Rodolfo Echeverría: consumidores estão acima da própria marca

 

Rodolfo Echeverría assumiu a vice-presidência de marketing da Coca-Cola para a América Latina em janeiro deste ano. O executivo, de nacionalidade uruguaia, está há 25 anos na companhia e, antes de ocupar o posto, foi presidente da Coca-Cola Itália e vice-presidente global das marcas Active Lifestyle, Glaceau e Aquarius, em Atlanta, onde fica a sede da empresa. Seu primeiro grande desafio no cargo atual foi a Copa das Confederações, em junho, quando protestos eclodiram pelo Brasil e atingiram a marca, uma das patrocinadoras da Fifa. “Foi algo novo para a companhia, nunca havíamos passado por algo assim em nossa história. E aprendemos muito.” Echeverría fica baseado no México. Em visita recente ao Brasil, ele conversou com o propmark.

Em junho, pouco antes da Copa das Confederações, milhares de brasileiros foram às ruas protestar, e a Coca-Cola foi alvo dos manifestantes. Como a marca lidou com isso?
A situação de planejar um evento e ele sair de forma totalmente contrária não é agradável. É claro que ninguém gosta disso, mas você acredite ou não foi uma fantástica oportunidade para nos colocarmos à prova naquele tipo de ambiente. Estávamos esperando um cenário muito mais amigável. Para mim, havia 98% de certeza de que seriam cinco semanas de divertimento, de diálogos alegres com consumidores sobre a Seleção Brasileira e, quando nos aproximamos da Copa das Confederações, vimos esse tumor que tomou conta das ruas. Nossa estratégia, que estava amparada em storytelling e diálogo, foi completamente abandonada. A grande notícia foi que conseguimos colocar nosso time de engajamento com o consumidor na linha de frente dessa estratégia. Os protestos forçaram nossos jovens funcionários a conversar com as pessoas, a ouvi-las, a falar da nossa companhia. O que iríamos fazer? Retirar o apoio de nossa marca em um momento que a Fifa não era mais tão popular? Tivemos que lidar com isso. E aprendemos muito. Informávamos diariamente o nosso time sênior de executivos quais eram as conversas, o que as pessoas estavam dizendo. Foi algo novo para a companhia, nunca havíamos passado por algo assim em nossa história. Documentamos isso e, a cada vez que algo do gênero acontecer, teremos um benchmark. No ano que vem haverá os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, na Rússia, e podemos usar o que aprendemos com o Brasil.

A Coca-Cola aumentou bastante suas inserções na televisão durante o período. A marca irá adotar uma postura mais agressiva em mídia a partir de agora?
Eu não estou familiarizado com o plano de mídia local, mas isso não me surpreende. Os protestos geraram muitas conversas, as pessoas estavam em alerta. E chegou o nosso momento de falar. O plano B era ficar em silêncio, retirar toda a comunicação publicitária e desaparecer, para não cometer nenhum erro, e esse não era um plano muito bom. Decidimos colocar muitos comerciais no ar e manter nossas promoções. As cores da bandeira nas latas de Coca-Cola é um exemplo. A mensagem disso é que podemos colocar nossos consumidores acima da nossa própria marca. Muitos estavam apavorados com a ideia de mudar o nosso tradicional “vermelho e branco” pelas cores da bandeira brasileira. As nossas cores originais são as mesmas desde 1886 e os consumidores brasileiros experimentaram essa mudança nas latas de Coca-Cola. Nós não fazemos isso o tempo todo e não agimos assim em outros países. Mas fizemos aqui. E fico muito feliz com a nossa decisão. Era um momento em que os brasileiros precisavam de uma mensagem de reforço, de que estávamos ao lado deles.

Nos últimos anos, comerciais da marca, como “Razões para acreditar” e “Security Cameras”, foram premiados e tiveram muito sucesso na internet. Quais são os processos dentro da companhia para alavancar a criatividade?
Estamos falando de uma marca que tem 127 anos de história. Ao longo de todos esses anos, muita coisa mudou em como a Coca-Cola faz publicidade. Vemos que o mundo está mudando. A forma como as histórias são contadas e se espalham fazem parecer que estamos em um mundo totalmente diferente do que ele era há 10 ou 20 anos. Mas, se olhar de forma cuidadosa, verá que são praticamente as mesmas coisas que importam: capturar um insight do mercado, ajudar nossas agências a desenvolver a ideia e, o principal, o storytelling, como contamos a história. E não importa se é para a internet ou para um comercial de 30 segundos na televisão. Há 50 anos, havia tudo isso: um insight que processávamos, uma ideia e o storytelling.

Como fazem para materializar essa fórmula clássica hoje, em que precisam estar em tantas telas? 
No momento, a forma como atingimos essa máxima é pela escolha das melhores agências possíveis. E as melhores são aquelas que conseguem trabalhar conosco nos 260 países onde atuamos. Não é qualquer agência que obedece aos nossos critérios. As que escolhemos são muito boas no que fazem. Essa é a primeira coisa. A segunda é como utilizamos a nossa rede para encontrar as melhores ideias. Nos últimos anos viemos desenvolvendo uma plataforma que permite que a Coca-Cola de cada país desenvolva sua própria publicidade, o que tem se mostrado muito eficiente. A forma como isso está sendo possível é pela divisão que fizemos dos mercados em clusters. No caso da nossa região, por exemplo, toda a América Latina passa a responder a um briefing. Temos algumas agências trabalhando na região, mas o resultado final é um único trabalho. Nossas agências da Europa estão trabalhando dessa forma, assim como as da Ásia. Estamos atuando mais em clusters, diferente de como era no passado, quando tínhamos 87 filmes de Coca-Cola para o Natal. É uma forma muito mais eficiente e eficaz de fazer publicidade. Outra coisa única da Coca-Cola é que usamos todos os pontos do mix de marketing. Marcas podem sobreviver por um tempo somente com investimento em mídia, mas nós precisamos usar o mix de marketing da melhor forma possível pelo tipo de produto que a Coca-Cola vende. Temos vendas diárias e, por isso, precisamos de publicidade diária.

