Os verdadeiros democratas brasileiros, que concordam com a definição de Winston Churchill de que a democracia pode não ser perfeita, mas é o menos imperfeito dos regimes políticos, desolaram-se com a decisão da Corte Suprema da Justiça argentina (o nosso STF), que acaba de considerar constitucional a Lei da Mídia aprovada pelo governo dos Kirchners (Néstor e Cristina) e que traz em seu bojo o que está se tornando comum nos países da América Latina: o controle “social” da mídia.
Com o reconhecimento pela Corte Suprema da legalidade da Lei da Mídia, o governo central do país irmão já prepara o leilão de partes importantes do Grupo Clarín, principal alvo da nova legislação argentina.
A história teve início em 2008, quando as plataformas de mídia do Grupo Clarín colocaram-se contra o governo em um confronto deste com o patronato ruralista do país. O episódio determinou uma guerra sem trégua do casal Néstor e Cristina contra a liberdade de opinião e de expressão do famoso grupo de comunicação, que possui mais de 250 licenças de rádio e TV consideradas concessões públicas e, portanto, sujeitas à legislação especial de controle.
Essas licenças serão em sua grande maioria cassadas e loteadas entre partidários do governo, sujeitando a opinião pública argentina a praticamente uma só voz na difusão e interpretação dos fatos, a voz oficial.
Os espertos governantes, com o continuísmo de Cristina no poder, souberam aproveitar-se da onda mundial contra a mídia que as esquerdas promovem, para cerceá-la em seu país, que se vangloria de ter a menor taxa de analfabetos da América Latina.
A vitória do governo argentino contra o Grupo Clarín reacenderá nossos ideólogos de plantão – a maioria interesseira – na sua luta pela implantação no Brasil de uma legislação semelhante, vedando os olhos da nação, como Rui definiu a imprensa.
Isso pode significar o último passo para o abismo de mais um regime de exceção disfarçado em democracia, porque realiza eleições, mantém abertas as casas legislativas (onde a compra de votos prossegue sendo prática comum, como se viu em São Paulo com a Câmara Municipal votando apressadamente o aumento do IPTU) e imita as demais e inúmeras práticas democráticas, menos a principal que se traduz no pensamento democrático dos seus líderes. Estes, por mais que se esforcem, não conseguem sair do armário da arbitrariedade, do estímulo à luta de classes, da arrogância e da vida nababesca que levam, contrastando com o que apregoam e dos frequentes escândalos que proporcionam arrombando os cofres públicos, para ficarmos apenas nessa “pequena” coleção de malfeitos.
Uma forte corrente de brasileiros crédulos revela descrédito quanto a uma mudança do regime político em nosso país, alegando entre outras razões que o próprio tamanho continental do Brasil impediria mudança drástica nas regras do jogo.
Há que se levar em conta, porém, que a ação não é mais a mesma de diversos períodos históricos (e de triste lembrança) do século passado.
Aqueles que querem nos ensinar a viver aprenderam algo que seria inadmissível nas lutas de tomada do poder que a História registra: o uso do disfarce, e aqui não se remete aos black blocs e suas máscaras, embora estes ao que tudo indica servem a interesses contrários ao jogo democrático.
O disfarce, que nas artes cênicas está presente na própria História da humanidade, constitui-se em fingir ser uma coisa, sendo outra.
Pode ser o menos ruim dos regimes, embora não sendo perfeito (e mais uma vez lembrando Churchill), a democracia permite, tentando alcançar a perfeição, que seus piores adversários ajam em seu nome.
Eis o disfarce, para tristeza dos autênticos democratas, com alguns já rindo da honra e tendo vergonha da honestidade, como também lembrou Rui, em um momento possivelmente semelhante ao que vivenciamos em nosso país.
Em tempo: qual será o “Grupo Clarín” mirado no Brasil?
Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2473 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 4 de novembro de 2013