Desde o ano passado, um dia por ano, cerca de duas mil pessoas do grupo McCann na América Latina – da diretoria aos office boys – vão às ruas entrevistar pessoas sobre um determinado tema para o projeto “Truth About Street – na trincheira”, um levantamento que faz parte do “Truth About Street” e que foge dos padrões tradicionais, buscando temáticas intocadas pelas empresas de pesquisas. O resultados servem para inspirar agência e clientes a pensarem o futuro.
A primeira experiência foi em 2012, e o tema escolhido foi “Comida de rua”. Agora, acaba de ficar pronta a segunda edição do projeto, desta vez dedicado a analisar os pequenos negócios em suas várias dimensões. Para isso, foram ouvidos 1,3 mil donos de pequenos negócios nos segmentos de alimentação e beleza no Rio de Janeiro e em São Paulo.
“O projeto nasce da crença da McCann de que a verdade está na cultura popular e nas ruas. Os funcionários saem do conforto da agência para as ruas porque têm um olhar diferente dos pesquisadores tradicionais. Por não serem profissionais da área, trazem coisas novas e frescas do ambiente dos pesquisados, o que enriquece muito o trabalho”, afirma Flávia Campos, diretora de planejamento da WMcCann e coordenadora desta edição do projeto no país.
O segmento da economia escolhido para a pesquisa representa, em alguns países, mais de 50% do PIB, 40% dos empregos e atrai quase 50% dos jovens entre 18 e 24 anos. Dados do Sebrae apontam que os pequenos empreendimentos representam 99% dos negócios no país e respondem por 25% do PIB, além de 40% da massa salarial e 70% das novas vagas de empregos geradas.
No Brasil, 600 profissionais da WMcCann do Rio e de São Paulo foram a pontos de vendas como bares, restaurantes, cabeleireiros e mercearias – estas, a última trincheira na guerra das marcas pela preferência do consumidor – ouvir empresários sobre sua autopercepção como empreendedores, a visão do próprio negócio, seu conhecimento de mercado e a relação com as marcas que comercializam. Com outros países da América Latina, foram realizadas mais de 3,5 mil entrevistas, sendo mais de 1,3 mil no território brasileiro, sempre compreendendo as quatro dimensões de análise e combinando dados quantitativos e qualitativos.
País do presente
Definitivamente, o conceito de “país do futuro” aterrissou e transformou-se em “realização aqui e agora”. Isso contribuiu para o desejo das pessoas de construir seus próprios negócios no lugar de vincular-se a grandes corporações. Temos, mais do que em outros países da América Latina, a crença de que “agora é possível”. O que chamou a atenção no levantamento da McCann foi justamente a elevada autoestima dos microempresários. “Quando vemos um país onde existe uma grande desigualdade social e 44% dos jovens sonham em ter o próprio negócio, entendemos que temos muito o que aprender a respeito deles. Eles sonham e querem a oportunidade de crescer, de ser independentes, cuidar da família, fazer o novo”, afirma Flávia.
O sonho de ter 13º salário, benefícios e trabalho em multinacionais vem sendo substituído por esse desejo de independência “pelas próprias mãos”: 33% destacam o valor de tomar suas próprias decisões e, 18%, o de gerenciar seu tempo. Acima de tudo, a maioria abre seu próprio negócio buscando assegurar o bem-estar e o progresso da família (42%) e a estabilidade econômica (13%). A realização pessoal é responsável por 29% da motivação dos empreendedores.
O reconhecimento social é uma importante mola propulsora do empreendedorismo. Para 35% dos que investem em seu negócio, a sociedade reconhece a importância de seu papel e de seu trabalho duro (30%), enquanto 16% consideram que sua empresa é um orgulho para sua família e permite que sejam mais respeitados pelas pessoas.
Relação com as marcas
Se por um lado os empreendedores ouvidos pela pesquisa têm uma relação calorosa e próxima com seus clientes, a relação com as marcas costuma ser estritamente transacional. Segundo os entrevistados, as marcas estão interessadas apenas em seus negócios, não no progresso do pequeno empreendedor.
“Costumamos dizer que a última trincheira de contato das marcas com o consumidor é no varejo. E em especial no pequeno varejo, que é muito grande no Brasil e onde o dono do estabelecimento é mais um amigo das pessoas que compram na sua loja. Por isso, sua visão das marcas é muito valiosa. Eles influenciam a rede de amigos que compram ali. Acreditamos que essas pessoas têm sido esquecidas pelas grandes corporações”, destaca Flávia.
Segundo o estudo, 11% dos empreendedores dizem formar um time com os fornecedores e as marcas. Ao qualificarem o que de melhor as marcas faziam em seu relacionamento com eles, os donos de pequenos negócios apontaram o uso de propaganda como arma de venda (28%), as formas de pagamento oferecidas (23%), os incentivos para manter seus produtos no catálogo (19%), sua força de venda (15%) e o mobiliário e o material de merchandising para a exibição de seus produtos (15%).
“L’Oréal e Coca-Cola são as marcas que lideram toda a pesquisa, consideradas as mais rentáveis e com quem os empreendedores têm a melhor relação. De maneira geral, a pesquisa mostrou um alto percentual na categoria ‘Outros’, o que pode indicar a presença de marcas locais não relacionadas nas opções pesquisadas, ou marcas pequenas, eventualmente não consideradas concorrentes das grandes marcas, mas que devem estar fazendo um bom trabalho de relacionamento e negócios com esses comerciantes”, explica Flávia.
Informações como essa são, segundo a executiva, a grande riqueza do estudo, que poderá servir de ponto de partida para uma série de projetos envolvendo os clientes da McCann, casos de Nestlé e Colgate, por exemplo. A pesquisa é apresentada para os clientes e também usada em ações de prospecção. “Acreditamos que o estudo pode ajudar a mudar alguma coisa. Principalmente para que grandes empresas tratem o pequeno varejo com a devida importância. Trazê-los para perto porque eles são, de fato, muito importantes”, conclui.