Seria interessante se conseguissem separar agência, produtora de filme e de som na hora de contabilizar os prêmios

A participação de profissionais brasileiros em trabalhos internacionais é crescente e fica escancarada em festivais organizados globalmente. Na 70ª edição do Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, realizada na França entre os dias 19 e 23 de junho, o ingrediente brazuca é notório.

As paranaenses The Youth, Canja Audio Culture e Colossal, por exemplo, assinam a produção e pós-produção de “Scrolling therapy”, feito para Eurofarma, que ganhou Grand Prix de Pharma e Prata em Social & Influencer Lions. Mas os prêmios foram computados para a Dentsu Creative Chicago e Nova York (EUA) e Buenos Aires (Argentina).

A Canja trabalhou também para “DiversiTree”, ação criada para a marca Claritin. O Leão de Ouro em Health & Wellness, porém, foi para a Energy BBDO Chicago (EUA). A produtora de som fundada em 2012 é apontada ainda em “The most beautiful sound”, projeto criado para American Society of Clinical Oncology (Asco), que garantiu Ouro para a Grey Nova York (EUA) em Pharma, mesma área onde a Canja ajudou a trazer Prata para a Area 23 Nova York com a ação “Mind’s eye”, elaborada para MND Association.

De São Paulo, a Jamute participou da animação “The bridge”, cujo Bronze em Health & Wellness foi para a agência Klick Health Toronto (Canadá) no trabalho desenvolvido para a ONG Paws Nova York (Pets Are Wonderful Support).

A campanha, que ganhou também Prata, teve a participação da Lightfarm Studios, do Rio de Janeiro, responsável ainda pela produção de “Lifesaving radio”, que levou Bronze em Pharma, outro prêmio computado para a canadense Klick Health, em trabalho bancado pela Nextmed.

A Jamute ainda assina o áudio de “Certified human” ao lado do trabalho de pós-produção da Fuze Image, de Salvador (BA). A campanha rendeu Leão de Bronze à Dentsu Creative Chicago (EUA) na categoria Creative Business Transformation. No total, o projeto criado para a Intel soma um Ouro, duas Pratas e dois Bronzes. Com David Madrid (Espanha), a Jamute adiciona Bronze com “Scarves”, para o Twitter.

Lifesaving Radio | Highway to Heal
The first album and AI radio station to optimize surgical performance.

Já os gaúchos da Vox Haus ajudaram a Saatchi & Saatchi Dubai (Emirados Árabes) a conquistar Bronze em Heath & Wellness com “Empty plates”, elaborado para UAE Government Media Office, além de Bronze em Creative Commerce com “Time to read”, feito para Kinokuniya Bookstore.

A Vox Haus também contribuiu para que a Publicis Buenos Aires (Argentina) levasse Bronze em Social & Influencer com “Unhashtagged places”, criado para a Renault.

A Ritmika Audio Arts, de São Paulo, aumenta a lista com o Ouro de “Inequality you can’t ignore”, da Intouch Solutions Nova York para The Chrysalis Initiative, e a Prata de “The outside in experiment”, da Area 23 Nova York (EUA) para Horizon Therapeutics - ambos em Pharma Lions. Está presente ainda no Bronze de Print & Publishing com “bAIgrapher”, outra da Area 23 Nova York, para a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

A Refty também ganha destaque entre as produtoras de áudio com um Grand Prix, um Ouro, quatro Pratas e dez Bronzes no Cannes Lions 2023, totalizando 16 troféus.

Trilha de sucesso
A queda de barreiras entre produção e clientes é uma das explicações fundamentadas pelo publicitário e produtor musical Lucas Sfair, jurado de Radio & Audio do festival, para a explosão de brasileiros em fichas técnicas estrangeiras.

“Muitas ideias mais fortes miram o ser humano e podem funcionar em qualquer mercado. Como trabalho com música, é claro que sou defensor dessa fase não-separatista do que é feito por quem e onde”, diz o fundador e diretor criativo da Canja Audio Culture, que soma 15 Leões na edição de 2023 do evento. Pelas contas da produtora, foram 78 troféus desde 2012. São cinco Grand Prix no total, incluindo um na área de áudio.

A lista de trilhas da Canja presentes em cases premiados neste ano no Cannes Lions incide especialmente em peças vindas dos Estados Unidos, campeão de inscrições (7.303), seguido por Reino Unido (2.201) e Brasil (2.037).

“Culturalmente e financeiramente falando, o Brasil não inscreve tanto quanto países como Estados Unidos. Para lá, cada projeto que fazemos recebe cerca de 20 inscrições, enquanto aqui, se forem cinco, já são muitas. Mesmo assim, o Brasil consegue ter uma eficácia fora de série”, situa Sfair.

Mas o músico reconhece a dificuldade de se atribuir um prêmio com identidade estrangeira. “Se o Real Madrid ganhar a Champions League com um atacante brasileiro, o prêmio é para um time da Espanha, não é mesmo? Então, apesar de termos diversos brasileiros na ficha técnica de campanhas ao redor do mundo, tanto na criação quanto na produção, acaba sendo difícil reivindicar um troféu com CNPJ estrangeiro”, admite.

O orgulho em participar de campanhas criadas para outros países, porém, compensa a falta do Leão. “Apenas quero saber se a campanha é boa. Não devemos nos preocupar com bandeiras e sim com impacto social”, declara.

Fronteiras invisíveis
Não é de hoje que talentos brasileiros são exportados. No mercado há 16 anos, Lucas Sfair lembra, porém, que a situação se intensificou, especialmente após a pandemia da Covid-19. A quarentena provou que é possível ser eficaz à distância, cenário que abriu vagas para profissionais baseados nos mais diversos países. Um percussionista africano ou um trompetista mexicano podem participar de uma trilha da Canja. Basta ter internet. “Para mim, que sou de áudio, apenas confirmou o fato de que música é uma linguagem universal. Posso colaborar com artistas de outras nacionalidades em busca de resultados que exijam um contexto cultural diverso”, explica Sfair.

O novo cenário indica a necessidade iminente de revisão de alguns parâmetros para autoria dos trabalhos. “Seria interessante se conseguissem separar agência, produtora de filme e de som na hora de contabilizar os prêmios. Afinal, mesmo que eu produza algo para Nova York, terei uma equipe brasileira e um CNPJ que paga imposto no Brasil”, sugere Sfair.

Mesmo assim, ele reconhece a complexidade técnica de curadoria das fichas técnicas. “Ganhamos dois Ouros e um Grand Prix em Cannes e, no telão, o nome da nossa produtora só apareceu em um desses três trabalhos. Para que essa renovação seja feita, precisaremos de muito esforço”, propõe.

Leia a íntegra da reportagem na edição impressa de 10 de julho.