a vida não vale a pena.”

Preparação
“Como me considero um aluno aplicado, pretendo fazer a lição de casa direitinho: conversar com todos os ex-jurados da área, avaliar todas as peças brasileiras e tirar minhas dúvidas previamente. Acho que temos que, no mínimo, estar munidos de bons argumentos para defender o país, mostrar porque determinado trabalho é bom e merece ganhar. Historicamente, o Brasil tem se saído muito bem na área. Já sabemos utilizar o marketing direto há muito tempo, o que me deixa tranquilo em relação ao seu desempenho em 2012.”

Carlos Domingos X Carlos Domingos
“Eu me considero um cara encantado com o novo, como um principiante. Apesar da minha experiência, serei eternamente empolgado com pessoas jovens chegando e novos trabalhos surgindo. Essa empolgação é boa para mim, como profissional, porque reflete no modo como vejo Cannes. A competição fica mais difícil a cada ano que passa e minha criança interior acha essa constante renovação incrível. Fiz um estudo sobre a geração Y, que deu origem ao livro ‘Criação sem pistolão’. Como ele foi lançado em 2002, pensei em atualizá-lo, mas cheguei à conclusão de que não preciso escrever nada para a geração Y, pois ela chega ao mercado muito mais preparada do que eu cheguei. Quem precisa mesmo ler o livro e aprender algo são os empresários das agências, que continuam usando os mesmos modelos de antes e que não estão abertos a ouvir sugestões e dar espaço a novas vozes.

Hobies
“Gosto de dar uma passadinha em Paris antes de chegar a Cannes. Depois, costumo ir a restaurantes bacanas e visitar cidades próximas para descansar. Tento sempre planejar bem meu tempo para estar presente ao máximo no festival, porque são tantas opções que, sem planejamento, acabo perdido. É como aquela frase: ‘Quando você entra em uma livraria é como se entrasse em um bordel; você sabe o que fazer, mas não sabe por onde começar’. Em Cannes é a mesma coisa. Tem um monte de coisa legal, mas é preciso saber por onde começar. Quando eu não era jurado, pegava toda a programação, ia para o hotel e anotava coisas imperdíveis, como uma palestra ou uma categoria específica. Sou muito caxias, para mim Cannes é como um curso: preciso aproveitar ao máximo sempre. Quando estávamos escolhendo pessoas da agência para ir ao festival, me preocupei em mandar quem poderia aproveitar a experiência e não quem merecia por trabalhar mais. Cannes não é um prêmio, é um curso que vai tornar a pessoa um profissional melhor. Muita gente vê o festival como uma chance de ir a várias baladas e se divertir. Não acho isso errado, mas esse não deve ser o foco. Se não estiver empolgado com Cannes para aprender e se tornar um profissional mais maduro, você já era.”