A América Latina é um importante mercado consumidor, respondendo por 30% do volume de vendas da empresa. Quando a região se transformou também em um hub criativo para a marca?
Isso é interessante. O grande acontecimento nesse sentido foi há cerca de 20 anos. Costumávamos fazer algo chamado “pattern advertising”, que saía de Georgia, em Atlanta [sede da empresa]. Foi nessa época que me uni à companhia. Recebíamos comerciais de televisão, de um tipo bem norte-americano, e adaptávamos para o mercado latino-americano. Isso mudou há anos e não é mais o que acontece. Nos últimos nove anos, a América Latina passou a responder pela qualidade de muitos dos melhores trabalhos que a Coca-Cola já fez. E isso não é um autoelogio porque, nesse período, eu estava na Itália. Eu estou elogiando o trabalho feito pelos meus predecessores. O fato é que, por meio desse sistema, elevamos nosso orçamento publicitário para a região e aumentamos nossas ambições criativas. Os trabalhos saídos principalmente do Brasil, da Argentina e do México foram destaques nos últimos anos.

A Coca-Cola tem um projeto para levar Wi-Fi para pontos de venda em toda a América Latina. A marca de fato está empenhada em universalizar o acesso à internet ou essa é uma estratégia de capilaridade pequena e mais foco em retorno de imagem?
Primeiro deixe-me definir “pequeno” e “grande” e permita-me falar um pouco de nossas aspirações e do que amo nesse trabalho. O que amo sobre o Wire Project é que ele combina duas forças da Coca-Cola: nosso enorme mercado consumidor e nossa capilaridade, com milhares de pontos de venda. A Coca-Cola está em todo lugar. Temos mais de 1 milhão de pontos de venda somente no México. Quando você combina nossa capilaridade com nossa premissa de fazer publicidade diariamente com nossos bilhões de consumidores, a ambição é grande. O projeto está em experimentação. Isso é algo que aprendemos: não lançar projetos gigantescos que, em três semanas, se transformam em fracassos. Estamos dando pequenos passos, assegurando que a qualidade da conexão é boa, que os consumidores tomem conhecimento de que, naquele ponto de venda, há conexão disponível. As pessoas não esperam que em um bar qualquer haja Wi-Fi. Precisamos comunicar isso.

Em quantas cidades o projeto estará disponível?
Ainda não sei. Oferecemos o projeto para toda a América Latina e, agora, há projetos-piloto no Brasil, no México e na Colômbia. Cada país decide se irá adotar. Eu não acredito que uma regra sirva a todos. Cada operação decidirá o quão ambiciosa quer ser. Temos um projeto-piloto para o Rio de Janeiro, com bares no entorno do estádio do Maracanã que estão oferecendo a conexão. Não seremos como a Starbucks, em que as pessoas vão para utilizar a rede Wi-Fi. O objetivo é criar uma extensão de uma plataforma que inclui Coca-Cola TV e Coca-Cola FM. Há uma convergência entre nossas ações para contar a história da marca de várias formas, não somente por meio de comerciais para televisão.

Esse projeto faz parte do cobiçado orçamento de risco que a Coca-Cola tem para ideias inovadoras? 
Tudo o que a Coca-Cola faz está dentro da divisão “70%-20%-10%”. Os 70% são dedicados ao que a Coca-Cola já conhece, a projetos e campanhas que sabemos a taxa de sucesso, os quais nós replicamos e dos quais buscamos colher o melhor resultado. Os 20% são destinados a entender elementos que estão fora do ecossistema da companhia e que tentamos incorporar. Os 10% são os mais desejados. O percentual é para tentar compreender aquilo que é desconhecido por todo mundo, não somente pela Coca-Cola. Quando empreendedores e pioneiros nos trazem conceitos inovadores, dedicamos a eles os 10% para que ponham suas ideias em prática.

Quem são as agências que saem na frente na disputa por esse budget? 
Intuitivamente, você poderia pensar que as ideias mais inovadoras não vêm de nossos parceiros tradicionais. E, infelizmente, às vezes é esse o caso. Nossa preferência é inserir projetos de inovação entre nossa rede de agências. E é isso que estamos fazendo. Temos conversado com cada líder de nossas agências e dito: nós detestaríamos ter que recorrer a jovens empreendedores de Palo Alto, Califórnia, para encontrarmos novas ideias. Acredito que nossas agências, assim como a Coca-Cola, estão tentando reinventar a si mesmas e modernizar suas operações. Nossos parceiros têm propósitos de trabalho muito fortes e é por isso que trabalhamos com eles, mas estamos tentando encontrar pequenos espaços onde podemos aplicar os 10% do nosso budget dentro de nossa rede de agências. Não acredito que precisamos recorrer a pessoas excêntricas para melhorar o negócio. É possível ter isso dentro da companhia. Mas é fato também que às vezes você necessita de sangue novo. Isso está tendo um reflexo em nossos programas de recrutamento. Os profissionais que contratamos hoje são bem diferentes dos de dez anos atrás. Estamos tentando, no marketing, combinar o novo com o antigo: a flexibilidade de novas mentes com a integração de quem vem trabalhando no ecossistema há bastante tempo.