Quando vivemos em uma sociedade sob o regime capitalista, temos bastante claro em nosso julgamento o valor financeiro que as coisas contêm e, quase na maioria das vezes, esse valor está diretamente relacionado à qualidade do produto ou serviço que compramos. Sempre estamos dispostos a pagar mais pelo melhor, mesmo que esse melhor seja apenas um verniz de marketing. Nesse caso, porém, o ciclo de compra acaba assim que atestamos amargamente que fomos ludibriados.
Assim como em diversos segmentos de mercado, a publicidade sempre seguiu essa lógica. Quando comprávamos apenas canais tradicionais, sabíamos o valor das entregas e até as desejávamos. Os profissionais de mídia disputavam os programas de maior audiência, a quarta capa das revistas semanais, a faixa nobre de jornalismo no rádio, os roteiros nobres de outdoor e por aí vai. Quando ingressamos no mundo da mídia digital, iniciamos dentro do mesmo pensamento – aquele em que comprávamos espaços de grandes audiências, canais segmentados, portais e sites verticais com sobrenomes jornalísticos confiáveis. Estávamos, no entanto, comprando uma massa de audiência sem granularidade de segmentação e assim repetíamos a fórmula offline de compra de mídia.
A beleza da evolução da mídia digital para a compra programática reside exatamente nessa mudança de pensamento, de possibilidades de entrega da mensagem para audiências segmentadas, independentemente dos limites de um canal apenas. Porém, fomos evoluindo os modelos de compra muito pautados nas entregas das grandes plataformas de tecnologia.
A comprovação disso está nos números da Zenith Forecast, que apontam 55% do investimento de mídia digital global concentrados em search e redes sociais. E quando passamos a perseguir métricas quantitativas, mudamos a visão para a uma pretensa performance de resultados medida por volumes de impressão, cliques, likes, views, entre outros que, obviamente, são importantes, mas não podem ser objetivos isolados das campanhas.
A compra programática, dentro de sua evolução, permite ao mercado a escolha de modelos de negociação que atendem diferentes estratégias. A compra por leilão aberto, a mais comum e recentemente muito discutida por causa das entregas de campanhas em sites que propagam fake news, tem sua importância para marcas que precisam arrebanhar grandes coberturas, gerar volumes sólidos de tráfego de pessoas em suas propriedades ou apenas gerar awareness dentro de um público bastante volumoso. Porém, essa não é a única maneira de se comprar programaticamente.
Podemos assegurar um controle de entregas de mensagem dentro de uma relação de sites determinados pela agência, constituindo uma whitelist, ou mesmo estabelecer um “deal” com grandes publishers para distribuir a campanha dentro de seus canais para uma audiência específica. Em todas as modalidades temos a possibilidade sempre de adicionar camadas de filtros de brand safety e anti-fraudes. E, acima de tudo, precisamos de equipes de profissionais especializados para desenvolverem e implementarem uma estratégia que seja eficiente.
O grande ponto aqui é a indefectível questão do valor das coisas. No desejo de garantir uma entrega completamente controlada, qualificada, em conteúdos jornalísticos confiáveis, em publishers consolidados, temos, obviamente, que pagar mais por isso. Se no offline é assim, por que no digital tem que ser diferente? Por que queremos distribuir nossas mensagens e nossas marcas em ambientes premium e pagar unitariamente poucos reais ou até mesmo centavos por isso?
É importante ressaltar que nesse contexto não existe julgamento de valor entre os modelos de compra. Não tem o bom, o mau, o certo e o errado. Tudo depende do objetivo de cada marca dentro de sua estratégia. O que não podemos é misturar tudo em um mesmo balaio e querer aplicar os mesmos custos para diferentes tipos de entrega. Quanto mais filtros exigimos, mais tecnologias distintas são acrescentadas à compra. É como acessórios de um carro, que ao comprarmos vamos adicionando e o produto final é obviamente mais caro e mais valioso do que um modelo básico.
O mundo da mídia plataformizada nos fez perder um pouco a visão do valor da qualidade do espaço comprado, do publisher e de sua valiosa equipe de jornalismo, e deixamos de aplicar os custos justos e necessários para sermos exibidos neles. Hoje existe, inclusive, um certo desconforto por parte dos mídias em comunicar aos clientes que os custos sofrerão acréscimos de acordo com a busca por uma entrega mais qualificada. E ao evitar esse debate, seguimos apostando apenas na compra por volumes, na pulverização da campanha dentro do long tail. Acontece que essa pulverização inevitavelmente gera questões ao longo do caminho, assim como vimos no caso do movimento Sleeping Giants.
É importante entendermos que outros casos aparecerão mais frequentemente por conta da evolução do próprio ambiente digital e isso é ok para clientes que estão cientes do que estão comprando. Para aqueles que exigem uma entrega restrita em determinados ambientes editoriais ou segmentações rígidas, é fundamental que perguntem às suas agências quais os custos envolvidos e que estejam cientes e seguros em pagar por eles. Assim, as dúvidas e discussões equivocadas sobre o vilanismo da compra programática desaparecem definitivamente para o bem do nosso mercado.
Márcio Jorge, sócio e diretor de inteligência da ZAHG.